A lição dos Amigos Secretos

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Prometam uma coisa. Uma só coisa. Seja no trabalho, entre os amigos, no futebol do marido, na creche da filhinha ou com a família, prometam somente uma coisa neste fim de ano: participem e valorizem os Amigos Secretos – ou os Amigos Ocultos, se preferirem.

Mais que isso. Façam isso não só neste mês. Valorizem-nos para todo o sempre.

Há uma boa razão. O Amigo Secreto, na sua forma original, lá na nossa infância, no deixou uma fundamental lição. E por isso, pelo legado que ele nos deixou, devemos reverência a ele. O Amigo Secreto nos ensinou, desde cedo, o significado da mais importante mazela da nossa sociedade: a injustiça.

Sei que é quase inacreditável, mas eu lembro como se fosse hoje.

Nunca mais um Amigo Secreto foi o mesmo desde o dia em que um boné verde fosforescente da Colcci – à época em que qualquer um comprava qualquer coisa da Colcci – veio ofuscar a minha visão de guri da quinta série do primeiro grau. Ele era horrível, detestável e, sobretudo, vexatório. Eu não podia acreditar que teria que agradecer e dizer que havia gostado daquele presente estúpido e de inacreditável mal gosto. Eu não podia crer nisso. Pela primeira vez em todas a minha curta vida até ali eu estava sentindo o gosto amargo e repugnante da injustiça.

Eu que havia comprado um presente de qualidade, escolhido a dedo, daqueles que se escolhe pensando na pessoa, sabe? Eu mesmo tinha sido injustiçado. Por que aquele boné estava ali, na minha mão? O que ele tinha a ver comigo? O que ele queria de mim? O que ele queria me ensinar? Para que servia aquele objeto bizarro e brilhoso senão para ensinar-me a dura lição da injustiça?

Não suportei.

Desejava dizer à Monique, acho que esse era o nome da minha algoz, que eu não gostara do presente. Que, na verdade, eu o detestara. E, amigos, eu o disse. Meio acanhado, mas disse. E dois dias depois ela veio colocar na minha mão a nota fiscal que me autorizada trocar o tal boné. E assim foi feito.

E sei que isso já aconteceu com todo mundo. Todos, invariavelmente todos, já foram injustiçados na infância por um inocente e bem intencionado Amigo Secreto de final de ano. Todos.

Mesa grande, torta no centro, cachorrinho-quente, refrigerante em garrafa de vidro, brigadeiros, branquinhos, pasteizinhos dourados, cores e mais cores. Em um instante, tudo ia à ruína. Todo o encanto da festinha de final de ano e da surpresa que aguardava o momento das revelações, tudo desmoronava. A realidade se transfigurava enquanto você abria o pacote de presente e de dentro dele surgia uma dessas criaturas repugnantes. Porque era isso mesmo que eu via quando rasgava o papel colorido e avistava um par de meias, ou um baralho, ou um dominó, ou uma carteira do He-Man com figuras reluzentes que se alternam com o movimento do objeto. Repugnantes, era isso que eram aqueles presentes.

Na maioria das vezes, eu deseja, como toda a energia do meu ser, estar com o presente que eu mesmo havia dado. Sem sombra de dúvida que ele era melhor. Enquanto escolhia o presente, eu ainda conservava a empatia, o carinho e a preocupação com a satisfação do outro. Mas eles não. Eles nunca me respeitavam. Eu era, pela primeira vez, um injustiçado.

Mas teve uma vez, uma única vez, que eu também servi deste veneno. Mas sem culpa.

Estávamos às vésperas da festinha da escola e eu ainda não tinha comprado o presente do Luiz Fernando. Na real, não imaginava o que dar. Minha mãe veio com a solução. Como ela estava indo para o centro, passaria em uma loja qualquer e compraria uma camiseta. Topei.

“Mas nós?!”, eu reivindicava uma explicação convincente da minha mãe. Por que ela havia escolhido aquela camiseta que ensinava a fazer nós de marinheiro? Por que, meu Deus? Surf, futebol, marcas, mulheres, tudo bem, mas nós?

Luiz tinha a cara da injustiça no dia seguinte. Certamente, ele se fazia a mesma pergunta que eu havia feito à minha mãe há um dia. Por que nós? Com que cara eu olharei para as pessoas quando, mesmo sem ser um marinheiro, eu estiver vestindo uma camiseta que ensine a fazer nós?

Mesmo sem o peso da culpa, eu havia dado seqüência àquela sina. A de que os Amigos Secretos todos, sem exceção, surgiram na vida das crianças para que elas, desde cedo, aprendessem o gosto amargo da injustiça.

