Rondando a macieira

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Cheguei pro Bento, meu afilhado de oito anos, e o convidei para o aniversário do filho de um amigo. Ele os conhecia de vista. Fez cara de dúvida e não me respondeu na hora. Eu disse que tudo bem se ele não quisesse ir, que era só um convite. Dias depois, tendo que dar um retorno ao meu amigo, mandei uma mensagem à minha irmã, mãe do Bento, pedindo que ela o consultasse sobre o convite que fiz. “Não quer ir”, me disse ela, “mas não te disse porque não queria te chatear.”

Naquele instante, quando li a resposta da minha irmã, imediatamente, o Bento deixara sua primeira infância, e ingressara em uma nova e irreversível fase da vida. Ao menos eu reconheci naquele instante esta transformação. Porque a mais importante característica de uma criança é a sua inocência, sua comunhão integral com Deus, a ausência de dualidade, sua ignorância sobre o bem e o mal. Você faz uma pergunta a uma criança e ela, na sua cara, diz se gosta ou não gosta, se quer ou não quer. Esses dias uma amiga postou o vídeo da filhinha, de dois anos e meio, vestida de prenda e experimentando chimarrão. Tomou um gole e disparou: “Não gostô!”, e devolveu a pequena cuia.

O Bento não me respondeu na hora em que o convidei porque reconheceu a existência do bem do mal; como nós, adultos, fez um julgamento da situação, e não quis fazer sua escolha. Viu-se dividido, enxergou o bem, mas percebeu também a possibilidade do mal.

Regressamos ao livro de Gênesis, Antigo Testamento da Bíblia, e sua narração simbólica sobre o surgimento desta divisão. O diabo, seu inventor, colocara no meio de um belo jardim a maçã, e inaugurara naquele momento o maior dilema da humanidade deste então: o poder de escolha entre a graça e o pecado. Porque desde lá, nunca mais, desde mais ou menos a idade do Bento, conseguimos permanecer em comunhão com o que é um, com Deus. Vivemos espreitando o pecado, o caminho curto, o atalho. Vivemos nossa vida buscando a reconexão com o sagrado, com o divino, buscando entrar em contato com o Deus que nos habita, para nos afastar da terra e experimentar o céu.

Só há poucas semanas (sim, demorei!), tive o prazer de conhecer uma das mais belas poesias gaúchas sobre a História da Salvação, chamada “Paraíso Perdido”, de autoria de Jayme Caetano Braun, e interpretada pela banda Rock de Galpão. Deixo abaixo um vídeo que encontrei e os seus preciosos versos. Não deixem de ler com atenção cada linha. Deliciem-se neste 20 de setembro.

Paraíso Perdido
Jayme Caetano Braun

Quem já leu o livro santo
Conheceu o que é preciso
Entendeu o paraíso
Que era um lugaraço e tanto
Na realidade o encanto
Dos tempos de antigamente
Ali não havia doente
Todo mundo era sadio
Céu e campo – mato e rio
E primavera somente!

Que beleza de lugar
Diz a sagrada escritura
A lua de graça – água pura
Sem beniagá a incomodar
Sem imposto pra pagar
Sem as filas – sem bandido
Sem congresso – sem partido
Ontem – hoje e amanhã
No meio disso – a maçã
Que era o fruto proibido!

É o bicho mais burro o “home”
Pois tudo corria bem
Ninguém roubava ninguém
Ninguém trocava de nome
Ninguém morria de fome
Nem havia o diz que disse
Foi preciso que existisse
Um asno nessa canaã
-Adão comeu a maçã
Embora Deus proibisse!

E a gente logo imagina
Pois tudo foi de improviso
A sombra do paraíso
Coberto pela neblina
A Eva – um florão de china
O pai Adão – cabeçudo
Índio grosso – sem estudo
Desajeitado – sem roupa
Viu a maçã “dando” sopa
E comeu – com casca e tudo!

E formou-se a confusão
Depois desse desacato
A Eva se foi ao mato
E logo atrás o Adão
Resultado – a punição
Que tanto transtorno encerra
Veio a doença – veio a guerra
Veio a miséria – a ganância
E nasceu a discordância
Nos quatro cantos da terra!

E o Senhor disse ao Adão
Já roído pelo desgosto
Tu vais – com o suor do teu rosto
Comer – de hoje em diante – o pão
Sentir frio – dormir no chão
A vida será uma luta
Daí toda a lida bruta
Decretada a cada um
-Vivemos nesse zum-zum
Só por causa de uma fruta!

E foi criado o inferno
O verão – a primavera
O medo – a mentira – a fera
A geada, o frio do inverno
Além disso o padre eterno
Deixou que o homem sofresse
Que amasse – que envelhecesse
E vivemos do serviço
E – depois de tudo isso
Só ia ao céu quem merecesse

E seguiu a mesma farra
Numa verdadeira afronta
E ninguém pagava a conta
Cantando que nem cigarra
Com cordeona – com guitarra
A cousa seguiu fervendo
Deus terminou compreendendo
Ante a falta de respeito
Que a seguir daquele jeito
O inferno acabava enchendo!

