O medo muda pessoas e times de futebol

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No futebol, um time pode perder pelo medo ou vencer pelo medo. Mas mesmo vencendo, não terá eliminado o principal: o sentimento do medo.

Eu, por exemplo, conheço gente que vence pelo medo. Gente que, por circunstâncias da vida, gente que, por herança genética, gente que, por padrão familiar, é, assim, que nem o Grêmio. Gente que não leva desaforo pra casa. Gente que estufa o peito sempre que fala, e seja o que for que fala, fala de si mesmo. Gente que se orgulha de ser o que é, que se orgulha muito de qualquer feito que realiza. Gente que, embora não despreze os outros, vive como se vivesse só neste mundo, admirando suas qualidades e dando de ombros pros defeitos que ouviu dizer que possui. É gente forte essa gente. Gente que parece grande, que parece uma fortaleza. Mas que no fundo sente medo.

Você conhece gente assim. Sei que conhece. Gente que parece ser o que não é. É gente que tem sofrimentos por dentro, que têm feridas que ardem no peito. São gente, essa gente, que são assim, donas de si, porque às vezes esse é a única forma de se manter de pé. É gente que não fica na defesa esperando o pior voltar. É gente que, pra vencer a batalha dura de cada dia, está sempre no ataque. É gente que, no fundo, tem medo.

É como o Grêmio.

Mais do que imortal, mais do que proprietário de uma alma castelhana, o Grêmio é hoje um clube no qual habita o medo. Eu já disse aqui porquê o Grêmio perde seus Grenais. Porquê perde a maioria dos Grenais que disputa. O Grêmio não é só um time com baixa auto-estima, é muito mais, é um time com medo. Com medo até de sua própria sombra.

Mas o Grêmio tenta conviver com esse seu medo — ao invés de eliminá-lo. Contratou Silas, um técnico que joga pra frente, estilo próprio dos times ousados. Recebeu o Santos no Olímpico, pelas semifinais da Copa do Brasil e sentiu medo. Tomou logo dois a zero por puro medo. E virou também graças ao medo que sentia e graças a Silas. Sabia que se não fosse logo ao ataque e usasse a qualidade que tem, não precisaria nem voar pra São Paulo jogar o jogo de volta. Foi ao ataque e descobriu que pode jogar: venceu por quatro a três. Deixou o Brasil de boca aberta com o futebol que apresentou. Corajoso, veloz, hábil, agressivo, destrutivo. Assim foi o meu Grêmio naquela noite contra o Santos, no Olímpico. Na Vila, Silas prometeu e cumpriu. O Grêmio fez de sua defesa o ataque mais uma vez. Por quê? Porque estava louco de medo. Fez errado? Não. Talvez essa fosse a única forma mesmo de conter o time paulista. Mas o time que joga pra frente não porque acredita que pode, não porque é até um pouco arrogante de tanto orgulho que tem de si, esse time não vai longe. Na volta pro segundo tempo de zero a zero, o Grêmio desconcentrou, lembrou do medo que sente por qualquer time que o ameaça, lembrou que pensa que é inferior aos demais, e o seu medo agigantou-se. O Grêmio viu a cara feia de seu medo. Levou gol por cobertura, gol driblando o goleiro. Viu dancinha. Três a um e o fim do sonho do título.

Uma semana depois, o Grêmio joga com um Palmeiras em crise, com técnico interino e sem os dois melhores jogadores — Robert e Diego Souza. E perde. Esquece dos jogos que fez contra o Santos quando quis jogar. Esquece de suas capacidades. O Grêmio não é mais um time só com problemas de auto-estima. É também um clube medroso, que não se faz respeitar. Vence o melhor time do país por causa de seu medo, e perde para um Palmeiras fraco e em crise também por medo.

Diferentemente de qualquer outro clube, o Grêmio não devia mais preocupar-se com vitórias ou derrotas. Devia preocupar-se com seu orgulho, sua auto-estima e com o medo que sente em seu íntimo.

É a ferida de ter ido duas vezes à Segunda Divisão? É trauma pela traição de Ronaldinho Gaúcho? É saudades do Felipão? É a inveja de ter um concorrente na mesma cidade que se intitula Campeão de Tudo e tem seu amor próprio inflado por um título mundial na hora certa em que o departamento de Marketing estava pronto para tirar o melhor proveito possível da conquista? Não sei a razão que leva o meu Grêmio ao divã.

Uma pessoa pode escolher viver mascarando e protegendo seus medos por inúmeras circunstâncias da vida, mas um clube de futebol, esse não pode.

Juliano RigattiO medo muda pessoas e times de futebol

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2 comments

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  • Maria Rita Bertollo - 23 de maio de 2010 reply

    Gostei do texto sobre o medo do Grêmio.Embora não seja uma entendida de futebol, concordo porque escuto, meus filhos gremistas, que são SÓ (5)diariamente fazerem comentários sobre, às vezes, até jogo assisto. Mas na verdade estou escrevendo para te contar que enfim conheci o Bento.Na semana passada numa reunião no Celin da PUC, veja só o que vai ser esse moço , que tão bebezinho já assiste reuniões no Centro de Linguística!!! É um rico de um alemãozinho, coisa mais linda e muito esperto. Até brincamos, acredita? Parabéns pelo sobrinho e por escreveres tão bem!

  • Leo gazela - 27 de maio de 2010 reply

    Báh Ju, tu tens que mandar esse texto para a diretoria do grêmio, de repente eles entendem o que a gente ta sentindo, aquele bando de colorado desgraçado, sim por que tm colorados na diretoria do grêmio que eu sei.
    Ai ai, que saudades daquele time
    Danrlei, Arce, Rivarola, Adilson, Roger, Dinho, Goiano, Arilson, Carlos Miguel, Paulo Nunes, Jardel Sob o comando de Luís Felipe Scolari, e no título brasileiro de 96 trocando o adílson pelo mauro galvão e o jardel pelos Zé’s.
    Aquilo que era time, não havia quem não tremesse quando meu grêmio entrava em campo, o melhor time de todos os tempos…

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