Nossas memórias

5 comments

Todos os que já estão formados, seja lá em que curso for, sabem que a condição essa de formado implica termos, além do registro profissional, uma série de lembranças imensamente agradáveis em nossa memória. Cada pedaço do passado que a mente – esse ser controverso – escolheu recortar pra guardar traz consigo uma sensação de perpetuidade. “Conhecimento é uma coisa que ninguém te tira”. Tu já deves ter ouvido essa frase por aí.


Dia desses fui pegar um filme na locadora.


– Tem ficha?
– Hem?
– Ficha. Cadastro. Tem?
– Ah, não.
– Nome.
– Juliano Filipe Rigatti. Erre-i, jê-a, dois tês, de tomate, i.
– Rigatti…
– Isso.
– Idade, Filipe.
– 25.
– Profissão.


A moça repetiu a pergunta. Mais uma vez. A voz já ficava mais fraca. Eu mais longe dali. A voz sumiu. Fiquei pensando.

A memória da gente funciona tipo uma máquina fotográfica. Por razões até hoje desconhecidas, resolvemos apertar o botãozinho mágico em frente de uma cena que nos chama a atenção. A cena, por sua vez, é copiada do tempo e guardada num filme, num rolo de filme, ou num cartão de memória. Ou na memória da gente.


Quando penso em todo o meu tempo de faculdade – pouco mais de sete anos e meio – não faço filme, mas um álbum de fotografias. Com muitas fotografias. E posso lembrar de umas tantas.


Lá vão cinco delas:


Sete anos e meio atrás, eu no salão paroquial da igreja aqui perto de casa. Exultávamos de alegria no palco, festejando a chegada de mais um dos inesquecíveis retiros do CLJ, grupo de jovens da Igreja Católica. Minha irmã e minha mãe vieram ao meu encontro contar a novidade: eu tinha passado no vestibular pra jornalismo. Não que aquilo fosse alguma grande façanha, mas era uma boa notícia, no mínimo. Aquele dia, eu iniciava mais um ciclo.


A segunda lembrança é a turma toda do primeiro semestre do curso tentando posar para uma foto na lata. “Foto na lata” é um processo alternativo de fotografia que utiliza apenas uma lata – aquelas de achocolatado, pode ser –, um papel de foto, para revestir a lata internamente, e um furo de uma centimetragem específica em algum ponto do corpo da lata. E sol. Basicamente isso: lata, papel, furo e sol. Lembro que a lata estava em cima de alguma coisa quando alguém foi lá e destapou o buraquinho: clique. Estava pronta a foto, mesmo que com suas características bem peculiares, já que a cena fica arredondada (sabe quando se olha por uma lupa?) e preto e branca. Fica espelhada também – a cicatriz do rosto agora do lado esquerdo, a unha comprida no dedo mínimo da outra mão. No mais, é uma foto. Ela pode não ter a melhor qualidade estética, mas, juro, quando ponho os olhos nela hoje, ela cumpre exatamente o mesmo propósito que as demais.


Outra fotografia da minha memória. Primeiro semestre do curso. Estávamos em uma sala repleta de máquinas de grande porte e, em frente ao amontoado de curiosos alunos, um senhor apontava para uma placa que explicava o que fazia o tal equipamento. O professor da disciplina de Introdução ao Jornalismo tinha nos levado para conhecer a redação e produção do Jornal NH, em Novo Hamburgo. O maquinário aquele era um orgulho para o jornal. Naquela época, eles eram os pioneiros em um tipo de processo de impressão. À frente inclusive do maior grupo de comunicação do Estado. Engraçado destino. Entrei nessa sala há muito tempo, quando ainda nem fazia idéia de o que era Jornalismo. Voltei exatamente a esse lugar meses atrás. Quase formado, atuando na área e acompanhando um executivo importante da minha empresa. Pela explicação desses dias, descobri que o método de impressão do jornal já não é mais a vanguarda do mercado. O tempo passou.


A Kombi do seu Roque. Lembro de estar de carona, rodeado de crianças e atento ao que se passava nos bancos estofados do lado e da frente. O sotaque carregado do condutor, a gritaria da pirralhada e as brincadeiras inocentes eram os outros passageiros. Tinha que captar tudo para uma reportagem literária – modalidade do jornalismo que combina fatos com a linguagem do romance da literatura – que estava escrevendo sobre a vida do seu Roque, que trabalha como kombista em Canoas há trocentos anos. Ele mora até hoje numa casa com um gramado enorme aqui perto de casa. Tem nessa casa um cachorro, daqueles bem grandes, que acompanhava minha descida da lomba nas voltas da aula, isso no ensino fundamental. Eu descia e ele ficava me acompanhando, olhando e rosnando. Quando o terreno dele acabava e eu continuava, ele latia em desespero e pulava no muro dando quase uma cambalhota. Não ganhei o concurso com a tal reportagem literária. Azar. Ganhei lembranças boas pra guardar comigo.


Bom, a última memória que queria citar é beem mais recente. E se explica sozinha pela foto ali de cima.


– Moço? – despertou-me a atendente da locadora.
– Ah, oi?
– Profissão, tem profissão?
– Sim, sim. Jornalista.

 

Juliano RigattiNossas memórias

5 comments

Join the conversation
  • ayrton kanitz - 2 de abril de 2008 reply

    O que é nome “requerido”?
    Olhaqui: tão bons os textos, comento esse, li todos. Diálogo bem feito, velocidade.

    Vem cá, de onde tiras tempo pra escrever?

  • Bina - 2 de abril de 2008 reply

    Querido amigo!
    Me fizestes lembrar de muitas coisas com esse texto. Adorei ler!
    Muito sucesso pra nós!
    Visita meu blog qdo puder.
    Bjos

  • roberto - 3 de abril de 2008 reply

    Juliano,
    mais uma vez te apreciamos,
    agora, do Belém Novo,

    em tempo,
    tb viajei com seu Roque,
    Sucesso!
    Pe. Roberto

  • Jac - 3 de abril de 2008 reply

    mudou tudo aqui… tanta coisa muda mesmo. Só eu, taurina da terra, que não consigo me acostumar.
    é, a vida é engraçada. As lembranças nos castigam tanto as vezes, mas em outras nos fazem sorrir… essas lembranças tuas… mto parecidas com as minhas.

    bjo

  • Jac Oliveira - 9 de abril de 2008 reply

    esqueci de dizer. Já me sinto jornalista. Mais, nos últimos meses.

Deixe uma resposta para roberto Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *