Sobre vencer

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Aquela tinha tudo pra ser uma formatura igual a todas as outras. Administração de Empresas com ênfaseem Recursos Humanos. Na Unisinos,
em São Leopoldo, cidade distante de Porto Alegre uns 30 km. 

Todos de pé no grande no auditório da universidade para recepcionar, com inúmeros aplausos, os formandos. Logo depois, o hino nacional seguido do juramento. Em seguida, a leitura da ata e a nomeação de cada formando.Um a um, recebiam o diploma, cumprimentavam as autoridades da mesa e passavam ao microfone. Em geral, agradeciam a Deus, pai, mãe. Amores da vida, amigos e parentes. A todos que de algum modo participaram desta vitória. Quando um dos formandos ouviu seu nome ser exclamado, pôs-se de pé. Como todos. Alegrou-se como todos. A platéia gritou e aplaudiu. Como pra todos. Ergueu os braços, vibrando. Diferente de todos. Desceu as escadas e cada passo revelava sua deficiência física que o impedia de se locomover como a maioria. Não fui perguntar depois que tipo de deficiência exatamente ele possui. Alguma coisa que dificulta o movimento de quase todos os seus músculos, prejudicando inclusive a fala.

Arrumou o microfone com a mão direita. Seus movimentos eram rápidos, curtos, mas defeituosos. Olhou para a frente. O olhar dizia palavras de alegria e de gratidão a todos. A todos. Até mesmo àqueles que duvidaram da legitimidade de sua presença ali, de toga e diploma na trêmula mão esquerda. “Boa noite”, exclamou, letra a letra, com voz firme e em bom tom. “Esta é pra mim uma noite especial. Quero agradecer a todos que contribuíram para que eu chegasse até até aqui.” A fala lenta, interrompida pela respiração quase ofegante, nos trazia ansiedade. Até porque já esperávamos que acabasse logo o discurso que começara como todos os outros. “Quero repetir aqui o que falei aos meus colegas em uma outra oportunidade.” Atenção de todos. “Vencer não é ganhar de alguém, deixar o outro em segundo lugar. Vencer é superar suas próprias limitações. Ser vitorioso é superar seus próprios desafios.
Eu superei muitos para estar aqui esta noite.” Olhou para os colegas, secou a boca pressionando os lábios, e continuou. “Vocês superaram muitos desafios para estarem aqui.” Olhou para a platéia novamente. Deve ter percebido que a maioria já enxugava os olhos úmidos. Deve ter percebido, também, que acompanhavam atentos ainda. Com sorrisos que lhe diziam palavras de elogio, de admiração e de incentivo. “Por isso, hoje estou muito feliz. Muito obrigado.”

Lembrei de cenas clássicas de filmes hollywoodianos. Naquele treze de janeiro eu presenciava um momento único. As palmas se espalhavam aos poucos entre as filas de poltronas emocionadas. Aos poucos, também, todos se colocavam de pé. O som da homenagem, da reverência, soava belíssimo. Minutos depois, sentamos todos. Estávamos cheios de reflexão. Por um instante, naquele instante, o mundo era outro. Diferente. Olhei pro nada. E fiquei olhando. A voz do reitor me despertou.

O senhor de barbas brancas e fala mansa disse que absteria-se de sua fala depois do que havia dito nosso amigo vitorioso. A Unisinos só tinha a agradecer, disse ele, pela lição de vida que deste. O hino riograndense tocou pra encerrar uma solenidade que acabou igual e diferente de todas as outras.

*** Este texto já estava pronto quando se formou minha amiga Bina. Para os milhares que estão lendo este texto (hehe) e que conhecem a Bina, sabem que ela forma um belo casal com o formado ali de cima. Um casal de vencedores, de gente diferente. Porque ama e valoriza a vida de um jeito de causar inveja.Parabéns, Bina jornalista, pela tua grande conquista!

