… desse Brasil que canta e é feliz, feliz, feliz

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Uma vez, tempão atrás, já trouxe aqui uma repreensão que me deram na infância e que serve muito bem para explicar algumas coisas que acontecem hoje no Brasil.

Eu tinha o hábito de guardar potes e coisas no armário do alto da cozinha de casa e de fechar a porta sem ter bem certeza se estavam todos os objetos bem, digamos, acomodados. Fui, inúmeras vezes, repreendido por isso. Pro caso de evitar que todos, potes e coisas, viessem abaixo quando o próximo morador da casa resolvesse abrir a porta do armário.

O simples gesto recomendado acima traz à luz dois ensinamentos. O primeiro diz que não podemos fazer as coisas de qualquer jeito, principalmente quiando se trata de educação infantil. Empilhar projetos, iniciativas e ações sem ter a certeza de que eles serão bem conduzidos e que farão bem para o país. É preciso ter a certeza que a grana investida não será transformada em dívida e lamentos que cairão, mais tarde, do alto do armário bagunçado, quando o próximo ano chegar. A segunda lição é que não se pode pensar, estando num país continental e com tanta diversidade como o nosso, com os olhos só no hoje e no amanhã de manhã – como estamos cansados de ver. Empurrar um programa social pra dentro do armário só porque ele precisa estar ali é garantia de que, mais cedo ou mais tarde, quando forem examinar o conteúdo do móvel, ele vai voltar direto na cabeça de alguém.

Lembrei disso enquanto lia, esses dias, reportagens sobre a educação infantil brasileira. A primeira delas (Veja, edição de maio de 2007) tratava do projeto-piloto que está sendo desenvolvido em cinco escolas brasileiras, uma delas no Rio Grande do Sul, para implantar laptops nas salas de aula de escolas das comunidades mais pobres. Segundo o programa – embrionário inclusive em outros países em desenvolvimento –, acredita-se que crianças de famílias de baixa renda ganhem uma ferramenta para descobrir novos horizontes na escola e em casa. Como bem diz a matéria, estamos falando de um modelo de escola congelada no tempo desde o século XIX. O laptop não poderá substituir o papel do professor, e este é, em média, mal remunerado e mal preparado. Como fazer com que ele entenda que o computador portátil ensinará, mas não educará? Lembra a matéria que laboratórios em outras escolas brasileiras servem de depósito para computadores empoeirados que não são usados porque nem mesmo os prórprios professores sabem operá-los. O projeto também prevê que os estudantes levem seus computadores para casa, a fim de ampliar o tempo de estudo e de convivência com a nova tecnologia. Mais um problema: quantos chegarão em casa ou voltarão à escola sem os equipamentos? Enquanto uns trocarão por drogas, outros terão sido roubados no trajeto que fazem até em casa utilizando o transporte público e experimentando a ineficaz segurança de nossas ruas. Fica a nítida impressão de que estão ignorando a bagunça lá dentro do armário e tentando enfiar mais um potão. Bonito e robusto. Tela de cristal líquido, gigas e gigas de memória. Só que completamente inapropriado e inadequado ao contexto que conhecemos.

O jornal portoalegrense Zero Hora, de 21 de maio, traz reportagem especial sobre um projeto do governo federal que cogita estabelecer pagamento a famílias de alunos que passarem de ano. “A proposta”, diz a matéria, “em estudo no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, deve beneficiar estudantes pobres de 5ª a 8ª série contemplados pelo programa Bolsa-Família. Eles receberiam no mínimo R$ 204 ao final do ano letivo (o valor ainda não está definido). Trata-se de uma tentativa de evitar a evasão, um dos pesadelos do sistema educacional brasileiro.” Completo absurdo. Primeiro porque iniciaria só o que falta nesse país: a cartilha da corrupção. Crianças aprenderiam desde cedo como trocar boas atitudes por dinheiro. Nasceriam prontos para a vida real nesse Brasil sem moral e ética. Outro, porque o dinheiro acabaria, logo, logo, sendo rachado entre aluno e professor que faria de tudo para levar uma beira nessa história toda. E o mais grave, na minha opinião: o sistema educacional brasileiro chancelaria a mais errada das premissas do ensino: estudar pela nota. Tendo apenas o passar de ano como obejtivo, a fim de angariar uns trocados – valiosos para famílias de baixa renda, digamos de passagem – os alunos pouco se preocupariam com o aprender.

Dois exemplos de como não fazer educação infantil. Um deles vem de fora, completamente desproporcional à nossa realidade, e o outro, ah, esse é bem brasileiro. Ambos, uma profunda burrice de quem freqüenta Brasília só para lanchar.

Juliano Rigatti… desse Brasil que canta e é feliz, feliz, feliz

4 comments

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  • Ana Paula Rigatti Scherer - 23 de maio de 2007 reply

    Olha Juliano, tu te superaste neste texto. Vou imprimí-lo e dar para minhas colegas lerem. Depois digo que o texto é teu. Muito boas as tuas analogias!!

    Um abraço

  • Paulo Vicente Reinehr - 23 de maio de 2007 reply

    Cada vez melhor, em amigão!!!!!!

    Um grande abraço

  • Jac - 23 de maio de 2007 reply

    Pra lanchar e outras cositas mas..
    sobre educação e todo o resto, o maior erro sempre são essas ações que não modificam posturas e culturas e não passam de atitudes paliativas que não engrandecem em nada o país.. enfim, beijo

  • Marla Gass - 24 de maio de 2007 reply

    Bah, Ju, texto perfeito. O armário Brasil não agüenta mais PACs, PEDs e outros potes com nomes estranhos…

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