E mandou Nosso Senhor
O Menino de Belém
O que em cada Natal vem
Trazer carinho e amor
Mas o homem – pecador
Ao qual o dólar seduz
Não quis compreender a luz
Da fé e da fraternidade
Jesus falava em verdade
E o pregaram numa cruz!

Conta a Sagrada Escritura
E a gente acredita nela
Que o Autor da mensagem bela
De carinho e de ternura
O que trazia alma pura
Em todas as dimensões
O Autor de mil sermões
De montanha e descampado
Acabou crucificado
No meio de dois ladrões!

E o homem que fez então
Depois da morte sublime
Ao invés de expiar o crime
Num pedido de perdão
Ou tentar a salvação
Do inferno e da fogueira
Chorando à sua maneira
O Paraíso Perdido
Muito embora arrependido
Seguiu rondando a macieira

 

Juliano RigattiRondando a macieira
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Para ser grande

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    Para ser grande, sê inteiro: nada
    Teu exagera ou exclui.
    Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
    No mínimo que fazes.
    Assim em cada lago a lua toda
    Brilha, porque alta vive.

    Ricardo Reis, 14-2-1933, heterônimo de Fernando Pessoa
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Somos todos Pedro

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É bastante improvável estar na Igreja São Pedro, situada na Avenida Cristóvão Colombo, em Porto Alegre, e não perder-se olhando para os três belos vitrais que estão no topo do seu altar. 

Naquela noite, enquanto eu ouvia as belas canções do coral, eu me perdi. 

Sempre que assumimos algum desafio, do menor ao maior, somos chamados a confiar no que Deus vai providenciar. Com Ele, não há escassez, nada falta. Vejam o belo exemplo da natureza neste início de inverno. Ando pelas ruas e vejo pés e mais pés do chamado limão-bergamota. Quem os cultiva, quase nunca dá conta da abundância da generosidade de suas árvores. Elas os fazem nascer e nos dão de graça. Os galhos pesam, muitos frutos caem e apodrecem. Não deve ser à toa que é na época do ano em que mais precisamos de sua vitamina que o limão nos é dado pela criação. Mas não damos conta, tal é a abundância.

Assim também é a relação com Deus daqueles que a Ele entregam seus projetos, e Nele confiam: tudo nos é dado em abundância. No primeiro vitral, o da esquerda, esta é a mensagem. Como nós, Pedro foi convidado a experimentar a abundância da graça de Deus. Seguiu a orientação de lançar a rede ao mar e surpreendeu-se com a pesca milagrosa quando aquele dia de trabalho já se dava como perdido. Nós podemos fazer o mesmo. Seguir a orientação e lançar a rede. Somos todos pescadores de homens. Somos todos Pedro.

Mas a abundância nos causa estranheza. Em um mundo do individualismo, da competição e do egoísmo, o pouco que temos, batalhamos muito para conquistar. Muitas vezes, invejamos ou tiramos do outro para ter o que queremos. Não reconhecemos a lógica da graça, mas aprendemos a viver apenas a lógica do capital, em que tudo é escasso e desumanizado. Pedro também estranhou e desconfiou da lógica da graça quando, caminhando sobre as águas, Jesus lhe concedeu que fizesse o mesmo. Pedro não confiou e afundou. Desesperado, pediu ajuda novamente. Pediu pela graça em que ele mesmo não acreditou. Não somos todos Pedro?

Somos todos Pedro também quando recebemos de Deus a chave para empreender, para criar neste mundo um mundo melhor para vivermos, para sermos protagonistas e não coadjuvantes. Se Pedro recebeu as chaves do céu, nós recebemos as chaves dos pequenos firmamentos a que somos chamados a construir em nossa famílias, entre os amigos, no trabalho, com quem mais precisa. Somos todos Pedro quando, ao escutar alguém, ligamos a terra e o céu. Somos todos Pedro quando, ao estender a mão, revelamos a um irmão um Deus que é misericordioso mesmo quando tudo parece perdido. Somos todos Pedro quando fazemos uso das chaves que nos foram dadas para abrir a possibilidade do céu para quem só vê a terra. 

Somos todos chamados a ser Pedro. Quando Deus nos oferece sua abundância, quando Deus nos pede confiança e quando Deus nos dá o poder de transfigurar a nossa realidade, criando experiências celestes neste plano.

Somos todos chamados a ser Pedro, mas só ele é São Pedro, o padroeiro, o primeiro papa, a pedra sobre a qual foi construído a nossa Igreja.

Neste triênio em que celebramos os 100 anos da Igreja São Pedro, somos todos convidados a sermos Pedro.

São Pedro, rogai por nós!

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Meus 15 meses

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O Gustavo é nosso afilhado, e há pouco completou seu primeiro ano de vida. Gosto de observar como ele percebe o mundo ao redor, o frescor de cada nova experiência, o sabor, as cores, o barulho, o cheiro e a textura de cada novo instante.

