Pastel de frango, folhado

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Uma parada de ônibus. Início de mais uma manhã de inverno. Pessoas indo e vindo. Carros e ônibus passam de um lado para outro. Atrás de mim, um elemento estranho à paisagem. Um pastel de frango, folhado, jaz no alto de uma haste de ferro do ponto de ônibus. Um pequeno mistério se cria. O vento sopra, aumentando a sensação de frio daquela manhã. Os desconhecidos ultrapassam uns aos outros, indiferentes à cena. Frio, ele permanece ali, imóvel, no alto da haste de ferro, como se estivesse sendo oferecido, servido. A mordida em uma de suas pontas denuncia o ato covarde. O pobre fora desprezado e largado ali. Talvez há meia hora. Talvez há dez minutos. Talvez durante a madrugada. Poucos percebem a sua presença. Mesmo os que permanecem parados, de costas, à espera da condução. Poucos saberiam explicar como ele foi parar ali, e por que, assim, ignorando a presença e a função da lixeira, há poucos metros dali. Certamente fora comprado próximo dali, ainda quente, pelo próprio insano. Ou teria o irresponsável carregado o pobre de casa até o local a aí o deixado? Ou seria um código, um sinal? “Combinado? Você me espera na parada que tiver um pastel de frango, folhado, no alto de uma das hastes de ferro da estação.” Pouco provável. Teria sido ele deixado por um mendigo que, desconfiado de bondade alheia, preferiu abandonar o alimento com medo que lhe fizesse mal?
Ou seria o caso de pormos em uma criança a culpa de tal sacrilégio? Tomada pela gula, esperneou até sua mãe deslocar-se até a lancheria mais próxima para adquirir o tal pastel de frango, folhado. Atendido e satisfeito, o filho mimado teria percebido que, na verdade, não era fome que tinha. A mãe também não o quis. Largam o lanche no alto de uma haste de ferro da parada e, atrasados, correm para alcançar o ônibus já em movimento. Sobem e somem em instantes. Teria sido assim? Ou teria sido a legislação do município a culpada. “Senhor. Senhor. Não pode entrar com alimento no ônibus. São regras. Desculpe.” Carteira de identidade em uma das mãos e atrasado para a consulta no posto do INSS, o senhor teria rapidamente largado o pastel de frango, folhado, na primeira haste de ferro que encontrou. Teria ficado constrangido de jogar no chão um pastel novinho, logo na frente de um mendigo, que se escorava na armação da estação. Será? Mas e a história de o pastel de frango, folhado, fazer parte de um plano? Um plano… Mas plano pra quê? Talvez a lotérica aquela da esquina. Pouco movimento naquele horário, grana acumulada, um alvo fácil. Mas quando o roubo aconteceria? E por que não chegariam juntos, os ladrões? Por que um chegar primeiro e depois o outro, conduzido por um pastel de frango, folhado? Não, não deve ser isso.

Tinha mais cara mesmo de ter sido deixado de madrugada. Daquele jeito, quase inteiro, pesado, não cairia dali tão facilmente. Vai vê, fora deixado por algum boêmio, no final do Baile dos Solteiros, do clube aquele atrás do ponto de ônibus. Bateu a fome aquela de fim de festa, o sujeito abordou o vendedor ambulante na saída do salão, comeu um, dois e não agüentou mais de uma mordida do terceiro. Declinou e largou o pastel de frango, folhado, em cima da haste de ferro da parada de ônibus. Mesmo mais desperto que todos naquele início de manhã, o festeiro nem se deu conta do que fazia, pegou o ônibus e escafedeu-se. Afinal, em que circunstâncias o pastel de frango, folhado, teria saído da mão de alguém para ir parar ali, no alto de uma haste de ferro da parada de ônibus?

Meu ônibus. Fiz sinal e embarquei.

Giorgino, colega de serviço.
– Bom dia.
– Bom dia. E essa cara de sono?
– Bah, nem fala. Essa sexta demorou.
– Olha essa foto. Na parada de ônibus ali da Farrapos.
– Ehe. Um pastel?
– Aham. De frango, folhado.
– Que viagem. Mas como é que ele foi parar ali?- Oi?
– O pastel. Como é que ele foi parar ali?
– Onde? Ahn, bah, nem imagino.

Juliano RigattiPastel de frango, folhado

8 comments

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  • Jacqueline Oliveira - 2 de junho de 2006 reply

    Objetos e coisas em lugares insólitos sempre me despertam essas viagens tb.

    Rendeu esse pastel de frango, folhado, hein.

    bjo

  • Elisa - 7 de junho de 2006 reply

    Texto muuuito legal! Com a foto, ficou melhor ainda!
    Só vc mesmo pra escrever tão bem assim…

  • Elisa - 7 de junho de 2006 reply

    a propósito… “Giorgino”???

  • Juliano Filipe Rigatti - 9 de junho de 2006 reply

    Amiga Jaqui, esse pastel rendeu mesmo. Mas costumam render mais as panquecas do alemão. Hehe.
    Bjo.

  • Juliano Filipe Rigatti - 9 de junho de 2006 reply

    Elisa!
    Vc precisa ler mais, menina. Mais coisas de qualidade, digo. Não, não se ofenda, é só uma das tantas crises de modéstia… hahaha!

    Beijão!

  • Jac Oliveira - 9 de junho de 2006 reply

    Mas hoje tu tá impossível mesmo.
    E “Jaqui”??? quem é essa? anda me traindo? : /

    😛

  • Celso Rigatti - 11 de junho de 2006 reply

    Juliano:

    Um pastel de frango folhado, é sempre atração, curisidade maior sozinho na parada de ônibus….
    Eu e a Pietra gostamos.
    A Marli(da cozinha) observou sua “veia- investigativa”.O que achas?!

    Abraços.

    Celso, Marli e Pietra.

  • Juliano Filipe Rigatti - 17 de junho de 2006 reply

    Que honra, vcs por aqui!
    Tantos passando fome, é mesmo uma pena um pastel, assim, sozinho. Serviu pra alimentar minha inspiração, ao menos.
    Apareçam mais vezes por aqui. Já que em casa é tão difícil me acharem…

    Abração!

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