A Marcha dos Seres Humanos

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Parei aqui pra escrever pensando no filme que vi final de semana passado – A Marcha dos Pingüins. É um documentário, na verdade. Ótimo. Deve ter dado um trabalhão aos produtores, mas eles conseguiram nos mostrar quão sincronizada, harmoniosa e mágica é a natureza. Essa mesma natureza que está se indo aos poucos, há tempos, até bem antes dessa onda de midiatização do aquecimento global.

O filme surpreende em muita coisa. Principalmente pra esse guri de blog aqui, pouco familiarizado com bichos, com selva (ou geleiras), vida natural, enfim. As marchas todas, o acasalamento, a busca por alimento, o instinto da sobrevivência, a seleção natural. Tudo é fantástico e bonito.

Até um dado momento.

Desolada pela morte do filhote que congelou, por descuido seu, uma fêmea ataca outra fêmea para roubar sua cria. Isso mesmo, roubar sua cria. Pelas leis que regem aquele lugar gelado, a mãe não teria mais sentido em sua vida não fosse a missão de zelar pelo pequeno pingüim. Desesperada, parte para o ataque. Entre asadas e gritos (o nome do som de pingüim, alguém?), toma para si o que não lhe pertence. O guri de blog aí também se desespera e exclama pra si, baixinho: “Mas isso é igual ao Rio de Janeiro!”.

Muita calma. Explico.

É praticamente consenso entre nós que a violência que enfrentamos em nosso país é resultado do enorme abismo entre os que mais têm e os que não têm quase nada. Que são obrigados a subsistir com um salário ridículo numa sociedade do consumo. Nossa violência é fruto da desigualdade social.

Basicamente, fala-se que seja assim: o menino pobre sonha com o tênis do menino rico. O sonho distante transforma-se em cobiça e a cobiça termina em violência,
em crime. Em roubo e até em morte.

No filme, a mamãe pingüim cobiça o filhote de sua privilegiada companheira de espécie. A cobiça também se transforma em violência (parece q em crime ainda não) e em roubo.

No filme, a causa do aparente desequilíbrio parece ser bem natural (olha eu me metendo, praticamente um biólogo). Só os filhotes mais fortes sobrevivem e a fêmea desesperada sofre apenas de uma crise de instinto de sobrevivência – para ela, a vida sem o filhote não teria mais sentido.

No Rio (e aqui e acolá) a causa é bem humana e bem racional. A má distribuição de renda e a seleção natural dos recursos públicos passam por mãos supostamente inteligentes e dotadas de amor pelo próximo. Supostamente.

Enquanto lá, na marcha daqueles bichos amáveis, a natureza que ainda existe tenta fazer seu papel para continuar existindo, aqui, fazemos questão de nos destruir. Quando o corpo do menino rico estampa a página policial do jornal é destruição de nossa espécie. Não é instinto, não é seleção natural. Matou porque, inflamado por efeitos químicos de uma droga qualquer, precisa saciar o desejo do Ter. E isso não é natural. Isso é consumismo, é capitalismo, é bem humano.

E como se não bastasse a destruição da própria espécie, agora queremos pôr fim na natureza. Os pingüins, aqueles q andam léguas à procura de um lugar seguro para procriar, terão que, em pouco tempo, mudar de rota, rever seus conceitos. Isso causará desequilíbrio natural e as mágicas q o filme nos mostra passarão a não acontecer mais.

Acredito que o planeta Terra tenha um ciclo de vida. Que um dia chegaria, mais uma vez, o seu fim. Mas nós estamos fazendo o possível para tornar isso cada vez mais cedo. É o que de mais sensato eu tenho ouvido nessas discussões de ambientalistas: temos q mudar nossos hábitos. Rever nossa conduta para poder continuar marchando por aí, sem violência. Contra nós e contra nossa natureza.

Juliano RigattiA Marcha dos Seres Humanos

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  • Jac - 20 de fevereiro de 2007 reply

    Adoro pingüins. Adorei o filme. É incrível pensar em como esses bichinhos adoráveis vivem exclusivamente em torno da concretização de seus instintos e da natureza da vida: nascer, reproduzir e morrer. E nós, seres humanos, que podemos tanto, possuímos tantas possibilidades (amar, sofrer, sentir prazer, pensar…), insistimos em agir muitas vezes somente com instintos pueris de sobrevivência; pensando naquilo que queremos TER. Pra que? não levamos nada disso quando morremos. Nada disso.
    Enfim, divaguei 🙂
    beijos Ju

  • Dulce - 21 de fevereiro de 2007 reply

    Parabéns Juliano pela perfeita associação da marcha dos pinguins com nossa marcha na “sociedade”.
    Para TER, estamos chegando à insanidade, virando os piores monstros que habitam este magnífico planeta. É lamentável ver o que nos tornamos.
    Queria acrescenter um provérbio dos índios norte-americanos que li nestes dias: “Não herdamos a terra de nossos antecepassados, nos tomamos emprestada de nossos filhos.”
    beijos

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