***

Não, gente! Há muitos anos que isso vem sendo diferente. O Amigo Secreto da empresa que revelamos esses dias, por exemplo. A Bel acertou em cheio. 🙂

Juliano RigattiA lição dos Amigos Secretos

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6 comments

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  • Jacqueline - 12 de dezembro de 2008 reply

    É que, graças a sei lá quem, alguém lembrou de passar listas de sugestões, de estipular valores máximos… enfim. Ferramentas que nos garantem que a injustiça não acontecerá! e outra, hoje em dia tudo se pode trocar. Na escola chegou um tempo em que eu não participava mais de amigo secreto hehe…

  • Bacon - 12 de dezembro de 2008 reply

    Júlio! A minha história é um pouco mais triste que a tua… Acho que eu estava na 2ª série, no Jasmelino Jardim (Escola Estadual). Final de ano e… Amigo Secreto! Sempre tive em mente que, se não sabe ao certo o gosto da pessoa, dê algo que todos (ou a maioria) goste. Dei uma caixa de bombons ou de bis. Na expectativa de ter o seu nome chamado para receber o seu presente… eis que chegou a minha vez. “O meu amigo secreto é o Rodrigo de Castro!” (tinham outros 3 Rodrigos na turma). Fui bem feliz receber o meu presente. Quando abri, eis a surpresa… um calendário de mercadinho! É… esses que tem umas 3 ou 4 folhas, cada uma com uma foto de paisagem bem bonita e em cima, um papelão mais durinho com o nome “Mercado Agostinho”. Dá para imaginar a minha cara… um sorriso meio disfarçado de ódio. Mas tudo bem… a vida continua… Mas para piorar a situação, depois dos comes e bebes, já lá no pátio da escola, chegou para falar comigo a irmã da Ana Paula (a minha amiga do calendário), ela pediu para eu devolver para ela o calendário, pois era dela e a Ana Paula o havia pegado sem seu consentimento… daí “me caíram os butiá dos bolso”! Entreguei e fiquei mais feliz ainda! Alguns minutos depois a Ana Paula veio falar comigo, toda sem jeito e meio , e pediu desculpas, explicando que ela não tinha dinheiro para comprar nada e então deu o calendário do Mercado Agostinho que era da sua irmã… e me deu um abraço… esse sim foi o meu presente de amigo secreto!

  • Michele - 12 de dezembro de 2008 reply

    Jú,

    Sempre sábio com as palavras…. lembro de um Natal muito especial, que vc proporcionou para seus amigos, uma galera que vc tinha conhecido a pouco tempo, mas a identificação com o grupo foi imediata, também não podia ser diferente… mas voltando ao presente e a lembrar dos amigos, o Jú, resolveu fazer uma pequena lembrança para todos, confeccionando um porta retrato com a foto desta galera (lembras!?), incluindo uma mensagem para cada integrante desta “trupi”, que guardo com carinho até hoje… sem falar em um vídeo que descreveu um poquinho de cada um também. Lembrei deste dia, de grandes emoções, muitas alegrias, desta galera reunida, pois com certeza vc escolheu o presente pensando em cada um de nós … Beijão amigo, saudades!!!

  • Bernardo - 12 de dezembro de 2008 reply

    Vou dar um par de meia pro meu amigo secreto porque fui sempre injustiçado e hoje tenho problemas de relacionamento por isso heheheh.

    abrass

  • Bina - 13 de dezembro de 2008 reply

    Juliano!!!!
    Eu também já passei por isso algumas vezes na vida. Me lembrei desses momentos lendo teu texto.
    Ontem fui na Uni e lembrei das nossas aulas e conversas. Saudades do tempo que passou!
    Bjos

  • Dudu - 13 de dezembro de 2008 reply

    Eu lembro que na 3a série o que todos os guris queriam (pelo menos na turma 31) era um boneco dos Comandos em Ação [tinha que ser um da Força 2000]. Bem, a injustiça não aconteceu exatamente comigo, mas com o meu colega Pablo – pena que não sei o nome todo dele, senão iria até o Orkut pra saber como a vida dele está hoje. Antes da revelação do amigo secreto, todos nós já tínhamos dado um jeito de descobrir quem nos tinha tirado e por conseqüencia, qual presente ganharíamos. O Pablo me deu o soldado “Reaktor”, o mais novo entre os soldados da Força 2000. Um p… presente! E o coitado veio a saber que o presente dele seria um carrinho de ferro muito podre, muito inútil (aquele tipo de brinquedo que só crianças de até 3 anos conseguem brincar – pois é desconexo de qualquer outro). O Pablo chorou.
    Naquele dia senti pela primeira vez o gosto amargo de ver uma injustiça* e não poder fazer nada. Hoje, no escritório, sinto isso todo dia.

    * Em tempo: o carrinho sem graça que o Pablo ganhou possivelmente era aquilo que os pais do amigo secreto dele puderam comprar. Assim, talvez, maior que a tristeza do Pablo em ganhar um presente ruim, tenha sido a do amigo secreto dele, que não pôde dar um presente bom. É tudo muito injusto.

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