Especial Copa do Mundo: O fogo e o pássaro.

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Não sei bem se isso tem relação direta com a Copa do Mundo para merecer estar nesse Especial. Mas tem a ver com a vida e como esta nossa vida só vale existir nesses últimos dias porque é testemunha do maior e mais importante fato futebolístico, creio que sim, este texto tem a ver com a Copa.

Domingo, meio-dia. 25 de junho de 2006. Esperávamos, em família, com ansiedade, pelo jogo da Seleção que começaria às 13h. Até então, o noticiário da tevê, da rádio, do jornal e da internet esforçavam-se para não deixar passar nenhum detalhe despercebido. A escalação, o humor de um jogador, o estado físico de outro e o passe do goleiro que acabara de ser valorizado em alguns zeros. Nas ruas, o ufanismo tomava conta. Também nas empresas, supermercados e qualquer outro ambiente que não quisesse ser considerado alienado. Respirávamos o ar verde-amarelo tremulado pelas bandeirolas. O cenário das ruas dava espaço ainda para as cornetas, camisetas e propagandas canarinho.

Meu pai fazia o fogo na churrasqueira enquanto eu tentava sintonizar o canal da Copa na tevê que viera da cozinha exclusivamente para o maior evento da semana, Brasil e Japão. Estávamos classificados. Mas ái de quem esboçasse uma só reação contrária à importância vital daquela partida. Era como se a existência do orgulho de cada brasileiro pelo seu país estivesse plugada na telinha. A mínima desatenção poria em risco o motivo maior de termos um dia nascido nesta terra. Sim, concordo, parece exagero.

Imagem mais ou menos limpa, som sem ruídos, fui dar uma conferida na churrasqueira. As labaredas que balançavam ali chamaram minha atenção. Senti calor em parte do rosto e as cores quentes distraíram minha visão por segundos. Natural. Senti o natural existindo ali, a poucos centímetros das mãos que agora estavam estendidas. Como se aquilo que existia dentro da churrasqueira submetesse todas as outras tentativas de ser vida, de ser realidade. Qualquer uma. O grito daquele senhor na televisão, o jornal aberto no chão, o rádio sintonizado na Alemanha. A vida real estava ali, dentro da churrasqueira. Sem pilha, sem energia elétrica. Só existia. Assim, simples e inexplicável ao mesmo tempo. Pedaços de lenha, carvão e fogo. Vivo. Vivo como se protegesse uma essência. De algo fora dali, transformado pelo sintético, pelo artificial.

Virei e a poucos metros, na rua, num prato sem flor cheio d’água, divertia-se um pardal batendo asas e molhando grande parte da calçada ao seu redor. Olhava pra nós todos na garagem e continuava a bater asas. Faceiro. Até que voou. Muito provavelmente, indiferente com o outro espetáculo que começaria em minutos naquela tela de luz colorida, ao redor da qual estávamos reunidos, admirados.

Os dois, o fogo e o pássaro, contrastavam com o todo o resto. Todo o resto armado pra dar significado aos minutos e horas que viriam em seguida. Pra mim, o fogo, primeiro, e o pássaro, depois, fizeram claro como o dia uma sensação que tentou se explicar ao longo de todo esse texto, mas que ficou morando naquele dia, dentro da churrasqueira e, molhada, no pote onde o pássaro se divertiu.

Juliano RigattiEspecial Copa do Mundo: O fogo e o pássaro.

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  • Jac Oliveira - 2 de julho de 2006 reply

    Vida.

    Essa foi a tua sensação. Acertei?

    Juliano, tive a sensação de que tu me contavas esse episódio ao vivo agora, na minha frente. Tua cara esse texto. Tua cara.

    bjoss!–>

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