Para o que tu bates palmas?

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Escrevo esse texto com uma tristeza alegre, que é como o poeta Fabrício Carpinejar define a saudade. Não vejo o Bento há exatos 20 dias e parece uma eternidade. E ele deve estar fazendo milhões de coisas novas que ainda não presenciei e que, por isso, não pude relatar aqui pra vocês. E não o verei pelo menos nos próximos cinco dias. Ele deve estar um gigante já. Tudo isso é uma lástima. Uma tristeza não ver o meu afilhado Bento. Mas uma tristeza alegre.

Fiquem com a última evolução que pude presenciar no meu sobrinho: ele agora bate palminhas.

***

Minha memória é seletiva. Terei leitores rindo essa hora, sei. Dirão que ela não selecionou nada até hoje. Mas a verdade é que, embora eu também desconfie da primeira frase, tem vezes que me surpreendo com flashs que me veem do nada, contando alguma situação relevante do passado. A última ocorrência disso foi na tarde de um sábado quente desses aí.

O aniversário de um ano do Miguel, filho do Léo, meu ex-chefe e grande pessoa, me fez lembrar do dia em que recebi vizinhos taiwaneses aqui em casa, bem no início da minha faculdade. Sim, vizinhos made in Taiwan. Precisava entrevistá-los para um trabalho. O que me lembro porque me marcou foi quando eles disseram que no país deles — e em toda cultura oriental — eles não festejavam as crianças como nós o fazemos. Mas os idosos. Para eles, a pessoa digna de ós e de salvas de palmas é, sim, senhoras e senhores, o velho. Aquele que viveu a vida, que sofreu, que enrugou-se, e que contraiu sabedoria, o maior de todos os bens humanos. Não a criança e sua paupérrima compreensão da vida. Não a criança e seus passinhos sôfregos. Não a criança e seu idioma de meia dúzia de vocábulos molhados de baba. Não a criança e seus livros repletos de figurinhas.

Mas a criança ocidental ela é lucrativa. Porque movimenta-se em torno de um mundo de cores e de formas, ela tem curiosidade, ela consome e quer as coisas pra ela. E mais coisas pra ela são fabricadas. Até que ela deseje mais e deixe seu pai frustrado por não poder saciar sua sede. E ela tem futuro, diferentemente do velho. A criança é, portanto e ao mesmo tempo, um bom cliente e um investimento de curto, médio e longo prazo. A criança é a sustentabilidade da economia. E isso movimenta a roda dessa mesma economia. E gera empregos e renda. Para que os pais tenham condições de serem felizes e de comprar mais coisas que as crianças querem. É por isso, portanto, que fazemos festas de um ano e batemos palmas para as crianças. Elas são nosso sustento.

Bater palmas, diga-se, é uma coisa que gostamos de fazer. É o principal símbolo da concordância, do elogio, da condescendência.

E o Bento, o meu sobrinho e afilhado de quase dez meses, começou a bater palmas esses dias. Começou a fazer festa praquilo que aprova. Em sua ingênua forma de fazer juízo de valor, mas é isso: o Bento já aprova as coisas de seu mundo com uma desengonçada salva de palmas.

Fico aqui pensando, de trás dos meus óculos antigos (há quanto tempo não troco meus óculos!), para o que o Bento baterá palmas quando puder fazer avaliações do tipo que eu faço, que, nós adultos, fazemos? Haverá guerras para o Bento se recusar a aplaudir? E Bento baterá palmas para o casamento homossexual? E para o BBB 22? E para a volta do Roth, com a idade do Zagallo, vindo treinar o Grêmio? E Bento concordará com a lipo da namorada? E com a promoção do chefe que não faz nada?

E você, no alto de sua envergadura moral, para o que você bate palmas atualmente?

Juliano RigattiPara o que tu bates palmas?

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5 comments

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  • Carla Maria Beal - 15 de fevereiro de 2010 reply

    oi querido! Eu bato palmas pra mim qdo tenho trabalho p fazer, qd posso pagar meu aluguel e comer no dia a dia, qdo posso sustentar os estudos de minhas pupis…bato palmas pra mim e nao espero q me aplaudam, se me olharem nos olhos jà ta bom. Bjo e boas fèrias com a tua gata!

  • Kelen - 17 de fevereiro de 2010 reply

    Eu bato palmas para quem escreve respeitando as regras de regência verbal e regência nominal! Não gosto de ler coisas do tipo “a casa que ela mora”. Tá, é bobo, mas quando eu leio “a casa em que ela mora” eu juro que fico feliz! 🙂

    uzina - 18 de fevereiro de 2010 reply

    Eu também bato palmas para estes! 😀

  • Leonardo - 18 de fevereiro de 2010 reply

    Bah juh, mega bacana! Mas quando tu falas em casamento homossexual, parece que tu estás colocando em um rol de coisas que tu não aprovas muito, e por mais que não aprove acho que esse tipo de opinião não deve ficar explícita.
    E a “poprósito” (deixe-me colocar entre aspas por percebi que tu tens amigos “norma-culta”) hoje a única coisa para a qual eu bateria palmas é para a bucha que o hugo meteu ontem, me lembrou meu grêmio forte, sem medo de ganhar.
    Abração meu velho.

    uzina - 18 de fevereiro de 2010 reply

    Fala, Léo! Fico honrado com essas visitas de gente tão talentosa… Sobre a história do casamento, foi apenas uma bola que levantei. Eu conheço muita gente que não aprova. O tema é superpolêmico. Perguntas no Cenáculo e verás gente torcendo o nariz. Cara, não consegui ver o gol do Hugo ainda. Mas se falas assim, tbm teria batido palmas. Viva um Grêmio forte e sem vergonha de ganhar bem! Abração.

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