O cancer da humanidade

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Procurava faz tempo essa frase. Escutei-a de uma senhora idosa tentando explicar, voz tremula, madura, quase judiada, esse mal que apodrece da politica a relacao sincera de velhos amigos. La vai:

“Se quiser por a prova o carater de um homem, de-lhe poder.”
De Abraham H. Maslow. Alguem sabe quem eh esse moco?

Juliano RigattiO cancer da humanidade
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Eu amo o Google

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Isso mesmo. Entre os intangíveis, mais até que a Patrícia Poeta e a Leila do vôlei. E renovo esse sentimento sempre, sempre. 

E não é um amor cego, desses que a gente não consegue explicar. Esse é um amor racional, mas dependente e incondicional.

Juliano RigattiEu amo o Google
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Pouca infância

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Minha mãe e eu fomos no cinema assistir O Caçador de Pipas. Voltei angustiado. 

Tenha você conhecido ou não a obra – livro ou filme –, a mensagem da história me parece, como dizem, universal. Tipo o controle remoto aquele gigante e cheio de botões coloridos e sem função que se compra quando todos os outros de casa já não funcionam mais. 

Como todo best-seller, a linguagem é fácil. Como poucos, emociona ao tratar da singularidade do ser humano nos seus poucos anos de vida. O afegão Khaled Hosseini, autor do romance, trata a infância de uma forma contundente.

No filme, em diversas cenas, a sensação de estar viajando junto com as pipas é impressionante. O voar desgovernado e o barulho do corpo frágil do brinquedo sendo violentado pelo vento aproximam o espectador do real. Cheguei a pensar que seria nisso que eu pensaria sempre que lembrasse do filme. Não será. 

Parênteses. Posso contar o final? Já adianto, muito mais importante que o final, assim como nos demais casos de enredos de não-ficção, é a trama em si. Portanto, contarei o final, sim. Parênteses. 

Acontece que livro e filme tem finais diferentes. Cada uma das artes, a literatura e o cinema, no uso de seus recursos, evidencia coisas diferentes antes de encerrar o romance. 

Enquanto o livro descreve a sensação de redenção experimentada pelo protagonista, que supera um grande trauma pessoal, o filme nos faz mergulhar na densidade do mal irreversível, da marca irreparável presente em outro personagem. Enquanto o Amir do livro antecede o ponto final da história com uma corrida de braços abertos e sorriso largo nos lábios, o menino Sohrab do filme o observa. Fixa na tela seu olhar quase morto e a dor que o emudeceu. Nada de mais impressionante acontece até subirem as letrinhas. 

“Há muitas crianças no Afeganistão, mas muito pouca infância”. 

É isso, pouca infância. Hassan não teve infância, massacrado pelo preconceito étnico. Sohrab, seu filho, também não viveu como criança porque a guerra o colocou de castigo. E o castigou. 

Tivemos pouca infância no Afeganistão pós invasão russa. Tivemos pouca infância no Vietnã pós norte-americanos e na Alemanha nazista. Mas não é privilégio da guerra. Temos pouca infância também no Brasil. 

Temos pouca infância enquanto continuamos a dar moedinhas no sinal vermelho. Enquanto diminuímos a evasão escolar sem nos preocupar com a qualidade do ensino. Enquanto permitimos que nossas crianças assistam à novela das oito. Enquanto pais não entendem que o “não” de hoje é o limite ético respeitado amanhã. 

Pouca infância. Isso também é sustentabilidade. É insustentável um mundo habitado por crianças com pouca infância. Por crianças sem oportunidades iguais. Sem alimentação suficiente. Sem livros. Sem afeto. Sem. 

O frio já tinha dado as caras e a noite avançado quando saímos do cinema. Não fiquei pensando nos efeitos especiais das pipas voando no céu afegão. Enxerguei Sohrab parado no alto daquela rua. Com os braços caídos e o olhar sem infância qualquer.

Juliano RigattiPouca infância
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Minha primeira camiseta rosa

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Moda e correntes de e-mails são bichos esquisitos. Ninguém nunca sabe quem começou, onde nasceu, qual o verdadeiro sentido e motivação. Se criam. E as pessoas, involuntariamente os acariciam, alimentam e dão banho até ficarem fortes e andarem soltos por aí.

Olho a caixa de e-mails. Chegou mais uma corrente. Uma não, duas. Tá, essa vou ler, decido meio por caridade. Em seguida, desisto. Aquilo não é pra mim. Só o assunto já dá idéia de quantas dezenas de pessoas já manipularam aquele e-mail, jogaram-no pra lá e pra cá até cair aqui na minha mesa, dentro do monitor. Como dinheiro amassado, sabe-se lá por onde esse indesejado passou. Segundos e segundos se vão enquanto rolo o e-mail esperando ver algum texto que faça sentido. Demora. Antes vejo alguns dos comparsas que ajudaram esse entulho a se criar. Não leio mais e pronto! Sim: eu deleto quase todas as correntes.

