Oh, Olga.

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Foi a minha primeira vez. Na verdade sempre esperei por isso como um guri com boa imaginação. Não pensei que fosse acontecer assim, naquele lugar e naquelas circunstâncias. Ela me pegou de jeito e a partir dali nossa relação não podia, nunca mais, ser a mesma.

Olga, de Fernando Morais, deve ser uma das grandes obras da literatura nacional. Para a minha literatura nacional, pelo menos, ela é incomparável.

Foi numa noite dessas. Estava voltando da universidade de micro-ônibus, e resolvi retomar a leitura de Olga. O marcador de páginas era longo, mas menor que a página, tanto em largura quanto em comprimento. Tinha a inscrição da livraria Cultura em um dos lados. Imagino que tenha sido lá, na Cultura, que a amiga que me emprestou o livro o tenha comprado. No verso do marcador, havia um menino. Estava vestido com uma camiseta de manga longa amarela e tinha uma bolsa vermelha cheia de livros em uma das mãos. Na outra, segurava um livro aberto. Com olhar concentrado, lia, de pé, o seu livro. A ponta do meu marcador revelava as enésimas vezes nas quais ele havia sido puxado ou encaixado numa das tantas páginas.

O micro-ônibus deu mais um de seus saltos. Outro dia pensei que estava sentado na poltrona que fica em cima do pneu. Deveria ser por isso o desconforto. Não era. O troço era ruim de negócio mesmo. A cada pulo que ele me obrigava dar, eu apoiava uma das mãos no banco da frente e a outra não era capaz de impedir que o livro se fechasse.

Mas aquele dia o livro fechou por outra razão. Como dizia, não pensei que aquilo fosse me acontecer assim. Sabem, ler em micro-ônibus e em trem não é nenhuma tarefa fácil. A adversidade causada pelo sono e pelo cansaço de quem atravessa a região metropolitana da universidade para casa, às vésperas do dia seguinte, toma providencias para que a leitura não tenha, digamos, a fruição adequada do leitor. A iluminação também não ajudava. Direcionei os pequenos olhos de luz que saiam do teto para o meio do livro e a cada pouco me ajeitava pra não perder o foco da luz e ter que forçar a vista. Uma penumbra danada.

Esse era, à primeira vista, meu universo. Eu, um marca-páginas judiado e um livro cheio de letras as quais tomavam forma na medida em que o foco dos minúsculos refletores do alto as iluminava.

– Agora quero ver se você fala ou não fala, comunista filho da puta. Nós vamos
assar você por dentro.

O comunista filho da puta era o alemão Arthur Ernst Ewert, vindo de Xangai, na China, após rápida passagem por Moscou, para lutar ao lado de Luiz Carlos Prestes e Olga Benario na revolução comunista no Brasil. A voz era de um policial alemão, acompanhado de um brasileiro, sob o comando da polícia carioca, em pleno governo Vargas.

Falou e enfiou um palmo de arame dentro da uretra de Ewert. O preso resistia,
mas aí o policial brasileiro apareceu com um pequeno maçarico para solda, com o
bico em chamas. O alemão segurou com delicadeza o pênis de Ewert, como um médico
o faria, e passou a esquentar com o maçarico o pedaço de arame que ficara para
fora. Da garganta de Ewert o único som que os policiais ouviram foi um mugido,
como de um boi. Em seguida, seu corpo desabou, pendurado na grade pelas mãos. O
policial brasileiro parecia feliz em ver alguém tão resistente e riu admirado ao
comentar com o nazista:

– É, doutor… Parece que desses teus
patrícios aí nós não vamos arrancar nada mesmo.

Foi nessa hora. Como ou mais que você, fiquei aterrorizado com a cena que minha imaginação materializava na minha mente. Fitei os olhos no nada e, devagar, fechei o livro. Movimentei a cabeça ao redor. Para a auto-estrada e para os carros que passavam nas duas janelas, uma em cada lado do micro-ônibus. Para as silhuetas das pessoas que viajavam comigo. Na real, não olhava diretamente pra nada. O olhar era profundo. Olhava pra mim também. A narração de Fernando Morais ainda fazia eco.

Aos saltos do micro-ônibus, retomei a consciência. O livro estava fechado no meu peito, quando resolvi continuar. Havia ainda meia hora até em casa e umas duzentas páginas pela frente.

