A passoquinha hamburguesa

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Ao longo do tempo, parte da história das pessoas e da sociedade vem sendo contada pelos objetos. No interior do Estado, isso é bem comum. Mais ligados às origens, os moradores da zona rural revivem o passado colocando o olho numa ferradura amassada, numa colher retorcida, num modelo de rádio que deixou de ser fabricado na adolescência dos nossos pais. Mas não só os velhos. A gurizada hoje em dia também fica se enchendo de lembranças quando se fala na bala Soft, nos Comandos em Ação ou na professora aquela que, privilegiada pela robustez de partes do corpo, era papo certo no fim da aula, na caminhada de volta pra casa.

Mas a minha relação com a passoquinha hamburguesa é mais do que isso. Ela é quase um amuleto comestível – e afrodisíaco, dada a quantidade de amendoim – que acompanha meus estudos há anos. Hamburguesa é a naturalidade de quem nasce ­– ou vive? – em Novo Hamburgo, cidade longe de Porto Alegre uns 30 e poucos quilômetros. É fabricada pela Adam & Krummenauer Ltda. há muito tempo. No mínimo, uns dez anos. Ela é assim: dentro de um plástico transparente de 9 cm por 11,5 cm, estão 60g de amendoim em formato de paçoca – um tipo de compensado, sabe? Bom, o gosto? Ah, gosto é ruim de explicar. Só de explicar. É maravilhosa. É doce, bem doce. Sabe quando a garganta arde? Assim.

Mesmo tendo quase certeza absoluta de ela ter me sido apresentada no primeiro grau, as lembranças que ela traz são do ensino médio, no colégio Cristo Redentor, em Canoas. Olho pra passoquinha e sinto na parte de baixo do fim do braço o gelado do mármore da soleira da sacada do colégio, que ficava logo na saída da sala de aula. Ficávamos ali, escorados, batendo papo até o sinal tocar e a aula recomeçar. Só saíamos dali pra comprar a passoquinha – ou o prensado, lembra, Maiquel? A passoquinha desempenhava bem o seu papel como opção econômica ao prensado – leia-se pão de cachorro-quente com margarina, presunto e queijo, prensado na chapa quente. Era uma duas ou três vezes mais em conta. A grana do prensado, portanto, dava garantia de meia semana de intervalo com a deliciosa passoquinha. (Agora a cena congela, eu apareço sentado na minha mesinha da sala de aula, entre todos os colegas, olhando pra cima, meio sorriso no rosto e trilha sonora com mais volume.) Ái, a passoquinha. Os minutos que antecediam o intervalo corriam devagar quando eu começava a imaginar aquele sabor de amendoim bem doce, denso, escorrendo pela garganta. A cada mordida, a tristeza quase superava a satifação. Tristeza de ver que a mordida apressava o fim da hamburguesa. Ái, a passoquinha. (Corta trilha.) Que exagero.

Bom, a memória do mármore gelando a parte inferior do braço enquanto, inclinados, víamos as gurias lá embaixo no pátio e discutíamos os algoritmos de programação das aulas de informática já tem quase dez anos. Nossa, nem tinha me dado conta. Dez anos.

Fui remontar esse monte de história antiga e lembrar da hamburguesa semana passada, minutos depois de ter entregado na secretaria da universidade meu trabalho de conclusão do curso de Jornalismo. Precisamente no dia 12 de novembro de 2007. Andei com três cópias do tcc debaixo do braço pelo pátio e, meio bobo, me dava conta de que mais um ciclo ficava pra trás. Exibido, tinha vontade de responder pra todo mundo que perguntasse:

– Sim, é o meu tcc.

Com um pedaço de papel carimbado, que comprova que o trabalho foi mesmo entregue, fomos comer, beber e celebrar essa conquista. Eu e uns três ou quatro colegas do curso, ali no bar da frente da Unisinos. Larguei a mochila e o casaco na cadeira e peguei a carteira. Tirei uma nota de dez e fui fazer o pedido.

– Me vê um xis salada partido ao meio e uma cerveja.

Precisava de um doce pra depois, pensei. Olhei em volta do mal-humorado que atendia. Chiclete não dá por causa do aparelho. Bala, não. Senti o frio do balcão na parte de baixo do fim do braço. Sem sorrir, sorri.

– Ah, me vê também uma passoquinha hamburguesa.

