Espelho meu: a Ana

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Para chegar no nome do próximo entrevistado, a Uzina sempre se utiliza de um princípio bem jornalístico: ser notícia. Ou seja, sempre acontece alguma coisa significativa que me levou a praticamente despir alguém na frente de todos, por meio de uma longa sessão de interrogatório. O argumento de que “é notícia” perde força porque, diriam alguns, a vida dos entrevistados não interessam para um graaaande número de pessoas. Oquei. Mas interessa aos convivas do entrevistado e para os – pasmem! – vinte e dois leitores da Uzina (segundo levantamento feito há poucos dias na comunidade “Eu leio a Uzina” do site de relacionamento Orkut e contabilizado até às 21h02 do dia três de agosto). Isso justifica.

Well (vejam o curso de inglês trazendo resultados!), digamos que neste caso a notícia da vez é que a minha irmã agora é doutora! Não, não. Não formou-se em medicina nem passou na prova da OAB. Recebeu pela PUC-RS o título de doutora em Letras.

O fato merece comemoração e a minha irmã merece os méritos. Pelo esforço, pelas virtudes, pela simplicidade. E falando neste último, nada melhor do que fazer o registro do feito aqui, na Uzina, local este que há coisa de um mês orgulhava-se por ostentar a marca de três assíduos leitores.

Boa leitura!

***

O Irmão Elvo Clemente sorriu naquela manhã.

Digo isso porque o cenário montado ao acaso para a apresentação da defesa da tese de doutorado da minha irmã explicaria mais tarde a singularidade daquela manhã. Os resultados encontrados na pesquisa não mereceriam ser especiais somente para a minha irmã, para nossa família, para o curso de letras, para os envolvidos no trabalho e para a área de pesquisa, deveria significar muito para toda a educação brasileira.

O Cenário

O Cenário

O conteúdo dos slides que se seguiriam estavam antecedidos pela foto ampliada da minha priminha Julia, de Luzerna, Santa Catarina. Roupa de dormir, braços escorados na escrivaninha, a Julia parecia empenhada em alguma tarefa escolar num desses cadernos pequenos de capa mole, com desenhinhos na capa. O sorriso da Julia para a máquina fotográfica dava indícios de que, primeiro, aprender é uma tarefa que precisa ser feita com alegria, com satisfação e, segundo, de que aquela pesquisa carregava consigo uma dose de emoção e entrega que a diferenciaria.

Quando as cortinas de persianas da sala onde estávamos taparam o sol que aparecia pela primeira vez depois de dois dias de chuvas contínuas em Porto Alegre, a quarta avaliadora da banca tomou a palavra. Mostrou-nos o sol, fez-nos rir e espremer os lábios de emoção algumas vezes. Falou bonito enquanto elogiou a tese e a Ana. E fez mais. Chamou a nossa atenção para o fato de que o sorriso da Julia não estava ali sozinho, na projeção de luz da tela branca. Em um quadro nem grande nem pequeno, suspenso na parede bege, lá estava ele, o sorriso espontâneo do Irmão Elvo Clemente. O mesmo que há 20 anos havia desafiado o curso de Letras da PUC a também preocupar-se com a alfabetização, forma primeira por meio da qual as pessoas aprendem a entender os pequenos símbolos que depois nunca mais sairão de suas vidas. E este era exatamente o tema central da tese que minha irmã apaixonadamente teceu ao longo dos últimos três anos e meio. Estava faceiro agora o Irmão Elvo. Realizado até, diria.

“Foste corajosa, Ana Paula. Foste atrevida.” Foi assim que esta última pesquisadora qualificou a escolha que minha irmã fez ao somar conceitos do ensino às informações de uma pesquisa da área de Letras. Em suma – e, confesso, é quase um crime tentar resumir todo aquele material – minha irmã quer que, aprendendo de forma mais eficiente, as crianças se alfabetizem com mais qualidade. E que estejam mais preparados para os ensinamentos do futuro. Que sejam cidadãos mais qualificados, críticos e, por que não, mais íntegros. É o que todos queremos da educação há tempos.

Não que só tivéssemos ouvido elogios durante as quatro horas que ficamos ali, assistindo a argumentação de quatro doutores. Não mesmo. Página a página, cada um deles deteu-se a inúmeros detalhes e pontos de vista dos dez capítulos distribuídos nas mais de 200 páginas. Tão pouco esses comentários todos diminuíram o mérito do trabalho. O oposto.

No fim de tudo, os aplausos foram menos sonoros que a nota verbalizada pela orientadora que mediava o encontro e pouco antes nos fizera umedecer os olhos mais algumas vezes. Ficamos com a forte impressão de que a minha irmã não fora só aprovada com louvor pela banca examinadora na manhã do dia 30 de julho de 2008. Suas virtudes como mulher, como educadora, como filha, como esposa – e como irmã – ficaram evidentes. Parabéns, Ana! Pelas possibilidades de educação que provaste serem possíveis e pelo exemplo que dás a todos.

A entrevista:

– do que se trata a tese? realizei uma pesquisa com turmas de alfabetização mostrando que explicitar o nome e os sons que as letras representam e realizar atividades que fazem as crianças pensarem na estrutura das palavras levam a um ótimo desempenho na escrita. Crianças que estariam alfabetizadas apenas ao final do ano letivo (ou até reprovariam!) já estavam lendo e escrevendo no mês de julho. É um trabalho que contribui para melhorar os índices de repetência na 1ª série e aumentar a competência em leitura e escrita nas séries posteriores.

