“A culpa é dos pais”

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O psiquiatra Manoel Albuquerque foi simplório e brilhante ao mesmo tempo hoje (26/7) à noite no programa Frente a Frente da TVE. Para ele, a culpa da crise aérea — e de grande parte dos outros problemas brasileiros, segundo a minha própria opinião — é dos pais brasileiros. Dos dois, do pai e da mãe.

Quando a mãe ou o pai diz pro filho “não faz isso porque a mãe não gosta” ou “porque o pai não gosta”, na próxima vez que a criança quiser enfiar o dedo no olho do amiguinho vai ver se a mãe e o pai não estão por perto e fará o estrago. Ensinaram assim pra ele. Pra ele, esta é a regra do jogo. Basta papai e mamãe não verem que tá legal.

Se, ao contrário, os pais dissessem “não faz isso porque é errado, porque vai machucar o amiguinho e porque ele vai sentir dor” estariam prestando um serviço inestimável à nação brasileira. Isso, assim como a vida é feita de detalhes, um país também é feito assim.
Uma boa educação forma crianças conscientes de suas atitudes e cidadãos moralmente responsáveis por suas atitudes, agora mais maduras e com maior impacto sobre um maior número de pessoas.

Assim, Renan Calheiros não aceitaria dinheiro de um lobista para pagar suas contas pessoais. Ao invés de fazer depois de olhar pros dois lados e não ver ninguém, nem pai nem mãe, ele olharia pra dentro dele mesmo, à procura de mandamentos morais. Vai ver que até fez isso, mas não tendo encontrado nada, se deixou corromper.

Um caso hipotético: suponhamos que as obras de Congonhas não tenham sido concluídas porque alguém embolsou parte do dinheiro e preferiu dizer que tudo estava pronto, mesmo bem antes do prazo estipulado. Só suponhamos.

O sujeito que fez isso deve ter ouvido dos pais na infância “não faz isso porque é pecado”. Mais tarde, revoltou-se com a Igreja, perdeu a fé e o pecado deixou de fazer sentido pra ele. Quando viu aquela grana dando sopa na licitação das obras de Congonhas, vasculhou seu íntimo e, não encontrando nenhum argumento justo que o convencesse, foi lá e fez.

No lugar do amiguinho chorando com dor no olho machucado pelo dedo malcriado do coleguinha, temos hoje mais de 200 pequenos grupos de familiares e amigos chorando a morte de inocentes de passageiros de um vôo qualquer.

Pode. Pode ser exagero. Posso estar sendo simplista demais. Pode até ser.

Não tenho formação em psiquiatria, nem psicologia, nem educação infantil. Mas alguma coisa muito forte fala dentro de mim e me convence de que teríamos completamente outro país se os pais e os professores das séries iniciais prestassem a atenção em ensinamentos como este. Simplório e, ao mesmo tempo, brilhante.

Juliano Rigatti“A culpa é dos pais”
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“Não deu tempo”

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Ontem (19/7) fui à missa, como faço sempre. Essa era diferente. Estava sendo rezada em Porto Alegre, em memória de quase uma dúzia de gaúchos mortos no desastre do vôo da TAM, no noite do último dia 17/7.

Em frente à igreja, terminada a cerimônia, o clima era de consternação, de amargura, enquanto todos aguardavam para dar um abraço de consolo em um moço novo que ficara viúvo depois de terça-feira.

Enquanto eu o observava recebendo o carinho de muitos, ouvia do lado os soluços da mãe da falecida. Mais atrás, também podia ouvir outro fungando. Mais na frente, outros secavam os olhos enquanto olhavam pro nada, como se tivessem desistido de entender o porquê daquilo tudo.

Na fila, para me despedir do viúvo, pude ler seus lábios e ouvir uma réstia de som enquanto ele se lamentava ao amigo:

— Ela queria ter te dito isso, cara, mas não deu tempo.

Não deu tempo. Aquilo ficou na minha cabeça.

Quem tem o direito de determinar o tempo que teremos junto de quem amamos?

E por que não aproveitamos o suficiente o tempo que temos ao lado de quem amamos?

O tempo é uma convenção do homem, inventada a não sei quantos milhares de anos. Muitas outras convenções criadas milhares de anos depois do tempo, esses dias, quem sabe, só na nossa cabeça, quem sabe, nos impedem de viver o tempo da forma como deveríamos.

Convenções.

Como amar, como conviver, em que nível se entregar, o que dizer, como se proteger. E se não der certo? E se ele entender errado? E se ele achar que sou frágil? E se eu causar expectativa desnecessária?

“Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia. Tudo passa, tu do sempre passará. A vida vem em ondas como o mar, num indo e vindo infinito.”

Lembrei e escrevi as palavras acima enquanto cantava pra mim, baixinho, essa bela música. Enchi os olhos de lágrimas e me lembrei das centenas de casas que a esta hora, de madrugada, devem estar com as luzes apagadas abrigando gente sem sono, com os corações apertados e mentes cansadas de tantos dias de sofrimento.

Não deu tempo, também devem estar pensando isso.

Avós, netos, jovens, adultos e fetos. Todos se foram na terça-feira. Todos deixaram muito a dizer e a fazer. Não deu tempo.

Sei que vai soar piegas, mas não custa repensar as vezes o aproveitamento do nosso tempo. Não custa repensar nossas convenções diárias. Não custa tentar viver, às vezes, como se este instante fosse o último.

Juliano Rigatti“Não deu tempo”
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Nota oficial

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Cidadãos e cidadãs deste país,

Eu, legítimo político brasileiro, eleito com o seu voto naquela tarde tropical de outubro, venho por meio desta, expressar oficialmente a posição da nossa classe a respeito da terrível tragédia que abalou toda a nação brasileira na noite de terça-feira, 17 de julho, com a queda do vôo TAM e a morte de quase duas centenas de pessoas.

As palavras que definem a nossa atitude frente a essa situação são omissão, despreparo e indiferença. Estamos trabalhando duro para que, a cada dia, a cada reunião, a cada sessão do Congresso, possamos honrar o compromisso que o significado de cada uma dessas palavras tem para as vítima e para o futuro do Brasil.

A demora no diagnóstico técnico das causas do acidente e do conteúdo da caixa preta do Airbus A320 contribui para nossa omissão. Não sabemos quando teremos uma definição precisa a respeito do que ocasionou o acidente e estamos trabalhando diariamente para que cada brasileiro esmoreça e esqueça disso tão logo seja possível. Há fortes indícios de que as revelações irão prejudicar nossa aparente competência, mas ainda não podemos confrmar nada. Nossas equipes técnicas estão trabalhando dia e noite no sentido de descobrir uma forma de encobrir tudo isso, caso o teor prejudicial se confirme.

Nosso despreparo é visível. Não somos especialistas em coisa alguma, em algumas áreas sabemos inclusive menos do que muitos de vocês, estimado povo brasileiro. Os técnicos que nos assessoram conhecem muito sobre suas atividades. Mas não são os melhores. Isso porque outro compromisso que temos é o de honrar nossas relaçőes com parentes, amigos e amigos dos amigos. Nossos “cabides de emprego” evoluíram muito nos últimos anos tanto em quantidade quanto em qualidade. Hoje agradamos muito mais gente, gente que nem conhecemos até.

O nosso maior desafio, entretanto, é mantermos o distanciamento necessário dos casos reais, da dor de cada cidadão brasileiro em um momento como este. Fruto deste trabalho é que a nossa indiferença vem sendo a marca de todas as nossas manifestaçőes desde o dia do terrível acidente. Estamos convencidos de que de nada adianta nosso envolvimento emocional numa hora como essa. Isso só nos levaria a tratar o assunto com mais humanidade, saciando a sede por justiça de todo esse país. Tudo isso iria se opor aos nossos verdadeiros interesses: o fortalecimento da base de apoio, a assenção política, o prestígio e o enriquecimento. Temos orgulho de admitir que queremos que todos, brasileiros e brasileiras, sejam submetidos aos nossos mais particulares interesses.

Sabedores dos valores que norteiam nosso trabalho nesses dias de tanto sofrimento, desejamos a todos força, esperança e fé em Deus. É o que lhes resta.

Sem mais,

Político Brasileiro
Comissão responsável pelo caos aéreo nacional

Brasília, 18 de julho de 2007

Juliano RigattiNota oficial
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A cara do monstro

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Quando esse tipo de tragédia atinge gente da gente, dá pra ver a cara do monstro, sentir o seu bafo e sua feiúra.
Todas as mortes são tristes. Mas essa, ah essa, deve ser mais. Pela dimensão, pela falta de lógica, pela monstruosidade.
Que triste. Que madrugada triste. Que vidas tristes serão.
Que Deus dê força e esperança para todas essas famílias.