Juliano RigattiA passoquinha hamburguesa

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  • Fabricio Barreto - 19 de novembro de 2007 reply

    Dae rapá…

    a descrição tá de dar água na boca.
    Parabéns pela conquista!!!

    Abs

  • Paulo Vicente Reinehr - 19 de novembro de 2007 reply

    Parabéns, amigo!

    Voce fez por merecer, tanto a paçquinha quanto o tcc ….

  • Tyska - 19 de novembro de 2007 reply

    hehehhe…apesar de o senhor encher o saco dizendo que entreguei uma “pesquisa” ao invés do TCC, compartilho contigo a alegria de encerrar um ciclo….

    Um beijo pra ti!

  • Jac Oliveira - 19 de novembro de 2007 reply

    jesus… TCC o.O
    no dia que entregar o meu, tomarei um porre. Nada de paçoquinha 😛

  • Lu Koch - 20 de novembro de 2007 reply

    Parábens Ju!
    Pelo texto lindo e pelo TCC entregue. Não tá sentindo um alívio? Uma sensação de dever cumprido? Sem falar é claro, como tu disseste “mais um ciclo ficava pra trás”.
    É maravilhoso!
    Bjo

  • Dudu - 20 de novembro de 2007 reply

    O melhor do eh tomar a champagne que se nao fosse pelo teu TCC eu morreria sem conhecer!

  • Ana Paula - 21 de novembro de 2007 reply

    Lindo! Muito lindo, adorei teu texto (como sempre)…

    me lembrei do miojo com um tomate picado que eu comia quando chegava da ULBRA no Cristo Redentor antes de dar aula..lá por 1994…Depois do cachorro de carrocinha que comia dentro do Estância linha 3 até chegar na escola no Guaju…
    Depois, quando já estava na PUCRS, fazendo o Mestrado, lembro do bombom ou da passoquinha com café na hora do intervalo…
    O tempo passa e as coisas, mesmo simples, parecem sempre ter o seu valor.. O miojo do Cristo e a passoquinha da PUCRS tem a mesma importância da tua passoquinha hamburguesa.. O que importa é que vivamos esses momentos com intensidade, pois são só nossos!

    Parabéns por ter vencido esta etapa!!! Te admiro muito!

    Mana

  • Samanta - 21 de novembro de 2007 reply

    concordo com a Jac. Nada de paçoquinha…
    bjão

  • Nina Flores - 9 de fevereiro de 2008 reply

    Que texto mais delicioso. E não é trocadilho! Essa passoquinha é realmente maravilhosa. Senti muitas vezes algumas coisas que descreveu, como a sensação de que a cada mordida, ahhh, estava acabando. Adoro! Em Taquara, próximo da casa da minha mãe, tem uma fábrica de rapaduras e passocas. Não é tão deliciosa quanto à Hamburguesa, mas assim que puder, pegarei uma para você experimentar 🙂 Muito legal o texto novamente e muito feliz por nossa formatura.

  • Pablo - 11 de setembro de 2009 reply

    Também estudo na Unisinos e sou apaixonado pela paçoquinha. Atualmente curso mestrado. Amanhã vou pra lá por causa da dissertação e pretendo comprar umas 10 pra ter em casa. Outro doce muito bom é o doce de leite guimarães. Acredite é mais doce que a paçoquinha e tem bem o gosto de leite. Os dois são ótimas pedidas. Abraços!

  • Adriana - 22 de setembro de 2009 reply

    estou passando para deixar uma sugestão, não considerem como uma reclamação, compramos na hora do almoço, eu e meus colegas, a passoquinha hamburguesa 80g, e a critério de sugestão para melhorar, filme pvc com que enrolam tem um cheiro um pouco forte, tirando um pouco o sabor da passoquinha, a última que comprei foi ontem, com validade até 11 dez 2009, adoro aesta passoquinha.

  • Alex sander saouza borba - 15 de julho de 2013 reply

    Olá gostaria de comprar suas rapaduras para vender, pois ja conheço seus produtos. Moro em Dom Pedrito RS onde não há produtos de vcs. Se der entre em contato comigo pelo fone. 53 84518851. Alex sander

  • Cisco Ramon - 9 de fevereiro de 2017 reply

    Considero a melhor paçoca que eu já comi em toda minha vida, sou obcecado por passoquinha hamburguesa. Virou um amor, é extremamente gostosa!

    uzina - 9 de fevereiro de 2017 reply

    E onde achar, Cisco? Moro em Poa e não acho mais!

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