Mas antes de olharmos para o Gugu, olhemos para você. Divida a sua vida, tudo que você viveu até aqui, em 15 meses. Não em 15 ou 35 anos. Mas em 15 meses. Reúna todas as conquistas, alegrias, sofrimentos, descobertas, aprendizados e divida por 15. Que vida intensa, hem?

Pois esta pode ser a percepção do Gustavo sobre sua longa vida de 15 meses. Cada dia que vive é uma parcela considerável a ser acrescida aos outros cerca de 450 que se passaram. Um dia para você pode ser nada, pode ser um dia a mais. Para o Gustavo é quase uma vida.

Enquanto o levo no colo olhar as outras crianças ou a natureza, gosto de ir narrando o mundo. Falo dos amiguinhos, aponto os brinquedos, chamo a sua atenção para os detalhes. Neste sábado, fiz a experiência do silêncio, de apenas observar a sua contemplação. Porque nós, os adultos que já vivemos mais de 15 anos, gostamos muito de dar nome a todas as coisas. De classificar todas as coisas. De definir o que é legal, o que sujo, o que pode e o que não pode. Segundo nossas experiências e visão de mundo.

Preferi dar ao Gugu o direito de ver e não julgar. Ou de deixá-lo fazer o seu julgamento — que provavelmente, aos 15 meses, é um não-julgamento.

Perdemos muito da vida, ignoramos a graça que nos envolve porque nos apressamos em ver e julgar. Só reconhecemos o que conhecemos. É partir do que conhecemos vamos construindo nossas realidades, que são apenas percepções do que já vivemos.

Tenha você 15 ou 60 anos, permita-se ver, mas julgar menos. Se ninguém pode viver por você esta experiência, se as melhores escolhas para você é só você que faz, permita-se também viver o presente como se fosse o primeiro de seus dias.

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Missão ou omissão: como jogar bola sem pisar na grama?

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No dia de 20 de abril de 2017, eu recebi pessoas muito queridas (algumas pessoalmente e outras de forma digital) no auditório da Rádio Aliança para lançar oficialmente o livro O CLJ me enganou. Entre aqueles que eu havia convidado para me ajudar a transmitir a mensagem que o livro expressa, estavo Rodrigo Grecco, compositor de inúmeras canções marcantes no meio católico, e autor de uma em especial: Os Talentos.

Não que nos surpreendesse, mas o Grecco presenteou a todos com uma introdução profunda. Um misto entre a história da criação da canção e uma provocação ao desafio de todos na atualidade: fazer a diferença, transforma o mundo em que vivemos. Abro aspas:

A descoberta da nossa verdade precisa de enfrentamentos. Aquele Jesus que descobrimos no primeiro retiro vai ficar para o resto da vida? Não, ele só começa ali. Esse Jesus vai se transformando junto com a gente. Com os cabelos brancos que aparecem e com os que vão embora também. E a percepção destes enfrentamentos fez com que a canção “Os Talentos” fosse composta.

A gente percebe que, tanto no jovem de antigamente, como no jovem de hoje, a vontade de se esconder é muito grande. Até por causa de uma interpretação equivocada daquilo que Jesus veio dizer para nós. Confundimos a mensagem e achamos que não devemos dizer o que se é, o que se pensa, o que se sente, o que se faz e o que se quer da vida. Mas daí nós lemos os Evangelhos e Jesus é o oposto. Ele está sempre em movimento, ele só vai, só vai, e vai ao encontro das pessoas.

Existe uma expressão muito presente neste dilema: “aparecer-se”. Toda vez que um jovem pega um violão e vai falar na frente dos demais, sempre vai haver um que vai dizer: “Olha lá, tá querendo aparecer, ó.” O jovem vai trabalhar no CLJ. Mas vai trabalhar por quê? Porque quer “se aparecer”, dirão. É fácil pensar isso, é um pensamento bem jovem: as pessoas fazem as coisas porque elas querem exibir a si mesmas, querem “se aparecer”.

E se humildade quer dizer “desaparecer”, puxa vida: como a gente faz para jogar bola sem pisar na grama? Como a gente faz para cantar sem ninguém nos ouvir? Como a gente faz para falar de Jesus sem abrir a boca? Onde está o equívoco naquela dúvida que havia entre não fazer as coisas e fazê-las, na medida em que fazer significa querer “se aparecer”?

E daí vem esta canção, “Os Talentos”, como uma tentativa de buscar lá no Evangelho um motivo para não ficarmos tão passivos neste mundo. E se esta mensagem servia há 30 anos, em um mundo que já nos convidava a um sono eterno, a uma distração sem fim, se isso já era assim, o que se dirá de hoje? O jovem pode passar 30 dias assistindo Netflix, dormindo e acordando sem parar. Onde está o desafio? Talvez o desafio seja pisar na grama, talvez seja escrever um livro, talvez seja fazer uma canção, falar de um jeito que ninguém falou, ter um blog, um vlog, seja o que for que inventarem.

(Crédito da foto de Adriano Silveira)

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Há um rato na sala

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Era uma vez uma família.

