Não venha me dizer que alguém, algum dia, entrou no CLJ para ter a experiência de Jesus Cristo. Para ser convertido. Para ser evangelizado. Ou melhor, para se tornar um líder.
Nem vem.
Os motivos para a primeira tarde deste movimento sempre foram outros. Mais ou menos santos, mas foram outros. Por isso que sempre disse que O CLJ me enganou ao longo desses 40 anos. Você que começou pela insistência de um amigo. Você que entrou para se aproximar daquela guria. Para jogar bola com a turma. Para poder frequentar as aulas de violão. Porque a família toda estava lá — ou só a irmã mais velha. Você que entrou com uma data para sair. Você mesmo. Você que entrou e ficou, você foi enganado. Porque ninguém, no auge dos seus 14 anos, é capaz de supor o que viveria a partir da decisão de ficar. Até porque não foi uma decisão. E até porque com esta idade não se decide nada na vida. Você foi ficando, foi ficando. Até o dia que decidiu sair. Que também não se decide sair. Quando saímos é porque já estávamos fora há algum tempo. Depois do CLJ, do tempo que você ficou lá, você se transformou no que você é hoje. Se já lá o que for. Está bem, no mínimo, a sua espiritualidade é outra. Ou é completamente outra. Como no meu caso.
Mas voltando ao fato de termos sido ludibriados. Se serve de consolo, saiba que nem você, nem eu, fomos seduzidos por um movimento qualquer. “Se este Movimento vem de Deus, ele vai durar e trazer muitas vocações. Mas se não vem de Deus, daqui a pouco nós vamos acabar com isso”, foi o aviso que, em 1975, Dom Zeno ouviu do então Arcebispo de Porto Alegre, Dom Vicente Scherer. Suponho, portanto, que estejamos falando de uma iniciativa de Deus.
E sobre esta obra divina, deixem eu lhes dizer algumas coisas.
Como cristão, participei de movimentos jovens durante mais de 15 anos. E ainda tenho algum contato com eles. Fui me dando conta ao longo do tempo que o jovem precisa honrar suas experiências cristãs alterando o seu comportamento no mundo. A tal “ação” do tripé estudo-piedade-ação e as tais “obras”, a que se refere São Tiago quando diz que sem as quais a fé é morta, não se resumem à caridade, como poderíamos supor. Também são a caridade, mas não só. A experiência com Jesus Cristo nos torna capazes de agir como Jesus Cristo. Em todas as nossas relações. Porque é de relações que a vida é feita, meu caros. Entre amigos, no trabalho, na família, no futsal, na balada. Você aconselha ou se cala? Você aponta o dedo ou se acovarda? Você tolera ou explode? Você julga ou analisa os contextos? Você elogia ou se envaidece? Você compreende seus limites ou os desconhece? Você coopera ou oprime? Você esgota todas as forças ou você se ama?
Olhemos para a história que nos trouxe até aqui. Porque vocês e eu somos produto da história.
No ano de 1974, em plena turbulência política e social do Brasil, quando a Igreja tentava consolidar no país a sua opção pelos pobres, desvinculando-se das classes dominantes, Porto Alegre assistiu o surgimento de um dos mais transformadores grupos de jovens da região Sul do país: o Curso de Liderança Juvenil (CLJ). Depois do Emaús, o CLJ foi um dos primeiros movimentos a reunir novamente os jovens – coisa que o golpe militar proibiu à base de agressões, torturas e matanças – e fazê-los canalizar toda energia pelo anúncio do evangelho e da mensagem de Jesus Cristo.
Em março de 2009, durante entrevista que fiz com Dom Zeno, fundador do CLJ, bispo de Novo Hamburgo e presidente do Regional Sul 3 da CNBB, reconheci a importância histórica deste grupo. Dom Zeno contou-me que ficou todo o ano de 1973 sem distribuir comunhão a jovens. Acredite: nenhum jovem comungara com ele durante todo o ano, na paróquia São Pedro, em Porto Alegre.
Não havia jovens na missa. Nem, sequer, um.
E parte da explicação está aqui: a Igreja apoiara a repressão nos anos 60. E tenho a impressão que nem as tentativas de modernização surgidas a partir do Concílio Vaticano II, em 1962, e da II Assembléia Geral da Conferência Episcopal Latino-Americana, em Medelin, na Colômbia, em 1968, conseguiram renovar suficientemente a imagem da Igreja Católica, a ponto de fazer a juventude participar novamente – como o fizera na Ação Católica e na JUC (Juventude Universitária Católica), por exemplo.