Juliano RigattiOh, Olga.
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F A G U L H A S

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Veja em 1939

“Tudo que move alguém a atingir objetivos maiores, seja a religião, o socialismo ou a democracia, é para os judeus meramente meios para um fim, uma forma de satisfazer sua ganância e sua sede de poder. O resultado disso é a tuberculose racial da nação. Por isso, o anti-semitismo racional deve englobar uma luta legítima e sistemática contra os privilégios desfrutados pelos judeus, e seu objetivo final deve ser a remoção total dos judeus de nosso meio. Isso só pode ser alcançado por um governo forte, não por um governo impotente. E nós somos um governo forte.”

Trecho da entrevista de Adolf Hitler, concedida para a revista Veja, em setembro de 1939.
O material é parte de uma
simulação que a revista faz de como seria uma cobertura jornalística da maior de todas as guerras.

O blog de Bagdá

Obrigado por seu aguçado interesse pela situação dos direitos humanos no meu país. Obrigado por fazerem vista grossa durante trinta anos. Obrigado por fornecerem suporte para que meu governo pudesse enviar 2 milhões de iraquianos para a guerra contra o Irã, para serem mortos.
[…]
Por todos os seus esforços, eu os saúdo, do fundo do coração, com um FODAM-SE .

:: salam pax 2:55 AM [+] ::

Trechos do livro O Blog de Bagdá, da Companhia das Letras. A obra remonta o diário de Salam Pax na internet. Salam é um jovem iraquiano, igual a tantos outros ocidentais, que narrou os preparativos e a guerra do Iraque entre setembro de 2002 e junho de 2003.Tudo sob o ponto de vista de uma pessoa que vive, trabalha,se diverte, ama, reflete e se revolta como todos nós.

Por favor, me traga uma notícia boa!

:: G-7 elogia postura do Brasil em relação à economia
:: Reforma vai levar universidades a regiões menos favorecidas
:: ONU quer melhorar Políticas de Direitos Humanos

Uma boa e uma ruim. Qual vc quer ouvir? Se optar pela boa, o site Cia.da Boa Notícia é uma dica para quem quer ser apresentado ao jornalismo positivo, que só vê o lado bom das coisas. Sim, ele existe.

Juliano RigattiF A G U L H A S
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Leite Moça acinturada

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Outro dia, na aula, o professor comentou do sucesso do produto Leite Moça, da Nestlé. Ela havia mantido nessa montoeira de anos a figura daquela senhora (senhorita?) segurando dois baldes de leite. Um na cabeça e outro na mão direita, parte escondido atrás de uma das pernas, cobertas por um longo vestido. O nome do produto havia se consolidado no dia a dia das pessoas. Como o Bombril, o Nescau e a Maisena, de certa forma, Leite Moça era o nome pra leite condensado.

O nome já é só Moça. E a lata agora ganhou uma cinturinha. O novo formato deu ares de gostosa, de cremosa, mesmo tratando-se de uma simples lata, com um rótulo por cima. Como meu professor continuava, o Leite Moça havia chegado ao auge do seu sucesso mercadológico. Por causa da qualidade, graças ao marketing e, principalmente, por saber dar ao consumidor o que ele desejava.

No outro dia, abri o jornal, virei uma, duas páginas e a surpresa. O lançamento do Moça em frasco de protetor solar de criança, aquelas bisnagas, sabem? Ah, lembrei. E o professor também havia comentado noutro dia que, quando um produto chega ao topo da preferência, das vendas e tudo mais, cabia a ele manter esse sucesso. Porque tinha muitos outros, de outras marcas, pleiteando sua posição. Por isso, não podia descansar. E estava na minha frente, na página daquele jornal, o exemplo disso. Eu e meio mundo adorávamos (ou adoramos) lamber o resto que ficava na lata de Leite Moça depois de alguma receita feita em casa. O grande risco que eu sempre corria, lembro da minha mãe dizendo, era cortar a boca ou os dedos, porque ficavam perigosas aquelas rebarbas de lata que ficavam depois dela aberta. Estava resolvido: Leite Moça em bisnaga. Mais uma vez, ela dava ao seu consumidor o que ele queria consumir, sem que, talvez, este nem soubesse disso.