 

Juliano RigattiSobre vencer
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A Marcha dos Seres Humanos

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Parei aqui pra escrever pensando no filme que vi final de semana passado – A Marcha dos Pingüins. É um documentário, na verdade. Ótimo. Deve ter dado um trabalhão aos produtores, mas eles conseguiram nos mostrar quão sincronizada, harmoniosa e mágica é a natureza. Essa mesma natureza que está se indo aos poucos, há tempos, até bem antes dessa onda de midiatização do aquecimento global.

O filme surpreende em muita coisa. Principalmente pra esse guri de blog aqui, pouco familiarizado com bichos, com selva (ou geleiras), vida natural, enfim. As marchas todas, o acasalamento, a busca por alimento, o instinto da sobrevivência, a seleção natural. Tudo é fantástico e bonito.

Até um dado momento.

Desolada pela morte do filhote que congelou, por descuido seu, uma fêmea ataca outra fêmea para roubar sua cria. Isso mesmo, roubar sua cria. Pelas leis que regem aquele lugar gelado, a mãe não teria mais sentido em sua vida não fosse a missão de zelar pelo pequeno pingüim. Desesperada, parte para o ataque. Entre asadas e gritos (o nome do som de pingüim, alguém?), toma para si o que não lhe pertence. O guri de blog aí também se desespera e exclama pra si, baixinho: “Mas isso é igual ao Rio de Janeiro!”.

Muita calma. Explico.

É praticamente consenso entre nós que a violência que enfrentamos em nosso país é resultado do enorme abismo entre os que mais têm e os que não têm quase nada. Que são obrigados a subsistir com um salário ridículo numa sociedade do consumo. Nossa violência é fruto da desigualdade social.

Basicamente, fala-se que seja assim: o menino pobre sonha com o tênis do menino rico. O sonho distante transforma-se em cobiça e a cobiça termina em violência,
em crime. Em roubo e até em morte.

No filme, a mamãe pingüim cobiça o filhote de sua privilegiada companheira de espécie. A cobiça também se transforma em violência (parece q em crime ainda não) e em roubo.

No filme, a causa do aparente desequilíbrio parece ser bem natural (olha eu me metendo, praticamente um biólogo). Só os filhotes mais fortes sobrevivem e a fêmea desesperada sofre apenas de uma crise de instinto de sobrevivência – para ela, a vida sem o filhote não teria mais sentido.

No Rio (e aqui e acolá) a causa é bem humana e bem racional. A má distribuição de renda e a seleção natural dos recursos públicos passam por mãos supostamente inteligentes e dotadas de amor pelo próximo. Supostamente.

Enquanto lá, na marcha daqueles bichos amáveis, a natureza que ainda existe tenta fazer seu papel para continuar existindo, aqui, fazemos questão de nos destruir. Quando o corpo do menino rico estampa a página policial do jornal é destruição de nossa espécie. Não é instinto, não é seleção natural. Matou porque, inflamado por efeitos químicos de uma droga qualquer, precisa saciar o desejo do Ter. E isso não é natural. Isso é consumismo, é capitalismo, é bem humano.

E como se não bastasse a destruição da própria espécie, agora queremos pôr fim na natureza. Os pingüins, aqueles q andam léguas à procura de um lugar seguro para procriar, terão que, em pouco tempo, mudar de rota, rever seus conceitos. Isso causará desequilíbrio natural e as mágicas q o filme nos mostra passarão a não acontecer mais.

Acredito que o planeta Terra tenha um ciclo de vida. Que um dia chegaria, mais uma vez, o seu fim. Mas nós estamos fazendo o possível para tornar isso cada vez mais cedo. É o que de mais sensato eu tenho ouvido nessas discussões de ambientalistas: temos q mudar nossos hábitos. Rever nossa conduta para poder continuar marchando por aí, sem violência. Contra nós e contra nossa natureza.

Juliano RigattiA Marcha dos Seres Humanos
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