Onde é que nós estamos?

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Comecei a descobrir o mundo nas aulas de História e Geografia do primeiro grau do colégio Espírito Santo, longe poucas quadras de casa. Ali ele começou a tomar forma, ficou mais redondo, mais azul, mais político. Aprendi a calcular o fuso horário enquanto descobria curioso a localização de cada país. Depois, cada um desses países era dividido por continente, se estudava a sua população, moeda, língua e se decorava a capital. Isso de todos. Lembro da salada que era na prova quando tinha que lembrar das duplinhas, país-capital, país-capital. Às vezes invertiam. Capital-país, país-capital. Das guerras, sabíamos pouco. Tudo se resumia em causas e conseqüências. Assim também eram com os movimentos sociais. A Revolução Industrial, a Francesa. Da professora de História, lembro até hoje. Era uma senhora que parecia não envelhecer nunca. Tinha dado aula pra minha irmã e continuava sempre igual, conservada, enérgica, falante e com seios fartos. Claro que eu e os colegas valorizávamos os outros talentos dela, mas aqueles outros dois, habitarão para sempre na nossa memória.

Outra que lembro com carinho é da professora de Geografia. Esta não era enérgica. Ao contrário. Era a mais parceira de todas. Provas fáceis. Opa. Falei. Além de nos apresentar o mapa-múndi, foi no primeiro dia de aula com ela que fiz os primeiros questinamentos a mim mesmo sobre o uso de tatuagens. Isso, tatuagens. Beeeeeeem mais que hoje, àquela época tatuagem era coisa de gente, digamos, diferente. Ela tinha um borboleta colorida no pescoço. Não que eu seja um velho, mas isso pra época e prum colégio de freiras, vamos combinar que ganhava um certo destaque. Bom, depois de ter chegado ao mundo, foi mais ou menos assim que o mundo chegou até mim. O resto dos detalhes a gente deixa prum outro momento ou pra minha biografia autorizada, hehe.

Causas e conseqüências. País-capital, capital-país. Vegetação de todas as espécies e relevos de todos tipos e dimensões. Foi assim que o mundo me foi apresentado. E acreditava que, sim, o mundo era mesmo este. Eu saberia mais do mundo em que vivia na medida em que lesse mais o livro e estudasse mais pra prova de Geografia ou de História. Isso era o mundo. Dois livros e quatro períodos de aula por semana.

Questiono se não merecíamos mais. Questiono que mundo era este que líamos na coleção de volumes da editora Ática (se não me engano). Questiono se o mundo que leio hoje, alguns bons anos depois daqueles, no jornal que recebo todos os dias, ensacadinho, encostado na porta da garagem, é o mundo que existe pra valer.

Questiono se o mundo de verdade tem um Estados Unidos assim tão grande, tão expressivo. Questiono se uma pseudo-guerra no Iraquel é assim tão importante quanto dizem ser. Questiono se esses números de mortes são, na real, tão dignos de frieza… afinal seres humanos estão morrendo e eu leio, leio e as linhas não me convencem. Uma televisão venezuelana que transmita 24 horas de programação latino-americana vai me contar mais desse mundo?

Percebem a minha angústia? Devemos mesmo acreditar na televisão, no jornal e na agência de notícias da mesmo forma que, inocentes, acreditávamos nos livros do primeiro grau? Que mundo lemos ou assistimos todos os dias?

Na semana passada, as atenções todas foram voltadas para a Coréia do Norte que anunciou ao mundo (que mundo?) que vai mesmo participar da brincadeira “Eu tenho, você não tem!”, à convite do seu Bush. Este, então, nem se fala, como se diz. É o piá dono da bola, que não deixa ninguém jogar com a sua e fica morrendo de inveja se alguém compra um brinquedo novo e atrai toda a atenção. E nós somos os leitores fiéis desta brincadeira que eles chamam de mundo.

A imprensa é a nossa interface com o planeta. Num país de pouquíssimos leitores de livros, a menos que tenhamos uma outra fonte alternativa de informação, somos abastecidos de conhecimento pela mídia. A menos que você leia. Se não, o jornal lhe contará todos os dias o que está acontecendo lá fora. Dirá, inclusive, com o que deves te preocupar, o que deves descartar e com o que deves te sensibilizar. A globalização fez a mídia mais perto de nós. Mas menos sincera. Fez o mundo bem menor. E talvez por isso, incompleto.