A evolução do capitalismo e as grandes crises econômicas brasileiras fizeram do Jornalismo um grande mercado também. Cada vez mais, as empresas e organizações jornalísticas estão dependentes de capital, seja ele advindo de algum tipo de receita ou, em especial, dos anúncios. O jornal, a página na internet, o programa de rádio e de TV viraram produtos. Isso, como o Leite Moça.

Precisam vender e, antes disso, precisam providenciar algumas outras coisas. Uma das grandes ações de marketing é fixar um padrão de vida ao consumidor e a outra, identificar e satisfazer suas necessidades.

A morte e o funeral do Papa lembraram um pouco isso. A repercussão do Conclave e a expectativa pela sucessão do Pontífice nunca foram cobertas pela imprensa mundial como estamos vendo agora. Não há precedentes. Nunca a mídia se fartou tanto da morte de um Papa. Há 26 anos, contam-me os mais velhos, era tudo muito diferente.

Inclusive, para o marketing editorial. Se em tecnologia, eram os homens da caverna com um microfone na mão, o estudo de recepção e tratamento do discurso midiático também evoluiu consideravelmente.

Como ouvi um senhor comentar esses dias, o Papa era um grande ícone para todos. Indiferentemente de raça, credo ou localização geográfica. A imagem de sua agonia ao tentar falar em público, poucos dias antes da morte e a própria morte mexeram muito com as pessoas. Talvez não tanto por ser um Papa, mas por ser esse grande símbolo da era da imagem.

O que fazer em termos de cobertura então? Inventar uma bisnaga de Leite Moça, com a qual os gulosos não teriam mais que se preocupar em se machucar, nem em esperar que sobrasse alguma coisa da receita de pudim. E se abrisse a lata só pra comer um pouquinho também era um problema. Como fechar depois? É, a bisnaga resolveu metade dos problemas da humanidade.

Publicar o Papa, em todos os ângulos possível e inaugurar abordagens sobre o Vaticano e o seu contexto que poucos imaginavam, mas era tudo o queriam ler nessa hora, foi a grande jogada de marketing editorial, compartilhada pela imprensa do mundo todo.

A capa do Universo On-line, respeitado pela sua parceria com a Folha On-line, permaneceu com novas sobre a morte de João Paulo II durante semanas, dias após dias. O renomado jornalista Ricardo Noblat, conhecido pelo seu blog de cobertura política, escreveu cerca de 45 páginas (de Word, fonte 12) sobre o fato, durante o final de semana do acontecido.

Capas de jornais do mundo inteiro, inclusive não-cristãos, davam a morte do Papa como fato principal e transformador da sociedade de todas as culturas. Programas de entrevista, documentários, edições especiais de revistas semanais, todos. Nossa vida não seria mais a mesma. Tudo sobre o futuro da Igreja Católica, sua progressividade, liberalidade ou conservadorismo. Tudo sobre todos os cardeais candidatos, suas crenças e favoritismos.

Durante dias a fio, um novo padrão de vida para a sociedade: acompanhar a morte do Papa. E, para isso, identificar, gerar e transmitir informações que satisfizessem a necessidade desse público em saber sempre mais sobre o assunto.

O Jornalismo havia criado não só a latinha de Leite Moça acinturada, mas o Leite Moça em bisnaga. Pronto para consumir, na hora que quisesse, na quantidade que desejasse. E, melhor, sem engordar.

Juliano RigattiLeite Moça acinturada
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F A G U L H A S

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Minhas condolências
Pelo mundo. O mundo ficou mais pobre em humanidade com a morte deste homem. Como cristão, a perda de João Paulo 2º foi imensamente sentida principalmente por perdermos um ideal de virtude, de doação e de intelectualidade. Difícil de ser substituído. Como muitos já disseram na tv, nos blogs e nas dezenas de sites, a morte do Papa será sentida por todos que lutam por uma vida mais digna, indiferentemente de sua religião ou credo.
Baita cobertura
Entre as quinze pras sete da manhã de sexta-feira, 1º de abril, e as quase três horas da madrugada de domingo, 3 de abril, Ricardo Noblat havia publicado em seu blog nada menos do que o equivalente a 45 páginas de Word, com a fonte no tamanho 12, sobre a agonia e morte do Papa.. O que impressiona também é a primazia de Noblat em revelar informações interessantíssimas e num teor de originalidade que substitui o conhecido furo do jornalismo tradicional. Parece que a briga mudou. A questão não é saber quem dá a notícia primeiro, porque quase todos dão juntos ou com minutos de diferença. Até porque são dependentes da tecnologia e um servidor pode superar o outro em agilidade. A batalha que se trava agora, a meu ver, é pela qualidade e, como já disse, originalidade das informações.