Mas os jovens voltariam a se reunir em torno de Jesus Cristo.
E vejam a coincidência dos números: 74 crismandos, em 1974. Foi por meio da Crisma, que Dom Zeno reaproximou a juventude de Deus. Um retiro com crismandos, realizado em 14 e 15 de julho de 1974, com poucas adesões, transformaria para sempre a cara da Igreja jovem no Rio Grande do Sul. Mesmo com o relato quase emocionado do padre, continuei intrigado.
– O que os fazia voltar? – perguntei.
Quase não terminei de perguntar e já ouvia a resposta de Dom Zeno. Aquilo não estava só na ponta da língua, como dizemos, era uma convicção.
– A descoberta de Jesus Cristo – disse ele, taxativo.
E dali, não parou mais de listar razões que lhe eram tão verdadeiras como se aqueles 19 jovens estivessem à sua frente naquele momento.
– A possibilidade de poder conversar com ele diretamente e ao vivo. E se ele está aqui, vivo, diziam, então valia a pena. Aquele Jesus era uma novidade fantástica para eles. Eles acreditavam em um Jesus morto na cruz, de uma morte que aconteceu há dois mil anos e que não tinha mais nada a ver com eles. Conheciam um Cristo sofrido. Mas o Cristo que está vivo no sacrário, conversando conosco, desse eles não tinham ideia. Quando eles descobriram este outro Cristo, eles se empolgaram por ele.
O fato é que os jovens conheceram um Jesus Cristo humano, próximo. E gostaram de revê-lo toda semana, gostaram de se reunir em torno dele. Os movimentos prosperaram e se multiplicaram. Nessas qiuatro décadas, só no CLJ, milhares de adolescentes tiveram a oportunidade de conhecer o evangelho e a receita de felicidade ensinada por Jesus Cristo.
Mas a juventude se acomodou.
Sem entrar na discussão das inclinações políticas presentes nos movimentos populares da Igreja nas décadas de 60 e 70, precisamos voltar nosso olhar para aquela época e perceber que só faremos a diferença se formos ao encontro de quem precisa e se vivermos de acordo com os valores que pregamos. Jesus Cristo não veio para os fortes, mas para os doentes. Não ficou em sua terra natal, mas viajou ao encontro dos necessitados. Não fez pelos apóstolos, mas os ensinou a pescar. Não foi condescendente, mas firmou o pé em suas convicções.
Pense no seu grupo.
Como os jovens se comportam em casa depois de voltarem saltitantes de um retiro? Em que aspecto as relações no trabalho melhoram depois de três dias olhando para dentro de si e revendo atitudes? Não é fácil viver a lógica do amor, mas é o único caminho. Sei que já existem realidades que me contrariam, mas tenho certeza que a provocação é oportuna.
Deixo aqui trecho da segunda carta de São Paulo ao Tessalonicences, escrita provavelmente no ano 70:
“Por isso também rogamos sempre por vós, para que o nosso Deus vos faça dignos da sua vocação, e cumpra todo o desejo da sua bondade, e a obra da fé com poder; Para que o nome de nosso Senhor Jesus Cristo seja em vós glorificado, e vós nele, segundo a graça de nosso Deus e do Senhor Jesus Cristo.”
É urgente que Deus no faça dignos de nossa vocação, como pede São Paulo. Como Zaqueu, que subiu em uma árvore para ver Jesus Cristo, porque alguma coisa o chamava, precisamos também ouvir esta voz que chama e fazer o esforço da subida. Há milhares, milhões, precisando de nós. Há gente sem ter o que comer, há gente satisfeita com a vida egoísta que leva, há gente sem motivos de ver o sol do dia seguinte nascer, há gente dependente de susbstâncias químicas para ter algum prazer na vida. A messe é grande e ocasião não nos falta. Há muita gente precisando de nós. Precisando da juventude e da Igreja do futuro, que está sendo construída agora. Rezemos para que Deus entre na vida de nosso movimentos, mexa na estrutura, sare as feridas da acomodação, da hipocrisia, e os coloque à buscar. Mais 40 anos.
(Artigo publicado em julho de 2014 e parte integrante do livro O CLJ me enganou.)
(A foto deste artigo tem crédito do site EaíTchê – Serviço de Evangelização da Juventude: https://www.eaitche.com.br/portal/noticias/regional/clj-40-anos-de-lideranca-jovem)
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