Irracionamento

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Lembro quando um professor meu contou que tinha despertado para essas campanhas de racionalização da água. Lembro que foi na Unisinos, mas não lembro quem era o cara. Contou que estava chegando em casa um dia, na tardinha, depois do serviço ou sei lá, e viu uma velhinha com a mangueira numa mão e pazinha noutra lavando a calçada na frente de casa. Flagrou a velhinha no exato momento em que ela empurrava com um jato de água uma folha de um lado ao outro da calçada, até fazê-la despencar, molhada, no paralelepipido da rua.

Contou-nos que a cena da velhinha foi algo que o emocionou profundamente. Depois do acontecido, tornara-se um militante devoto e anônimo do movimento de racionalização da água. Esse testemunho todo já era, na certa, uma forma de persuadir-nos.

Tem coisas que a gente até já sabe, mas precisa alguém pra dizer, não? Confesso que me sensibilizou a história da velhinha. Sério. Que grande privilégio tinha aquela calçada ou até aquela folhinha ao receber um banho de água potável? Hem? Brrrr. Água esta que recebeu o investimento de trocentos reais nossos e outras tantas horas de tratamento para ficar em condições de consumo para o ser humano. E não para lavar as calçadas.

Esses dias deu na TV um senhor que quase foi teve seu abastecimento cortado porque insistia em regar o jardim em uma das cidades da região metropolitana de Porto Alegre que estava em período de racionamento, a pedido das autoridades locais.

Faltam fiscais também, não? Há muito tempo que tenho a impressão que sobram fiscais de trânsito — os famosos azuizinhos — nas ruas da minha cidade. Basta uma noite de um pouco mais de movimento pra vermos um dos veículos da frota com dois ou três deles à espera de uma infração. Ao invés de estarem ali, aos montes, aguardando que um imprudente passe o sinal fechado ou apareça com os faróis apagados, muitos exemplares deles poderiam estar nas ruas conferindo os abusos no uso da água. Lavando o carro em tempos de seca no Estado? Coisa pro azulzinho, oras bolas. Seria mais uma desculpa para a arrecadação? Talvez. Mas enquanto se discute, muitos litros d’água deixariam de escapar pelas torneiras do vizinho.

Ao contrário da energia elétrica, a água é um bem que não repomos, portanto acabável. Não racionar é pôr em risco o banho de nossos netos, dos filhos deles. É pôr em risco a alimentação. A espécie. Assim como não usar o cinto e beber antes de dirigir, não racionar é mais um belo exemplo da nossa irracionalidade.

Juliano RigattiIrracionamento

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