Impressões do Fórum Social

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De que forma um outro mundo pode ser possível? Confesso que é quase irresistível lançar essa pergunta como pauta de uma próxima visita ao Fórum Social Mundial, que começou dia 26, em Porto Alegre, e terminou na segunda-feira, dia 31.

Descemos na estação Mercado e caminhamos ao longo das instalações do Fórum, que põem a Usina do Gazômetro no centro disso tudo. O visual cosmopolita passa a chamar a atenção depois que nos desvencilhamos dos carros e das sinaleiras que abafam a percepção de qualquer um sobre qualquer coisa. Jornalistas e participantes de todas as partes do mundo se encontram, formam seus grupos e cada olhar e cada movimento deflagram os que não são daqui.

Seguimos nosso caminho. Passamos pela grande feira instalada logo após a Usina, pelo acampamento da juventude e pelo anfiteatro Pôr do Sol. A impressão foi ruim. As instalações da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica), local onde aconteceu a última edição, davam uma postura mais sisuda ao Fórum. Tinha mais cara de coisa séria, comprometida. O atual modelo, ao ar livre, combina mais com feira, com brique, com palavras ao vento e idéias que vão tão longe e se perdem tanto quanto o horizonte do Guaíba. Levanta-se, também nessa edição, a suspeita de que nada de concreto se extraia dali. Fica como destaque a multiculturalidade e o grande bem que o Fórum traz à cidade.

Do segundo poderíamos falar bastante. A começar pela grande presença da Brigada Militar. Que, convenhamos, nada tem a ver com a grande insegurança que a cada dia sentimos aumentar em nossa família, em nossos filhos, em nossos vizinhos. Qualquer um podia agora começar um grande desabafo aqui, mas deixa pra lá.

Parece que um grande contingente foi deslocado do litoral para garantir a segurança do evento que se despede este ano da capital dos gaúchos. Despede-se levando a falsa impressão de uma cidade segura.

Afora a segurança, servem como destaque o crescimento das vendas de quem depende do comércio de água mineral, de cachorro-quente ou de milho-verde para sustentar a família. Vê-se muito deles por lá. E todos ocupados atendendo ou tentando decifrar a necessidade de um estrangeiro interessado. A superpopulação que lota os hotéis da capital também é, senão o maior, um grande aspecto a ser ressaltado.

Bom, disse acima que a multiculturalidade é o outro grande destaque do Fórum. Pois então. Estávamos na estação Mercado, de volta pra casa, no fim de um dia de muita caminhada. Às margens da plataforma, aguardando conosco a chegada no próximo trem, estavam cerca de sete ou oito cidadãos de Sri Lanka.

Tinham a pele negra, mas não muito. As mulheres vestiam roupas pesadas e compridas. Tinham aquele sinal pequeno e arredondado entre os olhos, característica também das mulheres da Índia, creio eu. Os homens usavam trajes bem comuns. É interessante acompanhar a forma como se comunicam, como são dependentes uns dos outros num país tão estranho. Deviam ser de alguma ONG ligada ao plantio. Foi o que deu pra ler no crachá que usavam no peito. Demos risada quando o primeiro trem passou e não parou. Não estava na linha dele. Devia estar se deslocando pra outra estação, ou sei lá. Mas os nossos visitantes não entenderam nada. Entreolharam-se. Estavam em dúvida se havia faltado alguma iniciativa deles para que o trem tivesse parado. Bem engraçado.

Estávamos entretidos com um senhor de São Leopoldo que também vinha do Fórum quando resolvermos arriscar alguma conversa em inglês com algum dos cingaleses. Tentei o primeiro que logo fez sinal dizendo que não entendia bulhufas do que eu falava. Do outro lado, um colega seu cutucou meu braço e disse que, sim, “I speak english”.

Legal. Pude fazer uso do que sei de inglês pra descobrir que estavam indo se hospedar em algum hotel em Esteio, que eram mesmo de Sri Lanka e que estavam achando o Brasil “very, very good”. Talvez o papo rendesse mais se não tivesse chegado a nossa hora de descer. Despedi-me com um ligeiro “good night” e recebi um sorriso do senhor.

De volta pra casa ficou a vontade de saber mais daquele senhor. Como estava a sua gente depois do Tsunami, da situação de suas casas, suas famílias. Do que faziam no Fórum. Esperam realmente levar algo daqui? De que forma um outro mundo pode ser possível?

Juliano RigattiImpressões do Fórum Social

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  • Anonymous - 2 de fevereiro de 2005 reply

    De que forma um outro mundo pode ser possível? Bah! Pois é… hummmmmm. Será que alguém tinha uma resposta concreta para essa pergunta? Será que vais poder me respondera esta outra pergunta? E esta? E esta? …

    É, SÃO ESTÓRIAS…

    Ótimo texto, a uzina tá bombando energia.
    Shms, Gabi

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