Dígrafo

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Vou explicar a razão desse título. Vou chegar lá. Antes, boas novas sobre o Bento.

Seguinte: a novidade agora é que o meu sobrinho-guri, o Bento, já se comunica com o mundo plenamente. Como, se ele está dentro da barriga da minha irmã? Movimentando-se, oras. Não que ele não fizesse isso antes. Mas é que antes a sutileza dos seus movimentos não podiam ser percebidos e, além do que, a sua minúscula dignidade ainda era ferida quando o confundiam com, vejam só: um flato. Isso, o esticar e encolher de pernas e braços do meu sobrinho era entendido como um pum. Lamentável.

O fato é que os famosos soquinhos e ponta-pés são a forma primeira de comunicação de um ser como o mundo que o aguarda atrás do líquido amniótico. Não é querer puxar a brasa pro meu assado, mas o meu sobrinho, o Bento, já é um comunicador. Como o tio.

Com unhas, bexiga, pulmões e outros tantos órgãos vigorosos, o que realmente importa é que o Bento já se diverte saudável no ventre macio da minha irmã.

Com cerca de vinte e oito semanas de existência, o Bento – Bento dezessete, para os mais devotos – já passou há tempos, portanto, da metade da sua vida fetal. Ensaiando movimentos respiratórios intra-uterinos, o meu sobrinho-guri já toma fôlego para adentrar este mundo.

Antes de dizer o que realmente me chama a atenção nesta fase da vida do Bento, quero falar do tempo. O que será este senhor, o tempo, para o nosso pequeno Bento? O que deve representar o período de um dia para quem só viveu, desde a fecundação, pouco mais de 220 deles?

Lembro da minha infância. Lembro como eram duradouros os dias, as semanas de prova, os bimestres de aula, os anos letivos, os meses de férias. Antes de entrar na sala de aula, de manhã cedo, perfilávamos no pátio do colégio e eu ficava olhando para as carreiras dos mais velhos. Para os caras da oitava série. O último era sempre um gigante desengonçado, calças pelas canelas e tênis de jogador de basquete. E como eram velhos, meu Deus! Tinha a nítida impressão de que aquela idade não chegaria tão cedo pra mim. E quando chegasse, eu ainda seria apenas um guri, despreparado, inexperiente, imaturo. Verde.

Pois para o Bento, este senhor, o tempo, deve ser ainda mais desconhecido. Mais remoto.

E enquanto o guri se entretém para passar o tempo, sem saber, amadurece algo em seu sensível corpo que será de fundamental importância quando ele chegar, por exemplo, na minha idade: a sua valiosa massa encefálica. O Bento já percebe a luz, os movimentos, os sons, as palavras, sem saber o que dizem, mas sabendo o quanto significam. Percebe as sensações, os medos, as alegrias, as preocupações.

Mas não o faz sozinho. E é aqui que quero chegar. Taqui porque esse texto chama-se dígrafo.

Parênteses.

Sabem dígrafo? Eu também não lembrava até pouco tempo. São os grupo de duas letras para representar um único som. No português são dígrafos: ch, lh, nh, rr, ss, sc, sç, xc. Etcetera e tals.

Portanto. Com minha irmã, mamãe de primeira viagem, o Bento forma o mais importante dígrafo da espécie humana. Não, minha irmã, não é mais a união de érres o dígrafo mais importante da tua vida.

Outro parênteses.

Minha irmã é fonoaudióloga e no trabalho de graduação e na tese de mestrado estudou as variações dos érres em crianças descendentes de imigrantes. Sabem o érre do pessoal do interior? Som de érre com dois érres e com um érre. Essas coisas. Mas claro que os trabalhos da minha irmã vão bem mais a fundo nisso. São premiados, inclusive, viraram artigos. Bem chique.

O que cá estou tentando demonstrar a vocês é que nem o éle-agá, o ésse-cê, o êne-agá ou o ésse-ésse são páreos para o dígrafo ao qual me refiro neste texto.

Tou pra dizer pra vocês que a importância deste dígrafo formado pela união destes dois seres diferentes, mãe e filho em gestação, que pensam e sentem juntos, que compartilham o mesmo ar e a mesma alimentação, beira o primordial, o basilar, o vital.

E vou provar porquê.

Conversei sobre o tal dígrafo com a Carmen Guerreiro Alves, médica formada pela Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas, de Porto Alegre, em 1979, e especializada em Pediatria, Homeopatia  e Psicoterapia Analítica de linha Humanista. Ela me trouxe novidades reveladoras.

A Carmem foi também coordenadora do Ambulatório Geral do Hospital Sanatório Partenon, atualmente vinculada ao SAT (Serviço de Atenção Terapêutica) do mesmo hospital, atendendo gestantes e bebês na prevenção da transmissão vertical do HIV. Coordena grupos de gestantes e mulheres que deram à luz há pouco tempo portadoras de HIV. Desenvolve na Clínica Libertar trabalhos de orientação sobre qualidade de vida, unindo técnicas orientais com medicina tradicional.

