O jovem e a Igreja

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Volto da missa no último domingo do mês de outubro de 2010, dia em que foi comemorado o Dia Nacional da Juventude, e alguns fatos históricos, e outros bem práticos, me fazem pensar.

Como cristão, participo de movimentos jovens há 14 anos. Fui aprendendo ao longo do tempo que o jovem precisa honrar sua vivência por meio do tripé estudo, piedade e ação. Não é possível que saiamos pelas ruas fazendo algo em nome do bem comum, se não tivermos nossa experiência com Jesus Cristo e não formos convencidos das motivações de nossos gestos. A missão não durará muito. Igualmente – e mais grave –, é inconcebível que estudemos nossas raízes cristãs, partilhemos nossas histórias de vida e nos aproximemos da Eucaristia, mas não façamos nada pelo outro. Repito: é inaceitável. Aprendi isso com o tempo. Aprendi que o jovem cristão precisa abastecer-se no grupo, seja ele qual for (CLJ, Cenáculo de Maria, Emaús, EJC, etc.), para sair às ruas e transformar o pequeno mundo que o cerca.

No ano de 1974, em plena turbulência política e social do Brasil, quando a Igreja tentava consolidar no país a sua opção pelos pobres, desvinculando-se das classes dominantes – Porto Alegre assistiu o surgimento de um dos mais transformadores grupos de jovens da região Sul do país: o Curso de Liderança Juvenil. Depois do Emaús, o CLJ foi um dos primeiros movimentos a reunir novamente os jovens – coisa que o golpe militar proibiu à base de agressões, torturas e homicídios – e fazê-los canalizar toda energia pelo anúncio do evangelho e da mensagem de Jesus Cristo.

Em março de 2009, durante entrevista que fiz com Dom Zeno, fundador do CLJ e então arcebispo de Novo Hamburgo, reconheci essa importância histórica deste grupo. Dom Zeno contou-me que ficou todo o ano de 1973 sem distribuir comunhão a jovens. Acredite: nenhum jovem comungara com ele em 1973, na paróquia São Pedro, em Porto Alegre.

Os jovens simplesmente não iam à missa.

E parte da explicação está aqui: a Igreja apoiara a repressão nos anos 60. E tenho a impressão que nem as tentativas de modernização surgidas a partir do Concílio Vaticano II, em 1962, e da II Assembléia Geral da Conferência Episcopal Latino-Americana, em Medelin, na Colômbia, em 1968, conseguiram renovar suficientemente a imagem da Igreja Católica, a ponto de fazer a juventude participar novamente – como o fizera na Ação Católica e na JUC (Juventude Universitária Católica), por exemplo.

Mas os jovens voltariam a se reunir em torno de Jesus Cristo.

E vejam a coincidência dos números: 74 crismandos, em 1974. Foi por meio da Crisma, que Dom Zeno reaproximou a juventude de Deus. Um retiro com crismandos, realizado em 14 e 15 de julho de 1974, com poucas adesões, transformaria para sempre a cara da Igreja jovem no Rio Grande do Sul. Mesmo com o relato quase emocionado do padre, continuei intrigado.

– O que os fazia voltar? – perguntei.

Quase não terminei de perguntar e já ouvia a resposta de Dom Zeno. Aquilo não estava só na ponta da língua, como dizemos, era uma convicção.

– A descoberta de Jesus Cristo – disse ele, taxativo.

E dali, não parou mais de listar razões que lhe eram tão verdadeiras como se aqueles 19 jovens estivessem à sua frente naquele momento.

– A possibilidade de poder conversar com ele diretamente e ao vivo. E se ele está aqui, vivo, então valia a pena. Aquele Jesus era uma novidade fantástica para eles. Eles acreditavam em um Jesus morto na cruz, de uma morte que aconteceu há dois mil anos e que não tem mais nada a ver comigo. Conheciam um Cristo sofrido. Mas o Cristo que está vivo no sacrário, conversando contigo, desse eles não tinham ideia. Quando eles descobriram este outro Cristo, eles se empolgaram por ele.

O fato é que os jovens conheceram um Jesus Cristo humano, próximo. E gostaram de revê-lo toda semana, gostaram de se reunir em torno dele. Os movimentos prosperaram e se multiplicaram. Nesses 36 anos só de caminhada do CLJ, milhares de adolescentes tiveram a oportunidade de conhecer o evangelho e a receita de felicidade ensinada por Jesus Cristo.