Juliano RigattiMinha primeira camiseta rosa
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Pipas

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Agora sao vinte pras duas da madrugada de um domingo qualquer. Ha poucos minutos, um “plin-plin” no meu celular avisava que a mensagem que eu tinha enviado havia sido entregue nos celulares do Bacon e da Sheila.

Fiz questao de agradecer por terem me presenteado com O Cacador de Pipas, de Khaled Hosseini, do qual acabava de virar a ultima pagina. Depois de muitos suspiros e sensacoes de pavor, indignacao, profunda tristeza e uma alegria que, mesmo pouco familiarizada com lugares e personagens, vinha, assim, gostosa. Eh que ser humano, seja ele qual for, sente e vive o mesmo que a gente. E a empatia acontece. Senti alegria a ponto de molhar os olhos umas tantas vezes.

Pipas nunca tinham formado na minha cabeca imagens muito significativas. Lembro de ter ido comprar papel de seda e ter procurado gravetos nem muito pesados, nem muito frageis. Isso ha uns quinze anos ou mais. Elas nunca sairam do chao. Os fios dos postes de luz sempre as impediram.

Mas hoje — ou a partir de hoje — pipas me dao — ou me darao — medo.

Medo do que essa vida e esse mundo me reservam. Medo de chegar em um tempo em que sentirei saudade. Medo de virar so mais uma vitima dessa vida que nao eh um filme indiano, que nao tem sempre um final feliz e que nao se importa nem um pouco com isso. Essa vida que apenas segue “em frente, como uma caravana de kochis, lerda e empoeirada”.

Bom se a vida fosse como esse livro aqui no meu colo. Se pudessemos pega-la a hora que quisessemos e folhea-la, bem la atras, nos primeiros capitulos. Ver as pessoas de novo, ouvir as vozes, sentir o cheiro, ve-las partir e, em seguida, retornar.

Hoje tenho comigo todos os que amo de verdade. Tenho medo do dia em que nao os terei mais. E vou sentir vontade de folhear as paginas pra tras. Mas nao dara. Nao poderei.

O Bacon e a Sheila responderam minha mensagem. Disseram coisas bonitas. Que bom que eu gostei do presente. Que por mim fariam isso mil vezes. Como Hassan disse. Como Amir disse.

Esses amigos meus casaram-se ha pouco. Coisa de um mes.

Que Deus os conceda uma vida de felicidade. E que esta vida seja boa e justa com eles. E que lhes traga, no fim da vida, o que queremos para todos nos. A saudade de uma vida bem vivida. So pipas de saudades boas de sentir.

Juliano RigattiPipas
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ESPECIAL CANUDO

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Canudo. Canudo é o tipo de palavra que depois que a gente diz uma vez fica olhando pra ela, estranhando, duvidando que existe. Ca-nu-do. Que estranho. Mas falando em canudo, vem aí o ESPECIAL CANUDO.

Não o do todinho, nem o da caipira. Canudo de diploma, sabe? Isso, pois então, em respeito aos milhares de leitores assíduos desse blog, ávidos pela próxima novidade, estou lançando essa série de textos.

Todo o dia primeiro, primeiro dia de cada mês, vou colocar no site um texto antigo meu, que tem como pano de fundo o meu tempo de universitário. Sim, porque este tempo passou e deixou lembranças, memórias. Porque foi no último dia primeiro, o de março, que tornei-me jornalista. Que ganhei o canudo. E pra prestigiar minha idéia bárbara e comemorar o dia dos bobos, comece lendo o primeiro da série: “Vida sem Vírgulas”. Sou meio suspeito pra falar, mas vale a pena. 🙂

Juliano RigattiESPECIAL CANUDO
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Nossas memórias

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Todos os que já estão formados, seja lá em que curso for, sabem que a condição essa de formado implica termos, além do registro profissional, uma série de lembranças imensamente agradáveis em nossa memória. Cada pedaço do passado que a mente – esse ser controverso – escolheu recortar pra guardar traz consigo uma sensação de perpetuidade. “Conhecimento é uma coisa que ninguém te tira”. Tu já deves ter ouvido essa frase por aí.


Dia desses fui pegar um filme na locadora.