Bom exemplo: fiquei sabendo por Noblat que os jornalistas credenciados no Vaticano receberam pelo celular (isso, o Vaticano tbm manda torpedos!) que havia um importante e-mail esperando por eles nas redações. Era o link para o anúncio da morte de João Paulo 2º. Foi postado por Noblat o seguinte: “A agencia France-Presse, por exemplo, foi alertada às 21h.52, horário de Roma. O alerta dizia que havia um e-mail urgente para ela. O texto do e-mail dizia assim: – O Santo Padre morreu as 21,37 em seu apartamento privado. Todos os procedimentos previstos na Constituição Apostólica “Universi Dominici Gregis”, promulgada por João Paulo II em 22 de fevereiro de 1996 entram em vigor.”

1º de abril
Esses tempos, há um pouco mais de um mês, recebi a ligação de um amigo que estava no ônibus e tinha ouvido dizer pelo rádio que o papa falecera subitamente. Não pode ser, pensei. Estava na frente do computador e passei a pipocar entre as páginas nos principais veículos de comunicação daqui e de fora. Nada. Ou o cara ficou louco, ou deram uma barrigada das feias ou era o maior furo que eu já havia presenciado. Descartada a hipótese, perdemos o contato e não nos falamos o dia todo. De noite, meu amigo confirmou a informação que eu havia lido na internet logo após a sua ligação: o papa “aparecera subitamente” na janela do hospital para abençoar os fiéis que por ele rezavam. Ainda não era a sua hora.

E dizem em tom de brincadeira que foi um alívio o Papa não ter morrido um dia antes. Imaginem a imprensa publicando a morte de tal figura no dia dos bobos…

Montanha dos Sete Abutres
Tão logo soube da morte de João Paulo 2º, passei a visitar sites importantes da minha lista de favoritos, pressionar a tecla PrintScreen e salvar a imagem em uma pasta do computador. Achei que seria, no mínimo, interessante ver uma dessas telas daqui algumas décadas. Assim como é hoje uma foto do passeio aquele, um jornal amarelado com uma capa importante, essas coisas. Me chamaram de urubu. Nem ainda havia me formado jornalista já estava explorando a morte de um Papa, disseram. Que nada. O fato visto como um acontecimento midiático também é algo digno de nossa atenção, não?

Mídia e o Poderoso Chefão
Tendo acabado o longo funeral, as atenções do mundo se voltarão para a chaminé que fica ao lado da Capela de São Pedro, no Vaticano. Depois de alguns dias de votação, quando algum cardeal receber dois terços do quórum, uma fumaça branca subira aos céus: “Habemus Papam”. Saberemos quem comandará a Igreja Católica a partir de então. Será a maior cobertura já feita pela televisão mundial da sucessão de um Papa. Pondo o glamour e o assédio de lado, ganhamos com a qualidade na recepção. Pessoas em qualquer parte do mundo acompanharão com detalhes e de todos os ângulos o ritual. Confiantes na hipótese de o sucessor não só agradar dois terços dos cardeais da Capela Sistina, mas boa parte dos pobres e sedentos de justiça no mundo todo.

Meninos do Rio
Fica de saldo negativo a cobertura feita pela mídia da maior e mais terrível chacina ocorrida no Rio de Janeiro. Enquanto acompanhávamos os eventos em torno da morte do Papa, centenas de pessoas choravam seus parentes mortos sabe-se lá por quem, sebe-se lá porquê. A paz lembra-se com saudade do ano de 1997. João Paulo 2º esteve no Rio e sua presença e carisma fizeram diminuir por um curto período o número de homicídios na cidade. Reforça-se a certeza de que não será uma tarefa fácil encontrar um sucessor com tal nível de santidade. Rechaça-se a postura do nosso governo em desviar o olhar para o Vaticano enquanto o crime dá mostras de que pode muito quando decide chamar a atenção.

Juliano RigattiF A G U L H A S
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