Vou postar aqui na Uzina em duas partes. Uma hoje e outra na semana que vem. Assim, em fascículos colecionáveis. Legal, né?

Hoje: O vínculo afetivo bebê-mamãe: por que essa relação é fundamental?

Semana que vem: A audição e a visão: o bebê usa mesmo esses sentidos no útero?

***

O vínculo afetivo bebê-mamãe: por que essa relação é fundamental?

A raiz da personalidade

Carmem: o vínculo mãe e bebê  tem sido considerado como a raiz da personalidade. Inúmeros estudos efetuados por John Bowlby e Mary Ainsworth nos anos 60 e 70, confirmam que os níveis de vínculo irão de alguma forma influenciar a integração social do ser, dependendo do apego desenvolvido na relação mãe-bebê.

Segundo as teorias do Psicanalista Bowlby há dois tipos de apego: o seguro e o inseguro, o qual é dividido em quatro subgrupos: ambivalente, esquivo, resistente e desorganizado.

Problema de caráter

Carmem: Bowlby refere que é essencial para a saúde mental que o bebê possa experimentar uma relação contínua, cálida e íntima com sua mãe ou, posteriormente, em casos de adoção, com a substituta materna permanente, na qual ambos possam encontrar satisfação. Muitos tipos de problemas psíquicos e de caráter podem ser atribuídos tanto à falta de cuidados maternos quanto à descontinuidade nessa relação.

Um adulto capaz de amar

Carmem: A teoria do vínculo afetivo entende o crescimento de uma criança como resultado da relação que ela mantém com os pais, mas em especial com sua mãe. O apego é uma necessidade  primária e vital. Um bebê que se sente protegido, amparado, tranquilo terá muito mais chance de se tornar um adulto seguro de si, capaz de amar e sentir-se amado. Pesquisas mostram que crianças seguras em relação aos pais choram menos e são mais persistentes na exploração do ambiente. Já as inseguras são mais submissas ou agressivas.

As primeiras referências do mundo

Carmem: Portanto, é de suma importância o estado emocional da mãe tanto durante a gestação, como após ela. Pois é a partir da mãe que os primeiros referenciais do bebê virão a ser construídos por meio do vínculo e na manutenção posterior deste. A proximidade real com a mãe, com o corpo dela propicia intimidade e consequentemente segurança no período imediato ao nascimento. Na gestação, tristezas, choros, raivas e sentimentos de natureza negativa influenciarão diretamente o bebê, pois a produção dos hormônios do medo e da raiva estarão presentes na corrente sanguínea, seguindo através da placenta diretamente para o bebê.

Um útero rígido, escuro e frio

Carmem: Quando a gestante entra em stress, as glândulas adrenais passam a produzir e liberar os hormônios do estresse (adrenalina e cortisol), que aceleram o batimento cardíaco tanto da mãe quanto do feto, dilatam as pupilas, aumentam a sudorese e os níveis de açúcar no sangue, reduzem a digestão, contraem o baço (que expulsa mais hemácias para a circulação sangüínea, o que amplia a oxigenação dos tecidos) e causa imunodepressão (redução das defesas do organismo). A função dessa resposta fisiológica vinculada tanto ao medo quanto a raiva serve para preparar o organismo para a ação, que pode ser de “luta” ou “fuga”, mas para o feto isso tem repercussão direta, a medida que esse útero que o abriga torna-se rígido, escuro e muito frio, representando então uma ameaça real para o pequeno ser que ali vive.

Juliano RigattiDígrafo

7 comments

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  • Jacqueline - 22 de janeiro de 2009 reply

    ai.. quando eu tiver mais tempo eu leio!!

    não vais contar o que mais a Carmem é? heheh

    Ju.. teu texto tá ótimo, até onde li, mas está bem nariz de cera hehehe

  • Marla Gass - 27 de janeiro de 2009 reply

    Pio, narigããão de cera! hahahaha
    Mas está adorável! Muito úteis as informações da Dra. Carmem. Vou mandar teu texto para todas a minhas amigas que estão grávidas!
    Bjuuuu

  • Dígrafo - parte 2 « Uzina - 6 de fevereiro de 2009 reply

    […] O autor ← Dígrafo […]

  • Kelly - 3 de março de 2009 reply

    Eu quero saber oque são digrafos e nao oque os digrafos faz entedeu?
    BjÔs

  • Kelly - 3 de março de 2009 reply

    Jacqueline como consegue deixar uma foto sua no comentario?
    Se voce tivé msn me add aí: querengava@hotmail.com

  • ma rina - 16 de abril de 2010 reply

    jjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjchnbnbbbgbvvfvvvv

  • Fabiana - 18 de julho de 2010 reply

    cara isso e loco

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