A revolta das editorias

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Não tenho nenhuma estatística. Mas faz um tempão que o conflito entre Palestina e Israel não ganha destaque na editoria internacional do jornal Correio do Povo. O qual assino e costumo acompanhar. Não ganha destaque na imprensa em geral tbm. Enfim, a paz reinou, parece. Mas não deve ser, não. É mais um capítulo do Livro de História que a mídia entrega fresquinho nas bancas todos os dias.

Escrevi este texto aí embaixo em dezembro de 2002 e resolvi republicá-lo na Uzina pelo fato de o tema ter sobrevivido através dos tempos.

***

A revolta das editorias
12/2002

Por causa da semelhança na grafia, eu sempre confundia um pouco os dois elementos do jornalismo chamados editorial e editoria. Nunca sabia quando era um ou era outro. Acabei descobrindo com o passar do tempo.

O editorial é um cara mais discreto, na dele. Meio irônico, às vezes. É o tipo do cara que sabe dar o famoso “tapa de luva” e colocar o “dedo na ferida” dos outros. Fica resmungando lá na frente, um pouco depois da capa. Fala de vários assuntos, sempre preservando a sua verdade e esbanjando uma tal de parcialidade que lhe permitem exercer. E normalmente o seu tamainho no jornal é inversamente proporcional ao seu poder. É mais ou menos isso aí. Esse é o editorial.

Identificado um, sobra o outro. O mais perigoso, o mais agressivo e o menos discreto. As editorias existem para medir a temperatura da sociedade ou a temperatura da vontade dos veículos de comunicação. Bem divididos em um jornal, as editorias falam de todos os assuntos, uns têm uma página, outros mais. Preservam a imparcialidade, a objetividade e a inveja. Esta última, a pior. Está certo que têm seriedade. Mas querem sempre aparecer uma mais que a outra. Não agüentam ficar ali escondidinhas entre uma página e outra. Querem ser vistas, querem ser comentadas. Querem deixar o leitor estupefato, interessado e atraído. Querem aparecer na capa, na contracapa, nas entrelinhas dos colunistas e quem sabe até, no papo discreto e tendencioso do Sr. editorial. Querem ser o assunto da semana, a matéria da revista. Querem até merecer aquela careta ou aquela expressão mais devota no rosto do âncora do Jornal Nacional.

A revolta, como disse, é das editorias. Essa coisa da inveja vem esquentando os ânimos dentro do jornal. Cada época do ano parece ser o tempo de uma editoria. Só se fala nela. Não se fala mais em nada. É TV, é Rádio, é Revista. Todos só falam dela. São chamados psicólogos, estudiosos, acadêmicos. Todos querem analisar o sucesso da editoria. As causas do sucesso. De repente, tudo acaba. E outra editoria se rebela, se revolta. Quer a sua vez:

– Agora sou eu! Chegou a minha vez! É a minha vez!
– Que nada, sou eu!
– Ah, é é? Então dá uma olhadinha nessa capa e me diz. Hein? Hein? É a vez de quem agora? E ali na praça, estão falando de quem? De mim ou de você? Hein? Hein?
– Ahã. Tá bom. Você venceu. Mas promete que depois sou eu?

11 de setembro de 2001. É dada a largada. Nova York, Bin Laden, Afeganistão, Aeroportos, Giuliani, Bush, Mortos, Sobreviventes, Conseqüências, Mundo, Caos. Essas são as mais freqüentes. O mundo se apaga. O sol só brilha nos Estados Unidos e no Oriente Médio. Nada mais acontece. Tudo pára. Até a próxima editoria ganhar destaque, só se falará no 11 de setembro.

Copa do Mundo. Felipão, Romário e Convocação, Ronaldinho e Contusão, Coréia e Japão. O grande circo começa a ser montado. Já estou vendo. Quando começar a Copa, silêncio, não se fala mais em nada. Dito e feito: não se falou mais em nada. Futebol, futebol, futebol. Depois, penta, penta, penta. Durante a Copa, a espera do Penta movimentava os jornais. Depois, a comemoração ressoava entre os brasileiros. Até as passarelas foram pintadas em comemoração. Pronto, passou.

Sucessão presidencial. Presidenciáveis, pesquisas ou enganação, partidos ou aglomeração. Rosinha, FHC, Debates, Democracia, Patrícia Pillar, Mudança, Aliança, Esperança. Depois viriam Nordestino, Metalúrgico, Deficiente, Político, Surpreendente, Presidente. Até todo mundo já acordar acreditando que, é isso, o Lula é presidente, não se falava em outra coisa. Primeiro foi o processo eleitoral que jogou sobre si a purpurina. Só queria aparecer. Roubou a cena. Depois, a pauta era fazer o povo se convencer que ele ganhou mesmo. Ou é Ele. (presidente se diz ele ou Ele?).

Passadas as grandes pautas, as editorias especiais, chegou a vez das editorias mais comuns. E era aqui que eu queria chegar. Ao contrário das grandes pautas como Eleições, Copa do Mundo e Grandes Tragédias que ganham notoriedade naturalmente, as pautas menores ganham grande impulso dependendo dos músculos e da força do veículo que está por trás, interessado. Isso mesmo, a editoria do jornal diário depende do editorial. Um ano atrás eu não ia entender nada desta última frase. Repetindo: a editoria do jornal diário depende do editorial. Este senhor e esta senhora caminham juntos, de braços dados.

Exemplos cinematográficos claros estão em O Informante e na A Montanha dos Sete Abutres. No primeiro, um bobalhão (John Travolta) é o palhaço de um grande circo armado pelo jornalista que cobre e transforma um fato em outro grandioso. No segundo, o jornalista (não lembro o nome) se apropria da fragilidade de um cidadão preso em uma caverna para transformar o cotidiano de uma cidadezinha de interior nos EUA em um palco de um evento fantástico.

Quando vejo todos os dias no jornal um massacre familiar como os que estão em manchete nas últimas semanas, lembro deste fenômeno do jornalismo. Esta grande alta da editoria de Polícia que vêm fazendo o pai e a mãe chavearem a porta do quarto antes de dormir é parte disto que falo. Não é possível que todos tenham resolvido matar os pais, os filhos, bater na avó e suicidar-se na mesma época.

Esse nosso tempo é o tempo onde as relações de editoria e editorial mais se aproximam, enchem os jornais de manchetes incríveis e transformam a mídia em um grande circo da notícia.

Aquela dúvida que eu tinha há alguns anos, quanto a grafia de editoria e editorial, tem alguma ligação com tudo isso. Tire o “L” do segundo e tenha a mesma coisa. Em alguns casos, abra o jornal e também tenha a mesma coisa.

Enquanto o leitor comum procura algum lugar frente-e-verso onde a diferença entre os dois seja um pouco maior, nós, os estudantes de jornalismo, entramos na longa corrida por um jornalismo imparcial, correto e nem um pouco artificial.

Juliano RigattiA revolta das editorias

2 comments

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  • Anonymous - 7 de julho de 2005 reply

    descortinou e esclareceu ,
    valeu !
    abraço, pe roberto,
    de uma terra onde não existem nem jornais, jornaleiros,nem maus jornalistas…
    da uzina é que chega coisa boa,
    pra pensar, né ?

  • Juliano Filipe Rigatti - 8 de julho de 2005 reply

    Legal…
    E a nossa entrevista aqui pra Uzina sai quando?
    Abração!–>

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