O público que se dane!

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Olá! Quero compartilhar aqui meu novo artigo para a revista Super Sul, especializada em varejo da região Sul. Esta é a minha primeira contribuição como articulista fixo da publicação, na coluna Comunicação Corporativa no Varejo. Se preferir, leia o artigo folheando a revista.

Boa leitura!

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O público que se dane!

Imagine o seguinte diálogo:

— Boa tarde, de onde falam?
— Do supermercado, pois não?
— Meu nome é Fulano, sou jornalista do jornal da cidade e gostaria de falar com o proprietário.
— Eu sou o proprietário. O que foi que houve? Produto vencido? Quem lhe atendeu mal desta vez?
— Não, não. Só gostaria de saber quanta pipoca o senhor vai vender a mais esse ano em comparação com a Festa Junina do ano passado. Pode ser em percentual.
— Mas para que você quer saber isso?
— Para usar na minha reportagem.
— Mas isso é bom para o meu súper, vai chamar gente. Quanto você vai me cobrar?
— Não vou cobrar nada, não, senhor. Só preciso de informações sobre as empresas para escrever a minha matéria.

Embora esta conversa não seja real, ela revela uma característica preocupante do mercado varejista: o entendimento da relação entre estes dois personagens­ – o jornalista e o empresário – ainda não está completamente amadurecido. Para muitos profissionais das empresas, quanto mais longe o jornalista estiver, melhor. Ora, não é isso que aconselham os especialistas, ao contrário: quanto mais sua empresa crescer, mais precisará de bom relacionamento com a mídia. Mas e por quê?

Porque desde sempre, grande parte daquilo que influencia alguém a comprar no seu supermercado ou no seu negócio é a confiança que este alguém tem no que você vende. “E como se constrói esta confiança?”, alguns perguntarão. Com bom atendimento e qualidade, uns responderão. Com produtos baratos e propaganda, outros dirão. E todos estarão certos. Mas se ficarem por aí, deixarão de mencionar a influência da mais relevante, tradicional e respeitada forma de disseminação de informações que o homem já inventou: a notícia veiculada pela imprensa.

Mas e as pessoas confiam na imprensa a ponto de construir uma imagem sobre a minha empresa por meio das notícias que leem? Sim. Primeiro, porque confiam no jornalista e, depois, porque confiam na imprensa. Pesquisa realizada em março de 2010 pela GfK, 4ª maior empresa de pesquisa de mercado no Brasil e 4º maior grupo mundial do setor, que mediu o nível da confiança da população em profissões e organizações no Brasil, confirmou a credibilidade do jornalista entre os brasileiros. Os profissionais da imprensa ficaram na sexta posição, com 76% das menções dos entrevistados, à frente, por exemplo, de publicitários, juízes, policiais, instituições religiosas e diretores de grandes empresas.

A publicidade veiculada pela minha empresa no jornal não pode ser considerada notícia? Não. Basicamente, a diferença entre uma notícia e uma propaganda é que a primeira é resultado do trabalho de um jornalista, motivado pelo interesse da sociedade, enquanto a propaganda é o discurso livre de uma empresa, sem a mediação do jornalismo. Como bem definem Jorge Duarte e Wilson Corrêa da Fonseca Júnior, respectivamente doutor e mestre em Comunicação, em artigo sobre o tema, diferentemente do que faz a propaganda, “o negócio da imprensa não é promover pessoas ou organizações. Em vez de promoção, a imprensa precisa oferecer informações independentes, autônomas, críticas, confiáveis, capazes de explicar a vida social”. Em suma, a publicidade não tem a responsabilidade de explicar a vida social; ela apenas dá a versão de sua organização.

Então a publicidade não tem importância? Claro que tem! Notícia e publicidade são complementares para o seu negócio. A reflexão que proponho com esse artigo é relativa à valorização deste outro tipo de comunicação: além das já valorizadas áreas de Operações, Marketing, Comercial, Logística, Contabilidade, Recursos Humanos, sua empresa precisa passar a investir mais no diálogo entre a organização e a imprensa.

