Sem sinal

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Quando o corpo dói, você não tem dúvida. Sabe onde está a dor, provavelmente sabe a sua causa e há grandes chances de você saber como curar esta parte do seu corpo. Um chá, uma massagem ou até a ingestão de mais água, e a dor se vai.

Quando a preocupação vem, normalmente você sabe a sua razão. Se não consegue lidar com ela, busca ajuda. O colo da mãe, o ombro do pai, o ouvido de quem te ama, o celular de um amigo íntimo, a oração, a Eucaristia. Muitas vezes, a busca por um terapeuta ajuda bastante também. Quando menos vê, você percebe que aquela preocupação era maior do que o problema real, e tudo passa.

Quando o sofrimento chega e as emoções se misturam, você quase sempre é pego de surpresa. O susto às vezes imobiliza, às vezes nos leva a agredir, às vezes faz chorar. Você olha para aquela emoção, sabe que ela não é você, e a deixa ir. Às vezes demora, eu sei. Às vezes, precisa de muita oração, eu sei. E como ela sempre deixa marcas, volta e meia a memória a traz de volta; e quando ela volta, traz junto mais uma oportunidade de aprender sobre quem você é e sobre suas necessidades mais essenciais.

Nossos sentidos, nosso pensamento e nossas emoções são estados de nossa consciência para os quais fomos treinados há muito tempo para saber como lidar. Concordo que às vezes você não sabe o que fazer com uma grande tristeza, com um dilema, com um nervo ciático que não para de incomodar. Mesmo assim, não são mais terrenos desconhecidos. Você dá a eles um nome, busca ajuda, encontra uma forma de lidar.

Mas você não é somente sensações, pensamentos e emoções. Você não é só isso. Mais: você nem é deste mundo (Jo 17, 16).

Sabemos lidar com tudo que é de nossa natureza humana, mas há um estado de nossa consciência para o qual somos analfabetos: não aprendemos a nos conectar com o sagrado. Lotamos os templos, aprendemos sobre nossa religião desde as primeiras catequeses e hoje ainda estamos assim: especialistas da terra e ignorantes do céu. Fazemos retiros, vigílias de oração, terços e rosários. Escolhemos um santo de devoção, pagamos promessa e parece que sempre há um fio desconectado.

Aprendemos a entender as chuvas, o genoma, e até a inteligência das máquinas, mas não sabemos reconhecer o que há em nós que é a imagem e semelhança de Deus.

Uns podem chamar de intuição, outros de chamado, outros ainda de revelação. A verdade é que Deus tem um plano, uma missão. Deus nos fala. Repetidas vezes, como fez a Samuel, o grande profeta. Mas não ouvimos. Nem levantamos da cama, nem mudamos o caminho, nem modificamos nossas atitudes. Estamos distraídos. A conexão cai. Ficamos off-line o dia todo e está tudo bem. O mundo faz mais sentido. O celular nos ocupa, o boleto nos preocupa, os relacionamentos nos consomem. Não sabemos como baixar a única informação que nos salvará. Não reconhecemos mais a voz.

Estamos sem sinal.

Juliano RigattiSem sinal
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