“Não deu tempo”

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Ontem (19/7) fui à missa, como faço sempre. Essa era diferente. Estava sendo rezada em Porto Alegre, em memória de quase uma dúzia de gaúchos mortos no desastre do vôo da TAM, no noite do último dia 17/7.

Em frente à igreja, terminada a cerimônia, o clima era de consternação, de amargura, enquanto todos aguardavam para dar um abraço de consolo em um moço novo que ficara viúvo depois de terça-feira.

Enquanto eu o observava recebendo o carinho de muitos, ouvia do lado os soluços da mãe da falecida. Mais atrás, também podia ouvir outro fungando. Mais na frente, outros secavam os olhos enquanto olhavam pro nada, como se tivessem desistido de entender o porquê daquilo tudo.

Na fila, para me despedir do viúvo, pude ler seus lábios e ouvir uma réstia de som enquanto ele se lamentava ao amigo:

— Ela queria ter te dito isso, cara, mas não deu tempo.

Não deu tempo. Aquilo ficou na minha cabeça.

Quem tem o direito de determinar o tempo que teremos junto de quem amamos?

E por que não aproveitamos o suficiente o tempo que temos ao lado de quem amamos?

O tempo é uma convenção do homem, inventada a não sei quantos milhares de anos. Muitas outras convenções criadas milhares de anos depois do tempo, esses dias, quem sabe, só na nossa cabeça, quem sabe, nos impedem de viver o tempo da forma como deveríamos.

Convenções.

Como amar, como conviver, em que nível se entregar, o que dizer, como se proteger. E se não der certo? E se ele entender errado? E se ele achar que sou frágil? E se eu causar expectativa desnecessária?

“Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia. Tudo passa, tu do sempre passará. A vida vem em ondas como o mar, num indo e vindo infinito.”

Lembrei e escrevi as palavras acima enquanto cantava pra mim, baixinho, essa bela música. Enchi os olhos de lágrimas e me lembrei das centenas de casas que a esta hora, de madrugada, devem estar com as luzes apagadas abrigando gente sem sono, com os corações apertados e mentes cansadas de tantos dias de sofrimento.

Não deu tempo, também devem estar pensando isso.

Avós, netos, jovens, adultos e fetos. Todos se foram na terça-feira. Todos deixaram muito a dizer e a fazer. Não deu tempo.

Sei que vai soar piegas, mas não custa repensar as vezes o aproveitamento do nosso tempo. Não custa repensar nossas convenções diárias. Não custa tentar viver, às vezes, como se este instante fosse o último.

Juliano Rigatti“Não deu tempo”

8 comments

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  • Anne Christine Medeiros Cavalcanti - 20 de julho de 2007 reply

    **é preciso amar as pessoas como se não houvesse o amanhã…porque se você parar…para pensar…na verdade não há**

    Que essas famílias, que perderam entes queridos nessa tragédia, tenham , encontrem, o conforto em DEUS!!!
    Parabéns pela tua sensibilidade.
    Um beijo grande
    Anne Christine

  • Jac Oliveira - 20 de julho de 2007 reply

    é.. vendo essas cenas, lembro das noites não dormidas de uns meses atrás. A espera por qualquer notícia, que parece te tirar pedaços pouco a pouco…
    só quem vive algo assim, pode ter a real dimensão do buraco que pra sempre fica dentro da gente.
    Espero que todas essas famílias encontrem força pra continuar…

  • Rita Copetti de Queiroz - 20 de julho de 2007 reply

    Tempo. Como não damos valor pra ele, desejo paz no coração e no espirito de todos que estão chorando.bjo!

  • Álvaro de Bem - 20 de julho de 2007 reply

    putz, me comoveu…as vezes a gente esquece o real valor das nossas vidas…

  • Marla - 20 de julho de 2007 reply

    Sabe, Ju, que eu tinha pensado nisso quando aquela menina morreu durante o assalto a um carro forte da Assis Brasil. Conheci a irmã dela (vai morar com a Vanessa em São Paulo). E a sensação que tem todo mundo que perde alguém de repente é essa: não deu tempo.
    A partida dos que amamos é sempre precoce. Melhor aproveitar agora.

    PS: Felia Dia do Amigo!!! Te gosto, viu! Bj

  • Stella Rigatti - 21 de julho de 2007 reply

    Óh, muito lindo, Juliano! Belas palavras em em um momento bem propício. Infelizmente as coisas não estão tão programadas qto pensamos q estão, nossos destinos ñ nos pertence. Temos q realmente ñ nos determos a “deixar p/ depois” o q gostaríamos de fazer agora (ou tivermos q fazer), os segundos ñ voltam mais!

    Beijos

    Stellinha

  • Thiago "James" Ferronatto - 23 de julho de 2007 reply

    Tempo? O que é isso ainda? De repente até mesmo este conceito já se perdeu… As semanas se arrastam, mas o dia passa voando… a hora esperando sua namorada se arrumar é infinita, mas nossas crianças se tornam adultos em frações de segundos… o tempo anda estranho por essas bandas, não?

    Não o determinamos, mas podemos – e devemos – fazer um esforço pra percebê-lo…

    abraços!

    ps: no meu blog deixei uma “missão” pra ti. Caso aceite, boa sorte e bom texto!

  • tulana thais - 11 de janeiro de 2008 reply

    erealmente muitas vzs nao damos valor nas pssoa enquanto elas estao por perto e quando resolvermos repensar e tarde muuuuiiitttooo tarde e triste .o tempo passa,a vida nem sempre e cmo gostariamos e nem sempre podemos curtir quem amamos e quando resolvemos dar valor ja foi…..

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