– Tem ficha?
– Hem?
– Ficha. Cadastro. Tem?
– Ah, não.
– Nome.
– Juliano Filipe Rigatti. Erre-i, jê-a, dois tês, de tomate, i.
– Rigatti…
– Isso.
– Idade, Filipe.
– 25.
– Profissão.


A moça repetiu a pergunta. Mais uma vez. A voz já ficava mais fraca. Eu mais longe dali. A voz sumiu. Fiquei pensando.

A memória da gente funciona tipo uma máquina fotográfica. Por razões até hoje desconhecidas, resolvemos apertar o botãozinho mágico em frente de uma cena que nos chama a atenção. A cena, por sua vez, é copiada do tempo e guardada num filme, num rolo de filme, ou num cartão de memória. Ou na memória da gente.


Quando penso em todo o meu tempo de faculdade – pouco mais de sete anos e meio – não faço filme, mas um álbum de fotografias. Com muitas fotografias. E posso lembrar de umas tantas.


Lá vão cinco delas:


Sete anos e meio atrás, eu no salão paroquial da igreja aqui perto de casa. Exultávamos de alegria no palco, festejando a chegada de mais um dos inesquecíveis retiros do CLJ, grupo de jovens da Igreja Católica. Minha irmã e minha mãe vieram ao meu encontro contar a novidade: eu tinha passado no vestibular pra jornalismo. Não que aquilo fosse alguma grande façanha, mas era uma boa notícia, no mínimo. Aquele dia, eu iniciava mais um ciclo.


A segunda lembrança é a turma toda do primeiro semestre do curso tentando posar para uma foto na lata. “Foto na lata” é um processo alternativo de fotografia que utiliza apenas uma lata – aquelas de achocolatado, pode ser –, um papel de foto, para revestir a lata internamente, e um furo de uma centimetragem específica em algum ponto do corpo da lata. E sol. Basicamente isso: lata, papel, furo e sol. Lembro que a lata estava em cima de alguma coisa quando alguém foi lá e destapou o buraquinho: clique. Estava pronta a foto, mesmo que com suas características bem peculiares, já que a cena fica arredondada (sabe quando se olha por uma lupa?) e preto e branca. Fica espelhada também – a cicatriz do rosto agora do lado esquerdo, a unha comprida no dedo mínimo da outra mão. No mais, é uma foto. Ela pode não ter a melhor qualidade estética, mas, juro, quando ponho os olhos nela hoje, ela cumpre exatamente o mesmo propósito que as demais.


Outra fotografia da minha memória. Primeiro semestre do curso. Estávamos em uma sala repleta de máquinas de grande porte e, em frente ao amontoado de curiosos alunos, um senhor apontava para uma placa que explicava o que fazia o tal equipamento. O professor da disciplina de Introdução ao Jornalismo tinha nos levado para conhecer a redação e produção do Jornal NH, em Novo Hamburgo. O maquinário aquele era um orgulho para o jornal. Naquela época, eles eram os pioneiros em um tipo de processo de impressão. À frente inclusive do maior grupo de comunicação do Estado. Engraçado destino. Entrei nessa sala há muito tempo, quando ainda nem fazia idéia de o que era Jornalismo. Voltei exatamente a esse lugar meses atrás. Quase formado, atuando na área e acompanhando um executivo importante da minha empresa. Pela explicação desses dias, descobri que o método de impressão do jornal já não é mais a vanguarda do mercado. O tempo passou.


A Kombi do seu Roque. Lembro de estar de carona, rodeado de crianças e atento ao que se passava nos bancos estofados do lado e da frente. O sotaque carregado do condutor, a gritaria da pirralhada e as brincadeiras inocentes eram os outros passageiros. Tinha que captar tudo para uma reportagem literária – modalidade do jornalismo que combina fatos com a linguagem do romance da literatura – que estava escrevendo sobre a vida do seu Roque, que trabalha como kombista em Canoas há trocentos anos. Ele mora até hoje numa casa com um gramado enorme aqui perto de casa. Tem nessa casa um cachorro, daqueles bem grandes, que acompanhava minha descida da lomba nas voltas da aula, isso no ensino fundamental. Eu descia e ele ficava me acompanhando, olhando e rosnando. Quando o terreno dele acabava e eu continuava, ele latia em desespero e pulava no muro dando quase uma cambalhota. Não ganhei o concurso com a tal reportagem literária. Azar. Ganhei lembranças boas pra guardar comigo.


Bom, a última memória que queria citar é beem mais recente. E se explica sozinha pela foto ali de cima.


– Moço? – despertou-me a atendente da locadora.
– Ah, oi?
– Profissão, tem profissão?
– Sim, sim. Jornalista.

