Para os que gostam do futebol

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Para estes, encantados como eu por este esporte, quero contar-lhes uma tese que tenho. Sim, porque sou treinador de futebol como tantos milhões nesse país e me reservo ao direito de ter uma tese sobre futebol (como já publiquei aqui uma explicando porque o Inter vence Grenais).

Bem, a tese é a seguinte:

Quero explicar aqui porque o futebol, e não o basquete, não o remo, não o ciclismo, é o esporte que pára o mundo quando sua competição mundial acontece. O que leva as pessoas de todo planeta para os estádios, para a frente da tevê ou para o radinho para acompanhar uma partida de futebol? De certo, já é o esporte que mais dinheiro acumula de patrocinadores. Claro que sabem desse nosso facínio. De certo, é o que mais leva gente às suas arenas. De certo é o que mais recebe atenção dos veículos de comunicação. Mas porquê?

E aqui está a minha tese.

Porque o futebol, mais do que qualquer outro esporte – será porque este se joga com os pés? –, o futebol arruína a maior conquista do homem em todos os tempos: a previsibilidade. Com cálculos, o homem mantém de pé prédios com toneladas de concreto, eletrodomésticos e sapatos femininos. Com cálculos, o homem faz uma caixa de lata levantar vôo com algumas centenas de pessoas dentro. E os levar a atravessar o Atlântico. E sabe que hora chegará, a menos que saia do Brasil. O tempo e a temperatura também já podem ser previstos. A morte já pode ser adiada graças à medicina moderna e a evolução do seu entendimento de nosso corpo. Há pouco em nossa vida que já não esteja previsto. Temos horário para acordar, para levantar e dead-line para sair. Temos dias determinados para descansar e período específico para tirar férias de tudo. Temos o mesmo trabalho todos os dias. Se casamos, quero pensar que temos a mesma mulher ou o mesmo homem todos os dias. A previsibilidade criou, já que lembrei do casamento, criou a rotina. E ela, a repetição, é o mal de muita coisa, não é?

Menos do futebol.

O futebol é imprevisível.

No futebol, não se pode reduzir para deixar o colega de equipe, mas adversário de prova, receber a bandeirada em seu lugar. No futebol, nunca o tecido da vestimenta – seja de pele de tubarão ou de outro qualquer fruto do mar – será o que determinará a derrota.

Mas há falcatruas no futebol, dirão.

Dirão que o Ronaldo Fenômeno entregou a Copa de 1998. Que o juiz aquele determinou o campeão do Brasileirão de que ano mesmo? Que o Ricardo Teixeira está escolhendo o técnico mais rentável e não mais competente para dirigir a Seleção. Que o Leandro só joga no Grêmio porque há uma cláusula contratual para que ele jogue.

Dirão barbaridades de toda ordem.

Mesmo se tudo isso tivesse alguma chance de ser verdade, mesmo se todas essas coisas improváveis tivessem nos feito de palhaços, nenhuma delas seria capaz de diminuir no futebol o seu senso de imprevisibilidade, o seu encanto. Nenhuma.

Filme um lance e tente encontrá-lo em algum outro jogo de qualquer outro país. Tu não encontrarás.

Chute saindo do mesmo centímetro de grama, bola voando na mesma velocidade e encontrando a mesma fibra do cordão da rede presa na goleira? Ah, não encontrarás.

Tente negociar com os dirigentes de Gana e Uruguai que o jogo deverá ser assim: aos 15min da prorrogação, haverá um entrevero na pequena área do Uruguai. Soarez tirará o gol com a cabeça e, em seguida, impedirá a bola de entrar com a mão. Escancarado. Já combinamos que o chute deve ser fraco e pra cima. O juiz dará pênalti e expulsará Soarez. Deu trabalho convencê-lo de ficar fora do jogo contra a Holanda. Como sabemos que é a Holanda. Sabemos, oras. Gyan deverá bater o pênalti por Gana. Ele acertará o travessão e não fará o gol, mesmo que a bola volte pro campo – o que não deve acontecer, pelo combinado. O jogo irá pros pênaltis e Gana deverá perder. Disso, eles não sabem – e nem devem saber.

Tente combinar o que quiser, tendo o dinheiro que tiveres. O facínio pelo futebol está em ser jogado com os pés. Está em sua imprevisibilidade.

Esta é a minha tese sobre o futebol. Uma entre tantas milhares de outras por aí. De que o futebol é o nosso ópio porque nos atrai para o mundo do imprevisível. Atrai pessoas simples para um mundo onde o imprevisível pode lhes trazer a alegria e a realização, sentimos estes que já não existem mais na vida lógica que levam. O futebol nos joga para dentro de uma realidade sobre a qual não se tem controle, quando estamos cansados de viver em um mundo regido por padrões de comportamento, por unidades universais de medida do tempo e do espaço, por avançadas técnicas para redução do risco, do inesperado, do imprevisível.

E mesmo que nossos cartolas já tenham seus mais sujos acertos, eu e minha tese apostamos numa final de Copa do Mundo, na África do Sul, completamente imprevisível.

(Atualizado às 20:38 de 11/7)
Parabéns, Espanha!

Juliano RigattiPara os que gostam do futebol

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2 comments

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  • Bina - 10 de julho de 2010 reply

    Adorei… como amante do futebol, concordo. Em gênero. número e grau, rsrsrsrsrsrsrsrsrs…
    Como sempre um grande texto. Quando der, visita o meu blog.
    Bjs

  • Juliana de Brito - 12 de julho de 2010 reply

    Quando mais inocente e recém iniciada no mundo do futebol, eu tentava projetar o “universo da partida” (prática bem comum e até necessária no pré-jogo do jornalismo esportivo). Pode acontecer tal jogada; fulano vai fazer um gol histórico; esse árbitro, por suas características, vai nos roubar; o treinador, esse burro, só vai mudar o time aos 35 do segundo tempo. Pode se pensar em inúmeras possibilidades, mas é improvável que aconteça justamente aquela ideia imaginada por nossas mentes criativas . Agora, já desisti de tentar decifrar o futebol. Aí está seu encanto. Por isso, a tua tese é muito válida. Muitos esquecem de fazer essa reflexão. Excelente texto.

    Abraço.

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