A Uzina produz para se abastecer de questionamentos. Que mundo é este que você assite, que você lê, que você ouve? Como se safar de uma mídia que funciona como uma agência de turismo para o nosso conhecimento? Hem?

Juliano RigattiOnde é que nós estamos?
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Sobre o que assistiremos no futuro

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Certamente, na minha humilde opinião, a idéia da criação da Tele Sur foi o que houve de mais concreto — e, exageremos, persuasivo — que a cultura não-hegemônica da metade sul do continente americano poderia ter apresentado na quinta edição do Fórum Social Mundial. Centralizada em Caracas, na Venezuela, a nova emissora que pretende dar voz a rica diversidade dos povos latinos, terá transmissão via satélite, 24 horas de programação e linha editorial desenvolvidos em parcerias com canais alternativos, comunitários e afins de toda a América Latina. “Através de uma equipe comprometida, o canal do sul busca converter-se num modelo capaz de competir com a produção estadunidense e européia, pondo-se ao serviço das hoje ignoradas iniciativas latino-americanas de produção audiovisuais independentes”. Esta é, portanto, uma das missões e objetivos do canal que quer dar voz de equilíbrio ao massificado discurso do norte. “Hoje, a imagem midiática que é difundida na América Latina não dá conta da diversidade e da riqueza do imaginário latino-americano. Não contribui para o conhecimento de nós mesmos, da evolução de nossas realidades, nem da valorização de nossas culturas milenares e suas projeções no presente e no futuro.”

Pode até ser que não seja essa maravilha. Eu sei. Muitos criticam a possibilidade do Fórum ter uma de suas próximas edições sediadas pela Venezuela. Dizem que este seria um grande plano de Chávez para se consolidar no poder e disseminar ainda mais sua política revolucionária pela América e pelo mundo. A Tele Sur pode ser uma ferramenta para isso também. Por essas e por outras que virão, que me explico. A Tele Sur pode não ser a solução para o adestramento televisivo ao qual estamos submetidos há décadas e décadas. Certamente não o é. Mas é o início, é a essência de uma estrutura que sempre defendi como premissa para a possibilidade da existência de um outro mundo. Mais justo, mais real, menos material. Não tenho gosto, não, pela revolução armada. Nem pelos pontos de exclamação. Não venho desta geração. Minha geração cresceu sonhando com a diplomacia e a paz entre os povos. Indignada e confusa com a matança diária que assola o Oriente Médio. Defendendo o diálogo e a resposta inteligente.

Em entrevista a revista Carta Capital, edição de 9 de fevereiro deste ano, Steve Solot, atual vice-presidente da Motion Picture Association (MPA), conversou com a repórter Ana Paula Sousa sobre a ação da cultura hollywoodiana sobre a produção audiovisual brasileira. A MPA congrega os sete grandes estúdios americanos — como Fox, Warner, Columbia e Universal — e está montando um escritório em São Paulo, onde centralizará sua atuação na América Latina. A associação terá, ainda, representação em Cingapura, na Ásia, e em Bruxelas, na Europa. No Brasil, ao invés da associação destinar 11% da remessa de lucros que enviaria aos Estados Unidos à Receita, o governo permite que a MPA invista em produção nacional 70% do que pagaria em impostos. Ou seja, mais uma vez a cultura americana banca o vôo da imaginação tupiniquim, enquanto pinta com suas cores a ilusão de termos um cinema independente e com sua própria cara. Parece bairrismo da minha parte pensar assim. Talvez pense você que o isolamento também não levaria a nada. Não. Brigo contra a hegemonia e estou me tornando repetitivo. A França tem um dos melhores cinemas do mundo. Talvez porque barre intervenções deste tipo em sua cultura. Há pouco, decidiram que o filme Un Long Dimanche de Fiançalles não teria financiamento do governo por ter sido co-produzido pela Warner. Não, não é bairrismo. É proteção contra um sistema que, haja visto, não deu, não dá certo. “Mas a França, historicamente, tem sido um país que resiste ao processo de globalização cultural em benefício próprio”, comenta o entrevistado. Sejamos assim, então. Contra a globalização e a favor de um outro meio de espalhar o avanço e a modernidade, que não seja às custas da vida, da alma, da natureza e do bolso dos outros.