 

Juliano RigattiNossas memórias
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Vida sem vírgulas

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De noite

quando os olhos umidos piscam duas

tres vezes

E os labios se esticam

num largo bocejo

Sinto nos ombros o peso da semana que termina soh amanha

Nas costas, o sentimento de cada decisao

E do boa-noite corrido que dei pra ela

Não adianta, nunca me satisfaço com o telefone

Quando as linhas se quebram e nos dao o tempo necessario de correr o olho por entre o branco da pagina em busca da proxima letra eh porque a vida que escrevo diminuiu seu ritmo e deu chance de respirar quando na verdade nao eh costume da nossa vida parar assim e dar tregua todos ja sabem disso porque sabem ou porque leram em algum lugar que a vida eh uma grande batalha cheia de disputas primeiro pelo tempo que dizem ser precioso depois pelo dinheiro depois pela vaidade que nos eh inutil todas as vezes que o dia nos massacra e que novamente estamos entregues na cama sem ter o que pensar a nao ser nos deixar vencer pelo convite do sono

Na noite passada lembro ter pedido a Deus para ser um cara melhor no dia que iria começar amanha e que o meu dia fosse iluminado e que pudesse fazer as coisas da forma correta mas na verdade nem sei como lembrei disso tudo porque hoje o dia começou ainda mais atucanado que ontem e a unica coisa que penso novamente eh em quando isso vai diminuir nao tem chance para o vacilo porque como combinamos antes tudo eh uma grande batalha e a desatençao faz perder a guerra mas guerra de que heim? o que ganho correndo desse jeito ih esse é o meu onibus porra trem lotado de novo e nesse calor deve estar uma estufa enfrenta meu rapaz eh a vida tu tens que sofrer pra te sair bem na vida e ainda tira esse revista da pasta e vai ler aliás o que é que tu tens lido ultimamente qual teu livro de cabeceira chega essa voz da consciência me enlouquece e essa aula me faz refletir ainda mais nas coisas que nao faço nas coisas que nao sei e nas coisas que nunca vou precisar saber esse professor sabe pra caramba mas não sabe passar e a desculpa de eu nao ter tempo nao vale porque senao todos a dariam e seriamos todos iguais de novo eu devia estar com sono essa hora nesse trem vazio mas a aula foi tao boa que sao onze horas e eu estou bem ligado mas soh ateh comer alguma coisa sempre fico assim depois de comer e antes de por o celular despertar olhar para a cama e nao lembrar mais de nada

Puta merda sete e meia hoje vou pegar o segundo onibus e chego meio atrasado vinte pras oito tchau mae tchau pai esse chuvinha de molhar bobo pra quem usa oculos parece uma enchurrada pingoes desse tamanho e o guarda-chuva tá aqui ou ficou estah aqui e esse ônibus que nao vem assim atrasa mais ainda acho que aquele cara vai descer daqui a pouco dai sento no lugar dele droga bem hoje que eu tinha esse poligrafo pra ler tenho que ir de peh e essa pasta pesada vou largar no chao mesmo depois limpo embaixo melhor do que ficar rasgando a mão aos pouquinhos e tudo que quer se consegue e tudo depende de escolhas que fazemos sobre as coisas vou optar em aceitar esse troço como um desafio pra mim vai ser mais facil do que encarar como um problema nao adiante eh assim e sempre vai ser assim mas se fizessemos alguma coisa vamos reclamar na coordenaçao a aula que pagamos tao caro nao pode ser tao ruim carona? claro pode ser se fica no teu caminho eu aceito quer saber da minha vida? tah beleza um pouco corrida mas não dah nada tenho mesmo eh que agradecer que bom que deu pra deitar mais cedo tenho que acordar mais cedo tenho umas coisas pra por em ordem lah não deu tempo ontem

Nao deu tempo ontem

Não deu tempo de terminar aquele troço

Nao deu tempo de ligar pra ela

Nao deu tempo de saber dele

E de dizer aquilo pro pai

Essa paisagem tão desgastada da vida merecia no minimo um pouco mais de respeito pelo menos alguns pontos a mais nessa rotina sem virgulas e sem acentos onde tudo parece muito igual e onde o tempo eh obsessao de todos e pertence a ninguem ou nos pertencemos a ele? sei la não vejo a hora de sair desse paragrafo e descansar porque a semana soh termina amanha e quando o espaço em branco voltar a aparecer

O dia vai estar chegando ao fim

E eu nao tive tempo de rever o que disse

Nem de procurar onde por as virgulas não sei por onde começo

Se pelo inicio, pelo meio ou pelo fim.

(Este texto foi escrito por mim, em 1/6/2004)

Juliano RigattiVida sem vírgulas
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