E o advento das mídias sociais ampliou de forma incrível as possibilidades dos jovens se encontrarem. Só uma grande transformação política nos impediria novamente de compartilhar nossos pensamentos, de unir nossa vontade de mudar o mundo. Já viram a quantidade de jovens cristãos usuários de redes como Orkut, Facebook e Twitter? Mesmo que não vá à reunião do grupo de jovens, os integrantes se falam e permanecem conectados à causa. Isso tudo é muito positivo.

Mas a juventude se acomodou.

Sem entrar na discussão das inclinações políticas presentes nos movimentos populares da Igreja nas décadas de 60 e 70, precisamos voltar nosso olhar para aquela época e perceber que só faremos a diferença se formos ao encontro de quem precisa. Jesus Cristo não veio para os fortes, mas para os doentes. Não ficou em sua terra natal, mas viajou ao encontro dos necessitados. Se transformarmos nossos movimentos em clubes de jovens, que só se divertem juntos e se preparam o ano inteiro para dois retiros anuais, estamos fazendo pouco, estamos fazendo muito pouco.

Deixo aqui trecho da segunda carta de São Paulo ao Tessalonicences, escrita provavelmente no ano 70, lida na missa deste dia 31/10/2010, Dia Nacional da Juventude:

Por isso também rogamos sempre por vós, para que o nosso Deus vos faça dignos da sua vocação, e cumpra todo o desejo da sua bondade, e a obra da fé com poder;Para que o nome de nosso Senhor Jesus Cristo seja em vós glorificado, e vós nele, segundo a graça de nosso Deus e do Senhor Jesus Cristo.

É urgente que Deus no faça dignos de nossa vocação, como pede São Paulo. Como Zaqueu, que subiu em uma árvore para ver Jesus Cristo, porque alguma coisa o chamava, precisamos também ouvir esta voz que chama. Há milhares, senão milhões, precisando de nós. Há gente sem tem o que comer, há gente sem ter com o que sonhar, há gente sem motivos de ver o sol do dia seguinte nascer. Por onde passamos, há dependentes químicos, há gente com câncer, há pessoas com esquizofrenia, há colegas de aula e de serviço com depressão. Trabalho e motivo não nos falta. Há muita gente precisando de nós. Precisando da juventude e da Igreja do futuro que estamos fazendo agora. Rezemos para que Deus entre na vida de nosso movimentos, mexa na estrutura, sare as feridas da acomodação, da hipocrisia, e os coloque à caminhar, à evangelizar.

Como Zaqueu eu quero subir
O mais alto que eu puder
Só pra Te ver, olhar para Ti
E chamar Sua atenção para mim
Eu preciso de Ti Senhor
Eu preciso de Ti, oh Pai
Sou pequeno demais
Me dá Tua paz
Largo tudo pra Te seguir
Entra na minha casa
Entra na minha vida
Mexe com minha estrutura
Sara todas as feridas
Me ensina a ter santidade
Quero amar somente a Ti
Porque o Senhor é meu bem maior
Faz um milagre em mim

Shalom!

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Juliano RigattiO jovem e a Igreja

11 comments

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  • Ana Danielle - 2 de novembro de 2010 reply

    Lindo texto!
    Nossa juventude esta acomodada e, deveria tomar como exemplo os jovens da década de 60.. Do que nos adianta conhecermos este Cristo sem levarmos adiante suas obras e palavras. A juventude tem que mostrar a sua face, sua opinião tanto na Igreja quanto na política. A sociedade precisa mais de Jesus Cristo.
    O CLJ me ensinou muita coisa e sinto que é meu dever orientar esses jovens para que conheçam este Cristo que cativa tantas pessoas a mais de dois mil anos (enchendo as igrejas de jovens, como aconteceu no dia 30/10/10 na Festa da luz do Vicariato de Gravatai ). Foi o Curso de Liderança Juvenil que me mostrou esse querigma… Hoje sou CLJ, catequista de primeira Eucaristia, Pastoral da Criança, cidadã, estudante… ” Ai de mim se não evangelizar!”. Grande parte da juventude se acomodou, mas, graças a Deus existem movimentos que ainda nos levam ao questionamento e a pensar no bem comum.
    ” Chegou a nossa vez de agir
    ouça quem é jovem para ouvir.
    Juventude esta no coração chega de acomodação.
    Eis a chance de fazer se queremos melhor viver♪”