A criação da Tele Sur e a mostra das pretensões da MPA no Brasil, são, sim, contrapontos interessantes. Cheiram bem e estão no ponto para uma saudável discussão sobre o futuro da humanidade. Eis algo saboroso que o Fórum nos deixou. A idéia de confrontar os dois hemisférios.

A Uzina produz mais energia a cada provocação deste tipo. Largue o controle remoto e responda, que você acha a respeito?

Juliano RigattiSobre o que assistiremos no futuro
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Irracionamento

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Lembro quando um professor meu contou que tinha despertado para essas campanhas de racionalização da água. Lembro que foi na Unisinos, mas não lembro quem era o cara. Contou que estava chegando em casa um dia, na tardinha, depois do serviço ou sei lá, e viu uma velhinha com a mangueira numa mão e pazinha noutra lavando a calçada na frente de casa. Flagrou a velhinha no exato momento em que ela empurrava com um jato de água uma folha de um lado ao outro da calçada, até fazê-la despencar, molhada, no paralelepipido da rua.

Contou-nos que a cena da velhinha foi algo que o emocionou profundamente. Depois do acontecido, tornara-se um militante devoto e anônimo do movimento de racionalização da água. Esse testemunho todo já era, na certa, uma forma de persuadir-nos.

Tem coisas que a gente até já sabe, mas precisa alguém pra dizer, não? Confesso que me sensibilizou a história da velhinha. Sério. Que grande privilégio tinha aquela calçada ou até aquela folhinha ao receber um banho de água potável? Hem? Brrrr. Água esta que recebeu o investimento de trocentos reais nossos e outras tantas horas de tratamento para ficar em condições de consumo para o ser humano. E não para lavar as calçadas.

Esses dias deu na TV um senhor que quase foi teve seu abastecimento cortado porque insistia em regar o jardim em uma das cidades da região metropolitana de Porto Alegre que estava em período de racionamento, a pedido das autoridades locais.

Faltam fiscais também, não? Há muito tempo que tenho a impressão que sobram fiscais de trânsito — os famosos azuizinhos — nas ruas da minha cidade. Basta uma noite de um pouco mais de movimento pra vermos um dos veículos da frota com dois ou três deles à espera de uma infração. Ao invés de estarem ali, aos montes, aguardando que um imprudente passe o sinal fechado ou apareça com os faróis apagados, muitos exemplares deles poderiam estar nas ruas conferindo os abusos no uso da água. Lavando o carro em tempos de seca no Estado? Coisa pro azulzinho, oras bolas. Seria mais uma desculpa para a arrecadação? Talvez. Mas enquanto se discute, muitos litros d’água deixariam de escapar pelas torneiras do vizinho.

Ao contrário da energia elétrica, a água é um bem que não repomos, portanto acabável. Não racionar é pôr em risco o banho de nossos netos, dos filhos deles. É pôr em risco a alimentação. A espécie. Assim como não usar o cinto e beber antes de dirigir, não racionar é mais um belo exemplo da nossa irracionalidade.

Juliano RigattiIrracionamento
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40 dias para a tolerância

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Já falamos sobre intolerância aqui na Uzina. Foi na ocasião do Fórum Social Mundial. Falávamos a respeito do painel do Nobel em literatura José Saramago. Na seção aberta às perguntas do público, um jovem estudante levantou-se e indagou os painelistas sobre a intolerância que havia entre as muitas ideologias, credos e interesses dos participantes do Fórum. Concordei com ele. Não é possível outro mundo se não nos entendemos em nosso pequeno mundinho de relações.

Batíamos nessa tecla na época do CLJ. Sim, participei do Curso de Liderança Juvenil, como muitos. O próprio hino do movimento dizia que era preciso que o mundo fosse um pouco melhor porque nele nós vivemos. Pra mim, essa parte da letra sempre disse que eu precisava investir no meu mundinho, nas pessoas que eu conheço, com as quais me relaciono. Esse mundinho é passível de mudança. Esse outro mundinho, sim, é possível.