Um dia, enquanto conversavam na sala, um berro, um grito agudo os interrompeu. “Que foi???”, a filha encarou a mãe. “Um rato!!!”, respondeu-lhe aquela senhora pálida, do alto de sua histeria e de sua cadeira. Acuado, o pequeno intruso congelou entre a estante e a caixa de som. Só os observava. Nem mesmo  se atrevia a mexer o rabo. Prendeu a respiração. Seis pares de olhos o observavam igualmente paralisados. “Tu vais esperar quantas horas, pai?”, questionou a filha adolescente, exigindo uma atitude. “Não!!!”, a mãe interrompeu a reação do pai, “e sujar a parede?!”. “Então o que vocês querem?”, revoltou-se o filho, pegando, do chão, um pé do tênis. “Deixem ele”, falou o pai, com toda sua autoridade de pai. O rato soltou o fôlego. “Essa noite, montarei uma ratoeira e amanhã cedo tudo estará acabado”. Satisfeitos, todos se desmobilizaram e o bichano desapareceu por baixo da TV.

Havia um rato naquela sala. Assustada, a família queria eliminá-lo dali. Agiram como todos agiriam. Afinal, o rato era o problema. A solução, portanto, era acabar com aquele roedor assustado e restabelecer a paz.

Ao menos até que outro rato aparecesse.

Só há ratos onde há restos de comida, onde há sujeira, onde há lixo exposto. Mas aquela família ignorou essas circunstâncias e depositou a atenção no intruso. É assim que a sociedade costuma agir com seus problemas estruturais. Em consequência, é assim que aprendemos a agir contra a epidemia da dependência química: ainda estamos tentando matar o rato que está na sala.

É preciso avançar. É preciso investigar o que o trouxe e o que o sustenta. Que testemunhos pai e mãe deram a seus filhos? Que comportamentos inadequados a família cultivava antes mesmo da droga chegar? Que maus hábitos são comuns até hoje? A família está disposta a mudar as suas atitudes se o dependente aceitar o tratamento? E quando ele voltar, como será? Em todo lar em que a droga faz um doente há inúmeras perguntas como essas sem resposta. E, lamentavelmente, há milhares de outras famílias, pobres, ricas, com ou sem vivência religiosa, em situação de risco. Mais cedo ou mais tarde, enfrentarão o mesmo drama.

O rato precisa ser eliminado? Claro que sim. Transitando pelas salas de nossos lares, ele pode atrair outros roedores e insetos e transmitir doenças até aos vizinhos. É preciso alertar a população para aos malefícios das substâncias químicas? Claro que sim. Mas isso é muito pouco. O fato é que em uma sociedade desestruturada, com valores superficiais e famílias desnorteadas, o vazio existencial surgirá e a droga será a alternativa de muitos, mesmo que saibam de seus males e de suas consequências.

Famílias, voltemos à cozinha! Vamos em busca do que não está certo, dos restos de comida, do lixo da omissão, dos maus hábitos e dos maus exemplos. Deve haver muita sujeira na despensa, deve haver filhos legislando, permissividade em excesso e falta do amor que ama, mas que não aceita o que está sendo feito de errado.

Há um rato na sala, sabemos que há. É preciso que reconheçamos que ele é só um sintoma inevitável de problemas muito mais graves.

(Artigo publicado em setembro de 2011, e parte integrante do livro “O CLJ me enganou”.)

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O meu presente para o mundo

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Estávamos em quase 30 homens sentados em roda naquela tarde nublada e de temperatura amena no CRIC – Centro de Recuperação Imaculada Conceição. 

— Vocês sabem que dia comemoramos ontem, dia seis de janeiro, em todas as igrejas cristãs do mundo? — perguntei.

— Dia de Reis, um residente sentado ao meu lado logo respondeu.

— Exato, o dia em que, guiados por uma estrela, os três reis magos encontraram o menino Jesus recém-nascido, ajoelharam-se, o adoraram e entregaram de presente ouro, incenso e mirra.

E o que aquilo teria a ver com a vida e o tratamento de cada um deles, e com a vida de cada um de nós? 

Antes, li para eles o trecho do segundo capítulo do evangelho de São Mateus, que narra a bonita cena.

Os reis haviam sido atraídos e conquistados por uma grande e brilhante estrela. Como os dependentes químicos que me ouviam. Derrotados pela droga, seguiram uma estrela que havia pousado sobre o CRIC, indicando que ali seria encontrado o Salvador, junto de sua mãe, Maria. Como nós. Uma estrela nos guiou até onde estamos, no caminho da verdade e da vida.

Em seguida, falamos sobre o desfecho da passagem. Sobre o momento em que os reis entregam ao menino seus presentes, aquilo que tinham de mais valioso.

— O que vou propor a vocês nesta tarde requer tanta coragem quanto a que foi necessária para seguir a estrela até esta Comunidade Terapêutica. Quero que pensem em seus dons, em seus talentos, naquilo que vocês sabem fazer, que gostam de fazer, que faz vibrar o coração, que faz aquecer o peito. Todos nós temos algo em nós do qual as circunstâncias precisam para ficarem mais completas. O mundo precisa para ser mais humano. Os irmãos precisam para serem mais inteiros.