– que caminho percorreste? minha graduação foi em Fonoaudiologia pela Ulbra (em Canoas, RS). O curso tem duração de quatro anos e meio, mas como eu trabalhei durante todo o período (e isso me deu grande experiência), me formei em sete anos. O Mestrado durou 2 anos e o Doutorado (que, em geral leva quatro anos) cursei em três anos e meio.

– A palavra mais bonita da língua portuguesa: criança
– A mais feia: doença
– O pior defeito da nossa sociedade: corrupção

Ana Paula Rigatti Scherer

Ana Paula Rigatti Scherer

– Como achas que os outros te vêem? alguém pacienciosa, estudiosa e simples
– Qual tua idéia de domingo perfeito? de qualquer jeito, passar com as pessoas que se gosta (família, marido…)
– O que queres estar fazendo e onde queres estar vivendo com 60 anos? quero estar ao lado do meu marido curtindo meus netos e ainda lecionando (que é o meu sonho). Quero estar vivendo aqui na Terra, pelo menos…
– O que é o amor? é o que dá gosto à vida
– Qual tua memória mais antiga? meu primeiro dia de aula no jardim de infância: eu e minhas coleguinhas Silvana e Sandra Mara de vestidinho xadrez azul, sentadas numa mezinha redonda.
– Qual tua idéia de felicidade? um dia como hoje (30/7) seria um bom exemplo (defesa de doutorado), pois me realizei profissionalmente e dei um lindo presente aos meus familiares. Mas acho que coisas bem simples podem me fazer feliz, também, como um chimarrãozinho no fim da tarde…
– Onde gostarias de viver hoje? aqui mesmo, estou feliz!
– Onde gostarias de passear agora? no calçadão de uma praia de temperatura bem quente…
– O que deixarias de fazer se a Internet acabasse? de me comunicar tão facilmente com as pessoas.
– Se pudesses eternizar alguém, quem seria? difícil. Acho que todos que amo.
– O que é a morte pra ti? ainda não consegui aceitá-la, ainda acho que é muito triste para quem fica.
– O que tu fazes que te dá muito prazer? falar em público sobre algum assunto que domino e gosto.
– O que fazes para espantar a tristeza? dou um abraço forte no meu marido.
– Um filme: Um lugar chamado Notting Hill
– Um livro: O sucesso é ser feliz (Roberto Shinyashiki)
– Um som/música: todas do Zé Ramalho
– Um cheiro: de mato e fogão à lenha dos fundos da casa da minha avó Araci
– Um lugar: Luzerna (SC)
– Um site: www.aletra-rs.com.br
– Uma coleção (que tens ou já tiveste): papel de carta
– Um doce: figo em calda (caseiro)
– Uma bebida: vinho colonial
– Um prato: sopa de bolas (da minha mãe)
– O que já cozinhou de mais extravagante (da torrada com orégano ao
pato ao molho de laranja)?
nenhum prato extravagante… mas um dia coloquei sal na forma do pudim e não ficou nada bom…
– O conselho que nunca esqueceu:  ouvir tudo o que vem dos pais, eles dificilmente estão errados.
– Um pensamento: “Que o mundo seja um pouco melhor porque nele eu vivi e por ele tu passaste meu irmão” (Canto “Unidos”, do CLJ, Curso de Liderança Juvenil, da Igreja Católica)

Juliano RigattiEspelho meu: a Ana

6 comments

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  • Jac Oliveira - 3 de agosto de 2008 reply

    Sabe Ju, eu te admiro não só por tu seres um homem diferente de todos que eu já conheci. Te admiro pq tu nunca perdeu a beleza e a vontade de escrever… e se perdeu, nunca deixou ninguém perceber.

    Quanto à Ana, entendo um pouco da felicidade dela. Parabéns 🙂

  • Jac Oliveira - 3 de agosto de 2008 reply

    ah, e eu ainda não comi essa sopa de bolas da dona Ema… ai ai ai.

  • Paulo V Reinehr - 4 de agosto de 2008 reply

    eu me emocionei, imagine a mulherada lá em casa……..

  • Stella Rigatti - 5 de agosto de 2008 reply

    Lindo, Juliano, bom nem preciso dizer que a rigatti aqui se emocionou, né… Imagino o qto a Ana deve estar feliz, ficou muito legal, bom ótimo, sem palavras…

    Abraços

    Stella

  • sheila Possa Silveira - 6 de agosto de 2008 reply

    Amigo, parabéns pela entrevista, pala irmã, pela sensibilidade que sempre me emociona.

    … só gostaria de saber se você me conta como leitora quando fala dos teus 3 ou 4 assíduos leitores? Não fazer comentários e ainda não ter tido tempo de participar da comunidade não significa não ser leitor! tenho certeza de que o número é bem maior do que imaginas! a qualidade vem crescendo… a notícia vai longe!
    um grande beijo,
    Sheila Possa Silveira

  • Rosilei T. Reinehr - 6 de agosto de 2008 reply

    Parabéns, Juliano por mais este maravilhoso texto, deixou-nos emocionados pois reflete exatamente o que a Ana Paula é e voce soube mais uma vez usar as palavras certas.

    Um grande beijo de 3 mulheres que te admiram muit

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