Esse pra mim, é o século da tolerância. Não sei bem porquê. Nem me perguntem porquê do “século”. Só acho que a tolerância é a chave para todo e qualquer investida em favor da paz. De cima pra baixo. Se o Bush não tolera a diferença cultural dos islâmicos e a auto-suficiência deles em petróleo, como estamos vendo, a paz se complica. Se um Presidente da República não tolera as diferenças partidárias do seu antecessor e não dá continuidade a projetos que não são de sua autoria, mas que dão certo, o país regride. Se você não tolera a provocação no trânsito e parte para a briga, pode ter um triste fim se o outro cara tiver uma arma. Se eu não tolero a vontade imensa da minha namorada em fazer algo com a qual não simpatizo, nos estranhamos.

A tolerância deve vir em favor da vida. Os pequenos gestos de tolerância transformam o mundo, trazem a paz. E isso, sei, não é novo. Jesus Cristo pregava a tolerância, o perdão. Pediu para que não fizéssemos aos outros o que não gostaríamos que outros fizessem a nós. Perdoe setenta vezes sete vezes. Ao baterem numa face, ofereça a outra. Opa. Sinônimo de covardia, de submissão? Pense. Eu questiono.

Como dizem os mais vividos, o que fazemos de bom é só o que levamos dessa vida. Um bom começo é praticar a tolerância.

A Quaresma — período que marca o primeiro dos quarenta dias antes da Páscoa — trouxe mais uma edição da Campanha da Fraternidade. Desta vez ecumênica, ou seja, com a participação de todas as igrejas cristãs, e não somente a católica, a iniciativa pretende discutir o tema Soliedariedade e Paz.

“Que a nossa força não seja a violência, mas o amor.
Que a nossa riqueza não seja o dinheiro, mas a partilha.
Que o nosso caminho não seja a ambição, mas a justiça.
Que a nossa vitória não seja a vingança, mas o perdão.”

Juliano Rigatti40 dias para a tolerância
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Respostas de outro mundo

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O ano de 2001 trouxe para Porto Alegre a primeira edição do Fórum Social Mundial. Era o início de uma caminhada organizada pela esquerda política de todo o mundo para discutir questões centrais para a construção de um outro mundo. Nos outros três anos que se seguiram, o Fórum voltou a acontecer em Porto Alegre. Com a participação do público aumentando a cada edição, chegou-se ao número de 100 mil participantes em 2003. No ano passado, o encontro ocorreu na cidade de Mumbai, na Índia e envolveu cerca de 100 mil pessoas outra vez. Este ano, o recorde foi estabelecido. Segundo informações de autoridades locais, o Fórum chegou a ter 200 mil pessoas circulando ao longo dos armazéns do Cais do Porto, Usina do Gasômetro e parques Farroupilha e Marinha do Brasil, locais onde o evento aconteceu. Em 2006, a idéia é que o Fórum seja descentralizado, tendo suas discussões ocorrendo em diversos países, simultaneamente. No outro ano, em 2007, a África vai receber o encontro. Marrocos passa a ser a bola da vez. O país seria a porta de entrada para o Fórum atingir os países do Oriente Médio.

Tornou-se polêmica ano passado a declaração do presidente Lula dizendo que o Fórum tratava-se de uma “feira ideológica” e que pouco chegava a soluções práticas. Aceita por muitos e rebatida por outros tantos, o certo é que a questão avançou, foi discutida entre os milhares de participantes do Fórum, entre os painéis e hoje é pauta da Uzina. Em sua opinião, como um outro mundo é possível?

Um grande mural construído no local do Fórum, expôs 352 sugestões para tornar possível um outro mundo. As idéias foram recolhidas durante os dias do evento e o mural tornou-se o grande símbolo dos anseios dos diversos povos que passaram por ali.

A Uzina foi até lá e quis ouvir a resposta de pessoas de diferentes partes do mundo. Muitos são os credos, as raças, as línguas que compõem a diversidade do Fórum Social Mundial. Muitos são percebidos logo de cara, pelo olhar curioso que examina o mapa na mão, pelo excessivo cheiro de bloqueador solar e pela estranheza com que percebem as coisas ao redor. Os anseios fazem todos, porém, habitantes da mesma aldeia. O sentimento é de revolta, de urgência e de esperança.

Em sua opinião, como um outro mundo é possível?