E prossegui.

— Quero que pensem em um objeto que representa este dom, este talento, e que está aqui na Comunidade. Algo que vocês possam ir buscar e levar até a capela onde nos reencontraremos. 

E os liberei. Fui até o carro, peguei meu objeto e fui até à bela construção reservada às celebrações e orações. 

A capela do CRIC já passou por inúmeras reformas e transformações ao longo dos anos. Está mais bonita do que nunca. 

Quando cheguei, a maioria dos residentes já estava ali, sentados nos bancos, com seus objetos em mãos, muitos com a cabeça entre os joelhos, como se buscassem no fundo do peito um local mais silencioso, um pouco de paz. Em um dos primeiros bancos, sem que eu houvesse pedido, um deles tocava violão e cantava uma bonita canção. Deixei. Aquilo já era uma resposta ao que havia pedido a eles.

Em silêncio, acompanhei um a um deixar sobre o altar o seu presente para este mundo. Do mais lúdico aos mais prático.

Mais uma vez fiquei pensando no que sempre penso quando estou com eles: o que os diferenciava de mim e daqueles que não têm esta doença crônica. 

No fim de tudo, vai valer o mesmo para todos: o valor do presente que demos ao mundo.

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É bela a vida que se dá

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Somos todos diferentes. E embora sejamos únicos, há algo comum em nosso interior: a presença de Deus. Um Deus que quer se realizar neste mundo por meio de nós, usando nossa luz, dando sabor com o nosso sal.

E ser sal e luz do mundo é isso: gastar-nos sendo nós mesmos, atendendo ao chamado particular que Deus nos faz a cada dia. 

Gosto do exemplo simples da vela. Ela foi criada para iluminar. Sua cera a põe de pé com este único propósito. Quanto mais ilumina, mais morre. Quando mais morre, mais permite aos outros enxergar as maravilhas deste mundo. E isso não lhe dói; pelo contrário, a vela é um exemplo de plenitude: é feliz gastando-se em sua missão.

Somos chamados a ser vela. Mas não é fácil. Não é fácil ouvir o chamado no meio de tanto barulho, de tanta distração, de tanta efemeridade que nos é vendida como tesouro. Não é fácil identificar o chamado e assumi-lo em uma realidade em que o valor humano não é medido pelo coração. 

Como diz o Padre Fábio de Melo, “precisamos dilatar as consciências que temos acerca de nossas verdades. É assim que Deus ganha espaço em nós. Quanto mais conscientes do que somos, fazemos e podemos, muito mais próximos estaremos da realização para a qual fomos projetados”.

Você e eu fomos projetados para a felicidade. E a nossa felicidade reside no sutil e delicado ponto onde se encontram dois aspectos de nosso eu: aquele que nos realiza e aquele que deixa o mundo um pouco melhor.

Neste dia 13 de maio de 2017 completo 35 anos. Rogo a Deus que, com a intercessão de Nossa Senhora de Fátima, me dê saúde e inteireza para sempre me realizar em uma vida que é bela porque se dá.

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A morte do grão de trigo – parte 1

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Às vezes, fala-se do amor como se fosse um impulso para a satisfação própria, ou um simples recurso para completarmos em moldes egoístas a nossa personalidade. E não é assim: amor verdadeiro é sair de si mesmo, entregar-se. O amor traz consigo a alegria, mas é uma alegria com as raízes em forma de cruz.

Enquanto estivermos na terra e não tivermos chegado à plenitude da vida futura, não pode haver amor verdadeiro sem a experiência do sacrifício, da dor. Uma dor que se saboreia, que é amável, que é fonte de íntima alegria, mas que é dor real, porque supõe vencer o egoísmo e tomar o amor como regra de todas e cada uma de nossas ações.”

– São Josemaria Escrivá

 

Começo esta reflexão central contando que durante grande parte da minha juventude, a cruz, o símbolo máximo do cristianismo, não me chamava a atenção. Ela era importante, claro, mas tinha em torno de si um conceito tão fechado, uma ideia tão acabada, quase uma obviedade, que eu não me atrevia a questionar ou a avaliar a importância que ela tinha na minha vida. Ela era a cruz, com toda sua imponência, mas ainda fazia pouca diferença pra mim.

Até o retiro do meu CLJ, o 24º CLJ de Canoas.

Incrível a nitidez da lembrança daquele dia. Cantavam “Ninguém te ama como eu” em uma das capelas do Seminário Maior de Viamão, enquanto eu olhava para a cruz com um novo olhar. Com o rosto úmido pela emoção, eu buscava entender o que significava aquele gesto. Por que dizem que Ele morreu por mim? O que isso tem a ver com amor? O que eu fiz de tão grave para que alguém tenha que morrer? E que diferença fez isso tudo? O que aquilo mudava na minha vida aquele dia? A cruz era um objeto e o seu significado apenas uma teoria. Faltava a experiência humana da cruz.

A dúvida estava longe de ser um ceticismo. Era simplesmente um motivo para eu não parar de buscar. Saí daquela capela envolvido em um sentimento que a linguagem não alcança e que por isso nem me esforçarei em tentar reproduzi-lo aqui. Quem viveu sabe o que é o despertar espiritual de um CLJ.

O tempo foi passando, e ao longo do caminho, fui me aproximando da cruz. Mesmo que nunca tivesse conseguido recolocá-la em uma caixa, com seu significado pronto, sem saber, eu compreendia que a minha relação com ela se daria como em um processo. Um longo caminho de aproximação.

Minha memória me indica que comecei a compreender a morte de Jesus Cristo pelo amigo Eduardo Beilner. Quando um dia, em uma de suas palestras, ele falava sobre o amor. Não, não se referia à esposa nem aos gatos aquele dia. Estávamos em um contexto de grupo de jovens, no CLJ ou no Cenáculo de Maria. Lembro de tê-lo ouvido dizer o seguinte: que o amor não é afeto, que amor é atitude, é decisão, algo assim. E depois não sei mais se o que eu lembro é a continuação da palestra do Dudu ou a minha própria elaboração sobre tudo isso. Nunca mais parei de pensar sobre isso e de sentir este novo significado a cada dia.

O amor, portanto, é a chave que leva à compreensão da cruz.

Mas aí chegamos a um novo problema – e não menos complicado do que a incompreensão da cruz: a ignorância com relação ao amor.

Foi necessário que eu percorresse um novo caminho até que isso ficasse claro. Faltava a experiência humana do amor.

Em abril de 2010, participei do 140º Cenáculo de Maria do Vicariato de Canoas, e lá conheci a história de um dependente químico em recuperação, que fazia o retiro pela primeira vez. Este encontro mudaria para sempre a minha relação não só com a causa da dependência química, mas com o tal amor.

Depois daquele curso, me envolvi bastante com trabalhos voluntários associados à prevenção, tratamento e recuperação de dependentes químicos, e conheci um programa que apoia familiares de usuários de drogas, chamado Amor-Exigente. E isso mudaria para sempre a minha forma de ver o amor – e de ver a cruz.

O princípio básico do Amor-Exigente é que o amor entendido como romantismo, afeto, carinho ou desejo do outro, este amor não existe. O que existe é romantismo, afeto, carinho ou desejo do outro. São coisas diferentes. Não são o amor. Quem auxilia um usuário de drogas a vencer o vício e reviver precisa amá-lo de verdade. Precisa praticar com ele o mesmo amor que o Dudu já tinha conceituado lá atrás: aquele que é comportamento, compromisso, decisão, atitude. Quem tem um filho, precisa praticar o mesmo tipo de amor. Quem tem uma esposa, um esposo, namorado, mãe, pai. Todos nós somos convidados a praticar este amor.

Porque o amor de Deus e o amor vivido por Jesus aqui conosco foi exatamente este. Não lembro de passagens bíblicas em que Cristo pega alguém pela mão para fazer algo. Todas as histórias de milagre, de grande cura, de grande libertação são de pessoas que ouvem seu chamado e decidem caminhar. Deus tem por nós não um amor conivente, facilitador, mas um amor que constrói porque exige nosso melhor, nossa escolha e nossa persistência.

Mas não é fácil praticar esse amor verdadeiro sendo humano. É praticando este amor que um pai é capaz de dizer que ama o seu filho, mas não aceita o que ele faz de errado. É este amor que ama uma pessoa pelo que ela é e pode vir a ser, e não pelo que se quer que ela seja. É este amor que permite que o familiar viva as consequências de seus atos como aprendizado da vida. Não é assim que Deus nos trata também? Sua mão está sempre estendida, mas ela precisa do movimento – muitas vezes doloroso, incompreendido – de ir ao seu encontro.

Expliquei que entendi a cruz por meio do amor, mas que antes precisava entender o amor. E entendi. O amor verdadeiro é o que dá a vida para que o outro possa viver plenamente. Numa situação em que é necessária uma correção ao filho menor, o amor verdadeiro entra em cena e o repreende. O filho chora, mas o pai sabe que, embora o desleixo fosse mais fácil, a experiência de não se deixar manipular foi o mais correto a se fazer. Neste momento em que o pai sofreu, morreu um pouco pelo filho, ele praticou o amor. Morreu como o grão de trigo. E gerou vida.

E a cruz, afinal? Ela é o sinal máximo do exemplo que Jesus Cristo nos deu: foi até o fim, derramou até a última gota de sangue e morreu para nos mostrar que somente assim, morrendo por amor ao outro, é que vamos construir ambientes mais respeitosos, famílias mais saudáveis e relações de paz.

Por isso, Jesus nos salvou, afinal. Nos salvou porque nos deu a receita vital: se o grão de trigo cai na terra e não morre, nos disse ele em uma de suas parábolas, ele não produz frutos, não gera vida. E disse-nos ele em outro momento: façam isso em memória de mim.