Juliano RigattiA cara do monstro
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Fechadura velha e barata

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Como é que é mesmo? Porta arrombada, fechadura nova? Acho que é assim o ditado. Deve ser assim o ditado em qualquer parte do mundo. Menos aqui, no Brasil.
O vôo JJ 3054 que partiu aqui de Porto Alegre ontem (17/7) e vitimou centenas de pessoas ao se acidentar em Congonhas, em São Paulo, não vai mudar nada da crise aérea que atinge o país.
Servirá de tema para discursos de políticos nos palanques, de cases de recuperação da imagem da companhia aérea, de acusações entre autoridades.
Mas pouco será feito para prevenir que outra tragédia como essa aconteça em breve.
Isso porque no fundo não é a segurança do tráfego aéreo que conta na cabeça daqueles que detêm o poder de decisão. Na cabeça desses senhores de terno cinzento e feiçőes amenas o que conta é a assenção política ou econômica. E eles não estã errados nesse raciocínio. Nossa sociedade dita esses modelos e padrőes de vida. O que conta no dia-a-dia é o bem e a felicidade do outro ou é a competição, a ganância, o individualismo?
Nossos senhores lá de cima fazem, portanto, justiça com a sociedade e consigo mesmos.

Juliano RigattiFechadura velha e barata
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Cê-cedilha

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Meu dicionário é um senhor de meia idade. Fechado, onde as folhas se juntam, a inscrição ‘1996’ — que eu mesmo fiz — se forma. Tem, portanto, uns onze anos. No mínimo. Boa idade para um dicionário. Idade suficiente para desconsiderar alguns vocábulos que devem ter surgido nessa década que se passou. Claro que não vou arriscar aqui nenhum deles. Não entendo de vocábulos. Faço uso deles às vezes, eles me saciam às vezes, os admiro, mas não entendo deles. Conheço poucos, aliás.

Cê-cedilha, por exemplo. Um cê em que se pôs cedilha, como diz meu velho Aurélio.

Como é curioso escrever o nome das letras. Zê. Ême. Tê. Ainda mais pela primeira vez. Cê-cedilha. Lembro de pouca coisa dessa vida, mas isso tenho certeza que ainda não tinha feito. Escrito cê-cedilha.

Mas foi importante pra minha formação como pessoa Me deixa mais completo. Mais letrado.

Como conhecê-la. Ela que leva cê-cedilha no nome. Me deixa mais completo. Não, não podia ser ésse, nem ésse-cê. Ela mesma protesta:

— Ainda tem uns que escrevem com ésse…

Tinha que ser cê-cedilha no nome dela. Não me peçam pra explicar. Na rua que me leva ao trabalho tem um prédio escrito padaria com tremas nos as. Isso, tremas, como de freqüente. Só que nos as. Alguém explica?

Assim como o cê-cedilha no nome dela. Tinha que ser cê-cedilha. Porque tem o som da força que ela não sabe que transmite, da espiritualidade e do afeto que ela sabe que carrega consigo.

Descobri-la é como encontrar o cê-cedilha entre tantas outras palavras nas páginas velhas do velho Aurélio. Páginas vividas, amadurecidas pelo tempo, transpassadas pelas traças e cupins. Ela que sempre esteve ali, abaixo do cecear e acima do ceceio.

Ah, cecear é o verbo do substantivo ceceio. De falar com a língua entre os dentes, o defeito de fala que aflige alguns por aí. Eu conheço uns tantos que ceceiam e nem sabem.

Cê-cedilha. Desvendá-la é como escrever cê-cedilha pela primeira vez. É soletrar o tempo e sentir o som de cada letra no momento certo, como se fosse nova, apesar de estar ali desde sempre, guardada no amarelado e sábio dicionário Aurélio.

Juliano RigattiCê-cedilha
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Eu não esqueci

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Estou convencido de que, em toda a história do nosso país, o esporte nunca teve tanta credibilidade. Brincadeiras com o início de discurso padrão do nosso Presidente à parte, eu estou começando a acreditar nisso também. O esporte é a instituição brasileira de maior credibilidade. Não o esporte, o atleta. O cara aquele que encontrou no taekwondo ou na ginástica artística a única forma de reestabelecer sua auto-estima e conseguir acreditar que podia ser mais do que um traficante ou um garoto de rua.

Agora, o que não dá pra fazer é esquecer das coisas. Medalha de ouro no Pan, bi da Copa América de futebol, hepta na Liga Mundial de vôlei masculino. Tudo muito legal, muito bonito. Mas não enche barriga. Não de todos.

Então que isso não aguçe nossos lapsos de memória e nos faça esquecer do lamaçal de Brasília e o estado em que se encontra o Senado nacional. Ponto.

Juliano RigattiEu não esqueci
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