Ghassan F. Abdullah, pesquisador universitário de Ramallah, Palestina

Os atuais governantes do mundo, especialmente os neoliberais americanos, e a sociedade neoliberal espalhada pelo mundo todo, estão fazendo a vida mais difícil pra maioria das pessoas do mundo. Este Fórum é uma forma de confrontar esse ataque contra os interesses de qualidade de vida e saúde das pessoas. Mas nós esperamos mudar essa situação que traz guerra e devastação. E, claro, há problemas políticos com a ocupação do território palestino, do Iraque, do Afeganistão.
Diogo Cavalcanti, estudante universitário de São Paulo
Um dos exemplos é este Fórum. Um centro de discussões democráticas, participações de jovens, comunicação. Um outro mundo é possível quando se volta a atenção para os pobres, para os países do terceiro mundo. Um outro mundo é possível sem desigualdade social, sem imperialismo, sem dominação dos americanos, da Europa, de quem quer que seja. Um outro mundo é possível com igualdade política. Principalmente com democracia, cara. O diálogo, a conversa… acho que é importante isso. Porque, qual que é a idéia do Fórum? Na minha opinião é essa. É reunir a diversidade num mesmo tom, que é discutir os problemas da sociedade.

Luz María Helguero de Plaza, diretora do jornal El Tiempo, do Peru
Eu acredito e acho que todos os que estão aqui pensam assim também, que há aqui muita inquietude. E penso que esta edição do Fórum deu um salto qualitativo. Que depois deste Fórum já se possa estabelecer talvez uma filosofia, uma ideologia, um partido político… Concordo com Saramago quando ela fala conosco sobre as Nações Unidas… para que as Nações Unidas recupere essa voz plural, que é o que todos queremos. Acho que é um pouco por aí que um outro mundo é possível. Mudar as estruturas. E o Fórum nos mostra um grande movimento nesse sentido. Nós que estamos aqui entendemos que se pode mudar, que se pode se ter um mundo mais plural, mais diverso, com muito maior inclusão. Que não seja uma coisa hegemônica, que não somente a voz de um pretenda representar a de todos.

Monika, universitária nova-iorquina
Eu venho dos EUA, que é um país que se considera o melhor do mundo e especialmente em termos de democracia. Mas é um país que não prioriza áreas que eu considero importante como educação, saúde, arte e cultura. Eles se preocupam mais com militarismo, capitalismo e consumismo. E com uma espécie de falso sentimento de felicidade. Então, no meu ponto de vista, um outro mundo seria possível priorizando as coisas que eu já mencionei. Eu não tenho certeza se pra isso nós precisamos de governo, mas no momento nós temos um governo e eu espero que ele comece a corresponder às necessidades que eu acho que todas as pessoas no mundo têm.

Joice Elisa Costa, cientista política. Vive em Pelotas, Rio Grande do Sul.
Acho que um outro mundo é possível nessa perspectiva que estamos vivendo aqui no Fórum. Ele é possível no momento que a gente se propõe a trabalhar duro, a se matar para construir esse mundo. Porque ele não vai acontecer do nada e as edições do Fórum estão bem pontuadas nesse sentido… a primeira edição foi mais rebelde, tipo pra dizer “nós existimos, estamos aqui e somos contra um pensamento único”. Depois a coisa foi se estruturando e eu acho que este Fórum está bem mais maduro. Eu acabei de participar de um painel que propõe a montagem de um Observatório Brasileiro de Mídia. Isso é importante. Esse tipo de coisa, que nasce com o Fórum, é fundamental. Já tinha nascido o Media Watch Global em outra edição. Isso demonstra um amadurecimento mesmo. É claro que temos muito mais pra caminhar, mas estamos no caminho certo. Também vejo que a organização deste Fórum se propôs a rebater as críticas de que do Fórum não nasciam soluções práticas. E eles tiveram um grande acerto no momento em que eles decidiram socializar e democratizar o próprio controle do Fórum. Dizer “vem aqui, vamos conversar, vamos organizar”. Este foi um grande acerto. Eu até acho que as primeiras edições acertaram em centralizar mais a organização. A gente vai errando e vai acertando… virão ainda muitas outras questões, mas repito que estamos no caminho certo…