Ele entregou seu corpo e seu sangue como prova de que dá certo. A Páscoa da Ressurreição é a prova máxima de que dá certo. É este o amor que modifica o comportamento de alguém. Um amor que faz morrer em nós o egoísmo e as relações individualistas. Um amor que nos faz reviver a trajetória da semente, que, alheia às suas razões, às suas vaidades, morre para que a vida possa brotar.

Este artigo é parte integrante do livro O CLJ me enganou. Para adquirir um exemplar da obra, clique aqui.

Juliano RigattiA morte do grão de trigo – parte 1
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Maria não é quem você pensa

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Bastaria à nossa fé o exemplo de entrega de Maria. De alguém que num belo dia recebe a visita de um anjo, que lhe informa que sua vida viraria do avesso, que ela seria levada a transgredir todas as normas morais da época e leis naturais da vida, que colocaria seu companheiro em maus lençóis, e que sua vida nunca mais seria a mesma – sem nem saber como seria esta outra vida; e ela prontamente se coloca à disposição. Entrega-se integralmente porque sabia quem fazia o convite e de onde vinha o chamado.

Só o desafio de trazer para nossa vida a força e desprendimento deste gesto já nos seria suficiente. Porque somos pessoas de muito pouca fé, como já nos jogou na cara o próprio Jesus. Confiamos, desde que saibamos onde estamos pisando. Acreditamos, desde que saibamos para onde estão nos levando. Arriscamos, desde que saibamos o tamanho do risco. Temos sempre nossas reservas, e enquanto as tivermos, enquanto elas forem a nossa segurança, nunca repetiremos o gesto de Maria, de quem se entregou voluntariamente aos planos de Deus. Lembram do jovem rico que foi conversar com Jesus? Ele contou que se considerava um homem exemplar, um sujeito correto, mas que não abria mão de suas riquezas, de suas reservas. Voltou triste, triste como era sua vida, mas não abriu mão do que lhe dava segurança.

Descobri, em um dos livros do Padre Haroldo Rahm, uma definição muito interessante para um modelo mental que alimentamos, muitas vezes, até o fim da vida, chamado habilidade de sobrevivência. Habilidades de sobrevivência são comportamentos que repetimos hoje porque em algum momento de nossa vida eles foram úteis para nossa sobrevivência. A timidez, por exemplo, pode ser uma habilidade de sobrevivência para aqueles que são inseguros com relação à sua personalidade, sua visão de mundo, suas opiniões. Geralmente, são pessoas que possuem uma forma especial de se expressar no mundo, diferentes da média dos demais. Podem possuir um talento desenvolvido, uma capacidade específica que se sobressai da maioria. E por isso se fecha, se exclui, se limita. Para sobreviver à crítica, ao olhar preconceituoso, à não aceitação. Porque todos queremos ser aceitos, participar dos grupos, viver em harmonia com os demais, ser acolhidos e queridos. E quando isso se põe em risco, acionamos uma habilidade de sobrevivência.

Jesus pode um dia, num retiro de CLJ, numa confissão, chamar este jovem tímido e dizer-lhe: sei que fazes o que é bom, sei que buscas a verdade, sei que honras teus pais, chegou a hora de confiar no amor infinito que Deus tem por ti, no amor daquele que te deu as capacidades especiais que tens, e viver a vida plenamente, porque foi para isto que foste criado. Ao ouvir tais palavras, o jovem vê-se em estado de perigo, o perigo do desconhecido, aciona sua habilidade de sobrevivência e, entristecido, sabota seu potencial mais uma vez e vai embora. Quem se apega ao conhecido, nunca conhecerá o desconhecido.

Certamente, Maria sentiu medo. Mas havia entre ela e Deus uma relação de intimidade tão bem desenvolvida que ela sabia que seus pensamentos e suas emoções não podiam impedi-la de viver plenamente a vida que Deus havia preparado. Teve fé.

Só este olhar sobre Maria já nos serviria como uma lição vital. O seu exemplo de entrega já seria o bastante para nossa condição de homens e mulheres sem fé.

Mas Maria é mais.

Comecei minha relação mais íntima com Deus indo às missas da igreja Nossa Senhora das Graças, em Canoas, da qual meus pais participam até hoje. E este título de Maria, com suas mãos sempre estendidas aos fiéis, revela a outra faceta de Maria à qual quero me referir: de alguém que intercede, que apoia, que ouve, que acolhe.

Em cada canto deste país, das maiores cidades até aquelas onde mora uma pequena porção de pessoas, é muito comum haver uma devoção especial a algum título de Maria, entre todos aqueles que sabemos que existem. São peregrinações, procissões, novenas e promessas em torno de imagens de Maria com seu gesto que manifesta prontidão. E o que há de mais comum entre todas estas devoções é exatamente o que, desde guri, identifiquei em Nossa Senhora das Graças: a sua imagem feminina de mãe, que recebe, que protege, que põe no colo. Para muitos de nós, Maria é esta dimensão de acolhimento da Igreja ou mesmo da relação direta com o sagrado. E todos precisamos de repouso, de um calor que consola, de um refúgio seguro para aqueles momentos em que a noite oprime e a espera pelo outro dia amedronta.