Querem ver a importância disso? Outro levantamento sério, este feito pela CDN (Companhia de Notícias, uma das maiores agências de comunicação do país), que entrevistou 500 executivos de empresas de São Paulo e Rio de Janeiro em outubro do ano passado, relevou que 92% modificariam sua opinião sobre uma empresa lendo uma notícia, contra apenas 8% que mudariam de ideia vendo uma propaganda. O mesmo estudo revela que 57% dos respondentes concordam que costumam tomar decisões de mercado tendo como base as notícias que leem nos jornais e revistas.

Mas e se a maioria das experiências da minha empresa com a imprensa foi ruim? Convido-o à reflexão mais uma vez. Voltemos vinte, trinta, quarenta anos. Estávamos na escola. Será que fazíamos questão de nos reunir com os amigos para contar os “foras” que havíamos levado das meninas? Claro que nos orgulhávamos só do que nos era favorável. É assim quando nos preocupamos com a reputação de nossas empresas hoje. Queremos que o jornal veicule só o que é positivo para os nossos negócios. E o jornalista sabe disso. Por isso, sua missão é mais difícil. O seu esforço é jogar luz ao que está oculto para, como disseram Duarte e Júnior há pouco, “explicar a vida social”. Com todos os seus fatos, contrapondo pontos de vista, idealizando a imparcialidade, investigando versões, doa a quem doer.

“Mas o que há de bom nisso para a minha empresa?”, você perguntaria. Tem muita coisa positiva que a sua empresa faz, de interesse público, que um bom jornalista também gostaria de saber. Afinal, o seu supermercado ou o seu negócio não geram emprego? Não investem nos municípios onde se instalam? Sua organização não tem casos de gente que cresceu na carreira e tem lições para dar aos jovens? Vocês não realizam ações comunitárias ou implementam projetos sustentáveis que serviriam de exemplo para o mercado? Um bom jornalista gostaria de saber de tudo isso, com detalhes. E publicaria. E citaria a sua empresa. E isso aumentaria a confiança dos clientes da sua organização.

É preciso que compreendamos o trabalho do jornalista. Ele é pago para preencher as páginas dos jornais, ou os sites da internet, ou os minutos de um boletim de rádio. Se você não falar, pra compor a sua matéria, ele falará com outro. Se o caso for negativo, for sobre sua empresa e você não falar, ele falará com alguém que queira falar sobre você. E isso pode ser bem pior.

Um dia, em 1882, William Henry Vanderbilt, exclamou a famosa frase “the public be damed!” (o público que se dane!), quando criticado e cobrado por causa da péssima qualidade dos serviços que suas ferrovias prestavam nos Estados Unidos. Desculpe a minha sinceridade, mas quando a sua empresa decide não falar com a imprensa, você está repetindo a reação deste empresário que viveu há mais de 120 anos. E neste 2011, se o seu cliente descobrir que você não se importa com ele, você terá problemas.

“Ah, mas na minha cidade, o jornalismo não é assim”, alguém dirá. O jornalismo é o mesmo em qualquer parte; a imprensa pode não ser. Mas, acredite, se na sua cidade, o noticiário só fala bem das empresas que anunciam; se ataca os empresários por causa de desavenças pessoais, respire fundo e relaxe: certamente, muitos leitores pensam o mesmo que você sobre este jornal. Como completam Duarte e Júnior, “a existência da imprensa depende da credibilidade atribuída pela sociedade às informações por ela geradas. Parcialidades, promoção, endeusamento são tudo o que o público não quer da imprensa”.

Entre todos os stakeholders (pessoas ou organizações afetados pelos negócios de sua empresa) com os quais sua empresa se relaciona, talvez a imprensa seja o que mereça um cuidado especial. Gerenciar mal este relacionamento é mandar o público se danar.

Juliano RigattiO público que se dane!
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