Elias Elliot, escritor. Vive em Capinas, São Paulo.
Eu acredito que um outro mundo passa inevitavelmente pela leitura. Os livros são nossos sábios, novos conselheiros. Mas infelizmente nós não temos uma cultura que desenvolva o hábito pela leitura, o bom gosto. Acredito piamente que a leitura é um dos principais caminhos para se construir um mundo bom. Nós sabemos que existem ainda muitas outras questões que podem nos levar à construção de um mundo bom. Mas acredito que elas estão mais no mundo da utopia do que da realidade. Enquanto que a leitura pode ser tornar, sim, realidade.
Esta edição do Fórum eu acredito que esteja mais vazia, digamos assim, de intelectuais. Me parece que esvaziou. Eu estou vendo menos pessoas reconhecidas, pessoas públicas, mais notórias. Estou percebendo que aumentou o número de pessoas no evento, mas esvaziou o lado das pessoas mais pensadoras, mas decisivas. E eu vejo este Fórum como uma grande arena para as decisões futuras da humanidade. Seria uma pena se acabasse porque ele é uma grande referência para se tomar decisões futuras no planeta.

Hugo Verjadez, membro da Liga Socialista Revolucionária, da Argentina
Bom, o que estamos vivendo é bastante complicado, não? É uma etapa de muita guerra e muitas crises. Mas isso não quer dizer que não poderá haver mudança radical e revolucionária na sociedade. Nem mesmo pelo que está acontecendo no Iraque, na Palestina, no Haiti o mundo não se dá conta de que cada vez mais vivemos pior… Um outro mundo é possível, sim. Mas temos que lutar muito e de forma revolucionária. Para nós, o capitalismo quer destruí-lo. Não é possível reformá-lo. Porque sua lei será sempre de mais guerras e mais conquistas. Os maiores problemas são o imperialismo e o capitalismo. E é isso que queremos dialogar com os povos latino-americanos, do mundo todo, com as pessoas que estão aqui. Acreditamos, sim, que um outro mundo é possível. Mas há que se lutar muito.

Um jovem nova-iorquino, estudante de Política Americana nos Estados Unidos
O FSM é um bom exemplo de como um outro mundo é possível por que você vê pessoas vindas de diferentes países, falando diferentes línguas, não necessariamente se comunicando, mas entendendo umas as outras, criando um fantástico encontro internacional com tantas atividades diferentes, como cultura, música, muito sobre política. Eu não vejo o Fórum como um evento pra se falar sobre como um outro mundo é possível, mas é um exemplo disso. Como o respeito por diversidade sexual e racial. O Fórum é um exemplo dessa possível mudança.

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Um outro mundo se dá a partir das diversidades. Pra isso, é preciso que as diversidades apareçam, se manifestem. Nesse sentido, a mídia tem um papel fundamental que é o de abrir espaço para que essas diversidades tomem corpo, tomem forma. A gente sabe que a mídia tradicional tem já os seus interesses delimitados e não se tem muito espaço nesses veículos. Então, é necessária uma articulação da cidadania para que crie esses espaços. E isso vem ocorrendo no Brasil nos últimos tempos, com a criação das rádios comunitárias, TVs comunitárias, os sites, os blogs. Então essa é uma conquista importante, porque a diferentes opiniões se manifestam aí, as idéias são colocadas e as pessoas podem, então, fazer sua opção para que esse novo mundo comece a ganhar corpo. No nosso caso, especificamente de uma TV pública, esse compromisso deve ser a base de toda a programação. O compromisso com a pluralidade das informações, das opiniões. O compromisso com a verdade, no sentido de não tentar passar uma opinião já formada. Por ser um canal do Estado brasileiro ele tem esse compromisso: de ser um canal por onde as informações trafeguem com um grau de oficialismo, de responsabilidade. Essa preocupação toda existe também porque somos fonte de informação para outros veículos. Nós temos convênios com outras televisões públicas de todas as partes do mundo que retransmitem a nossa programação. Então, nós começamos com esse sentido aqui no fórum. Conseguimos colocar no ar opiniões de diferentes países, procuramos sempre estabelecer debates e entrevistas com a diversidade… acho que vamos conseguir.
Juliano RigattiRespostas de outro mundo
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Papo com o além

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Sentaram os dois lado a lado, no escuro. Olharam ambos para o lado oposto, afim de que ficassem frente a frente. Assim, poderiam ouvir claramente o que sussurravam, trêmulos. Mateus podia ouvir até mesmo a respiração de Germano. Estavam perto o suficiente.