Mas, como disse no título deste texto, Maria não é quem você pensa que ela é. Não é só isso. Não é só alguém que, humana como nós, nos deu o maior exemplo de fé; nem só a figura materna que nos embala e protege sob seu manto sagrado. Maria é muito mais.

Se observarmos bem, durante todas as passagens bíblicas que a citam, fica claro que Maria tinha por Jesus Cristo, e tem por cada um de nós, um tipo de amor muito diferente do que aquele a que estamos acostumados a conviver em nossas relações. Gosto de olhar para o comportamento de Maria ao longo de toda subida de seu filho ao local da crucificação, e deixar vir à mente cenas do filme A Paixão de Cristo, de Mel Gibson. O papel que ela cumpre ali pode nos fazer olhar para o modelo de mãe que ela construiu desde o dia em que o filho se perde no templo, desde o dia da festa de casamento em que o vinho acabou.

Maria é um modelo de amor verdadeiro. De um amor que, por mais que sinta vontade, não impede o filho de fazer suas escolhas; que, por mais que deseje, nunca percorre o caminho pelo filho; que, por mais que sofra, nunca permite que o seu sofrimento seja razão para que o filho não aprenda as duras lições da vida.

Em entrevista na Rádio Aliança durante um tempo pascal, o Padre Eduardo Delazeri disse conhecer as três maiores dores do ser humano, que segundo ele são a traição, a ingratidão e a injustiça. “Não há nada que doa mais. Doem muito mais que uma fratura exposta de um osso nosso; e digo isso porque eu já tive uma fratura exposta, e também já fui traído, já fui injustiçado e já foram ingratos comigo”, contou ele. Maria, em sua sabedoria, sabia que seu filho sofreria, antes de morrer, as maiores dores que um filho pode experimentar na vida. E não impediu que isso acontecesse. Maria viu Jesus ser condenado à morte injustamente; viu a ingratidão de seu povo com ele; e viu a traição de Judas, e a negação de Pedro. Volto ao filme para lembrarmos da expressão de Maria vendo seu filho ser julgado e condenado pelo povo, vendo seu filho ser açoitado, cair com o peso da cruz, completar a subida e ser morto, e morte de cruz.

Não me refiro aqui a um amor omisso, descomprometido, negligente. Mas a um amor silencioso. Maria sofreu e silenciou. E em seu silêncio nos faz pensar, como diz a bela e inesquecível canção “Prece universal à Maria”, do Padre Júlio Gotardo.

Somos muito apegados às coisas e especialmente às pessoas que amamos. Quando alguém morre, dizemos que perdemos alguém. Mas isso não pode justificar em nós um comportamento que atrapalhe a experiência de vida de quem amamos.

Maria sabia que sofrimento era o que Jesus havia de passar. Sabia que, por mais que sofresse, não caberia a ela fazer qualquer tipo de intervenção. Ou queríamos nós que Maria tivesse impedido o calvário de seu filho? Que história de vitória da morte sobre a vida teríamos para contar?

Maria sabia que classificar o sofrimento como negativo, e a alegria como positiva, é uma limitação de nosso tempo. Na floresta virgem, onde tudo parece caótico ao olhar do homem da cidade, a vida muitas vezes nasce de uma matéria putrefata, podre, em decomposição. Temos uma lógica do funcionamento da vida bastante peculiar, cultural e restrita ao nosso tempo e espaço. A dor, o sofrimento, a morte são indefectíveis, inevitáveis, pessoais e intransferíveis. Como o sorriso, a alegria e a vida.

Portanto, Maria é mais do que você pensa. Ela é entrega e é acolhimento, mas é ensinamento do verdadeiro amor. Aquele que permite a você fazer suas escolhas, carregar suas cruzes, cair seus tombos e morrer suas mortes. Sem impedi-lo. Para vê-lo mais lúcido no momento das escolhas; mais forte no momento das cruzes; mais resiliente nos tombos, e mais consciente nas grandes perdas. O Calvário nos ensinará a viver, como diz outra bela canção, “Coração de mãe”, da cantora Mariani.

Primeiro foi Deus que nos amou desta forma. Deu-nos a vida, com seus momentos doces e amargos, e nos convidou a vivê-la plenamente. Depois, quando precisou estar mais próximo de nós, pediu que Maria, gente como a gente, nos deixasse esta grande lição.

 

(Neste momento, como oração, sugiro que você ouça a canção “Prece universal à Maria”. Depois, assista ao clipe “Coração de mãe” e, na sequência, reze uma Ave-Maria, como forma de acolher da Mãe os seus maiores dons: a entrega, o carinho e o amor. Shalom!)


Este artigo é parte integrante do livro O CLJ me enganou. Para adquirir um exemplar da obra, clique aqui.

Juliano RigattiMaria não é quem você pensa
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