    SHALOM

    Ana Danielle – CLJ NSF (Viamão)
    20° CLJ- 1, 10° CLJ-2 e 7° CLJ-3 do Vicariato de Gravataí.

    uzina - 9 de novembro de 2010 reply

    “Chegou a nossa vez de agir ouça quem é jovem para ouvir. Juventude esta no coração chega de acomodação. Eis a chance de fazer se queremos melhor viver♪”

    Que música, hem, Ana? Saudade… Obrigado pelo belíssimo comentário, cheio de fé, de entusiasmo. É como eu sempre digo: os comentários dos blogs são sempre um capítulo a parte. Obrigado por enriquecer a Uzina.

    Perseverança pra nós! Shalom! Beijo, Juliano Rigatti

  • Vanira Heck - 2 de novembro de 2010 reply

    Oi Juliano!
    Que texto lindo e sábio…
    Parabéns pela sensibilidade e iniciativa.
    Quem não tem Deus não tem nada! E o mundo precisa sim da palavra Dele para ser curado!
    Um grande abraço!!!!

  • Celso - 2 de novembro de 2010 reply

    Juliano:

    Texto está completo e alerta sobre a necessidade de investir-se nos jovens.
    Examinado sobre a origem do CLJ, percebi que a maioria dos jovens tinham base familiar sólida, diferenciando-os com muitos de hoje….
    A ação deve ser constante…..

    uzina - 9 de novembro de 2010 reply

    O desafio é maior, né, Celso? Mas quero apostar que o que li há um tempo estava correto: que embora sejam poucos os atuais trabalhadores da messe, eles são muito bons e muito convictos do que realmente querem. Isso os diferencia das outras gerações. Quero acreditar. Obrigado pela visita e comentários valiosos de sempre! Abraço grande! Juliano.

  • KK - 2 de novembro de 2010 reply

    Amém!
    Excelente!!!

    uzina - 9 de novembro de 2010 reply

    😀

  • Henrique Girardi - 3 de novembro de 2010 reply

    Cara teus textos sempre são me dão mais motivação! Muito bom mesmo!

    uzina - 9 de novembro de 2010 reply

    Que bom, velho! Embora eu esteja meio ausente, estamos juntos! Abraço grande e salve Maria!

  • Pietra - 13 de novembro de 2010 reply

    Primo!
    Dói não ver Cristo nas pessoas, pois dentro do Movimento é só olhar nos olhos de um mano e encontrá-lo ali, sorrindo. O pior de tudo é ver o quanto o mundo está fechado para algo tão simples como o amor – mas o amor sincero, puro e fácil, que não é forçado, nem tem enfeites ou requer esforço para ser mantido. Tudo aquilo que nasce em Cristo tem raízes profundas, porque Cristo toca fundo; Ele vai até a alma, segura-a pelos ombros (se almas tiverem ombros), encara-a bem nos olhos (se tiverem olhos) e diz, com o sorriso mais simples, doce e largo possível: “Conto contigo.” É isso que está escrito no meu crucifixo, e eu acho que são essas duas palavras que o fazem pesar tanto no meu pescoço. Ah, e algo que sempre me admirou: Ele está sorrindo na cruz. Não é prova suficiente para saber que vale a pena?
    O mundo ali fora está pronto para atirar pedras; Cristo não impede que as atirem em nós, mas nos mostra que não devemos fazer o mesmo. E, se ensinarmos para os outros exatamente o que ele nos ensina, pedras deixarão de voar e construirão fortes e largas pontes, como na música: Vamos contruir/ uma ponte em nós./ Vamos contruir/ pra ligar seu coração ao meu/ com o amor que existe em nós.
    Shalonzão!

    uzina - 14 de novembro de 2010 reply

    Prima! Voltei dez anos no tempo com teu comentário. Pra lembrar de sábados à noite e eu angustiado e inconformado com a contradição das coisas e das pessoas. Queria que tudo desse certo e que Cristo conduzisse o mundo. Mas não conseguia. Ninguém nunca conseguiu. Nem Ele. Querida, qdo vieres, vamos falar mais. Persevera! Beijo grande, Juliano.

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