Nada de importante. Coisas do dia a dia. Mateus tinha perdido a avó antes de ontem. Morreu de infarto. Falaram sobre a morte.

– E, então, acredita na vida depois da morte?
– Sim.
– É espírita?
– Não.
– Então?
– Só acredito. Que mania de querer associar tudo à uma religião… Tu acredita?
– Não sei.
– Devia acreditar.
– Por quê?
– Porque é básico. Todo mundo já ouviu ou viu alguém que já morreu.
– Não fala merda. Eu nunca vi nada.
– Não viu porque não acredita.
– Pois é.
– Vai viajar?
– Sim, pra casa da guria. Vou no sábado e volto na terça.
– De bus?
– Não, com o carro do pai.
– Cuida, né meu.
– O quê?
– Ah, os acidentes. Morre gente todo dia com isso.
– Eu sei. Mas muito é papo da TV. Eu sei até onde eu posso ir.
– Te liga, vai na manha.
– Na manha eu não chego. Na última vez fui em uma hora e quinze. Essa vez não passo de uma hora. O finde já é curto, capaz que eu vou perder tempo na estrada…
– No máximo, tu vai economizar 15 minutos. Não viaja, vai acabar te incomodando de graça. Teu pai arrumou o cinto?
– Bah, nem me lembrava. A Cátia não usa e eu acabei me acostumando. Lembramos sempre quando já chegamos. Hehe.
– E elas, cadê que não voltam?
– Ali. Tão vindo.
– Doce?
– Salgada, amor, gosta?
– Pode ser.
– Que merda de frio esse ar, porra.

Esperavam as namoradas virem com as pipocas. O ar-condicionado esfriava o ambiente enquanto falavam sobre a morte. O que vem depois dela e também sobre ela. Mas, claro, não sabiam. Germano só soube dela quando ela chegou. Assim como lembrava do cinto de segurança. Mateus não imaginou que o escuro do cinema e o frio eram parte do ritual. Ele falava com o amigo que estaria morto horas depois, na Freeway, auto-estrada que liga Porto Alegre com o litoral norte do Estado. Germano e Amanda também não imaginavam. Nunca pensaram que podia acontecer, assim, tão perto, e com eles. Sei lá, tão jovens. Sabe lá se imaginariam que podia ser tão terrível. Levaram junto os pais de Amanda e outra família de Gravataí. Pai, mãe, filho e primo. Iam conhecer a casa que o pai, Luis, havia alugado em dezembro, pros 10 dias de férias. Teriam alertado Germano se soubessem. Assim como tentou fazer Mateus aquele dia, antes do filme. Agora Mateus chora e Germano dá adeus a esta vida numa coluna de uns poucos caracteres do jornal de quarta-feira. Acabou pra eles.

Quem se importa? Falamos com a morte a todo instante. Acreditando ou não na vida após ela. Falamos com a morte sempre. Principalmente antes dos feriados prolongados. O ritmo de festa faz a vida parecer indestrutível. A velocidade sacia os sentidos do motorista que, anestesiado, esquece da recomendação de quem o ama. E vira nada. Um corpo no meio de ferragens. Mais um número no jornal. Que, vocês sabem, sendo pouco, o pessoal nem lê. Só lê quando é tragédia mesmo. Com um monte de morto. Quatro, cinco é comum. Acontece todo dia. Amanhã ou depois.

Parece brincadeira ou cópia. Sempre, quando voltamos a trabalhar ou a estudar, depois do feriado ou do final de semana, tem mais uma leva de gente que se foi. Por imprudência de um ou de outro. Mas se foram. Muitos, nessa hora, estão falando com a morte e esquecendo de recomendar bons modos. A única coisa certa dessa vida é a morte mesmo.

Não é assim? Depende também de nós, sim. Alerte quem você ama e quem você sabe que desafia a prudência. Diz que o ama, se for preciso. Assim, você evita descobrir que, ao invés de uma conversa qualquer, aquele já pode ser um papo seu com o além.

Juliano RigattiPapo com o além
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