Dupla personalidade

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O mais divertido que me vem sobre assunto que resolvi escrever, é um quadro do Chaves, aquele seriado mexicano, transmitido pelo sbt. A cena que ele resolve vender churros e fica chateado com a baixa clientela. Parado em frente à aquela porta de madeira, com seu inconfundível traje verde, chapéu de orelhas e suspensório, resolve apelar. Faz, ao mesmo tempo, o papel do vendedor e do comprador. Engrossa a voz quando fala o preço e a normaliza quando está, do lado de cá, comprando. O Chavinho resolvia, com a piada, dois problemas: a falta de interessados pelo churros e a sua fome, fiel companheira de todos os episódios. Humor inocente e competentíssimo. Inesquecível.

Mais tarde, na minha adolescência, lembro de ter lido um livro de Sidney Sheldon que tratava do disturbio de personalidade, da dupla personalidade. Era uma mulher que levava duas vidas completamente distintas, mas que era a mesma pessoa. O livro não revelou isso durante boa parte das páginas. Tratou-a como dois personagens. A surpresa é grande quando o leitor descobre a trama e ainda mais quando se dá conta que a doença existe e nos atinge.

Mais tarde ainda, um dias desses aí, o filme Amigo Oculto me impressionou. Principalmente por colocar o simpático Robin Williams num papel de protagonista do terror psicológico que se desenrola. O tema de dupla personalidade é novamente posto em cena e, novamente, surpreende a muitos pela sua gravidade e, de novo, por ser uma doença real.

Pois não é que a nossa imprensa sofre agora desse mal? Isso, a imprensa gaúcha sofre do distúrbio de dupla personalidade.

Foi tema recente das rodas de discussão de jornalistas e gente da mídia o fenômeno do fanatismo que rondou as ruas de Porto Alegre por ocasião da final da Libertadores, entre Grêmio e Boca Juniors. Todos se mostraram perplexos e preocupados com tamanho grau de insanidade de alguns torcedores, gremistas e colorados, quando o assunto é futebol. Disseram que a cidade corre um sério risco, que as pessoas de bem estão começando a ficar assustadas e, temerosas, evitam levar seus filhos a locais de concentração de torcedores. É mesmo, concordo, um exagero alguns fatos recentes de violência, de selvageria, de arruaça.

No mesmo grau que todos estes homens e mulheres, produtores da notícia, também estou completamente perplexo. Mas com outro fenômeno: o da dupla personalidade da imprensa. Para conquistar os ricos anunciantes, a mídia transforma o futebol no evento central da vida de qualquer cidadão, sendo ele torcedor ou não. E tem força pra isso, todos sabemos.

Ela mesma, a mídia, agenda nossas vidas todos os dias. Jornal do Almoço é hora de almoçar. Jornal Nacional é hora de jantar. Bom-dia Brasil é hora de se mandar.

Esta mesma mídia que produziu a semana da final da Libertadores como sendo o centro nervoso das nossas agendas, agora está boquiaberta. Como se armasse o circo, pusesse os atores em cena, cachorrinhos, micos adestrados, chamasse o público para o maior espetáculo da terra e quando todos estivessem às gargalhadas lá dentro, saisse pra rua e distribuisse críticas à pouca vergonha que se passa lá dentro, no circo.

Querem nos enlouquecer. Não, só pode.

Juliano RigattiDupla personalidade

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  • Luis Carlos - 29 de junho de 2007 reply

    Na hora do gol, as pessoas se abraçam como se fossem amigos íntimos e logo mais retornam a forma de pedra como se fossem gárgulas nos solais, inertes e frios.
    Mas como dizia Alphonse Karr: Todo homem tem três personalidades: a que exibe, a que possui e a que julga possuir. A notícia é cria personalidades e os novos reis: O Rei morreu. Longa vida ao novo Rei.

  • Pietra - 29 de junho de 2007 reply

    Controle mental. Praticamente isso. Concordo com o que George Orwell escreveu em “1984”. O mundo vai chegar a ter uma Polícia do Pensamento e um Grande Irmão – e já tem! Ou como numa música do Jack Johnson: “fact and fiction work as a team”. Nem dê bola, diriam alguns, são todos da Globo. ^^
    Abraços.

  • Ana Paula Rigatti Scherer - 30 de junho de 2007 reply

    Sempre penso no apelo da publicidade televisiva: de um lado vc tem que beber COCA-COLA, de outro, ser a Gisele Bünchen! De que jeito, com tanta celulite provocada pelo refrigerante?

    Só com dupla personalidade também: uma que ama coca-cola e outra que compra diet shake. Com certeza as duas não conseguiriam viver juntas… E viva a mídia!

  • Celso - 1 de julho de 2007 reply

    Acertou Juliano! Há muito nos manipulam; poderiam, ao menos, ser mais sutis…..

  • willian - 18 de abril de 2012 reply

    O filme Amigo Oculto é protagonizado por Robert de Niro.

  • Marcos Augusto Alves - 10 de janeiro de 2016 reply

    O filme amigo oculto e com o ator Robert de Niro como ator principal e não com Robin Williams. A matéria está ótima.

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