“Quero que Deus me torne um verdadeiro irmão dessa gente”

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No dia em que Bush anunciou o envio de mais 20 mil soldados ao Iraque para lutar a favor de sua paz em um país destroçado pelo sofrimento e que o nosso Estado comemorou a ida de um gaúcho para o Haiti chefiar outros 1,2 mil soldados em outro fracassado plano de paz, decido também escrever sobre este tão importante estado de espírito. A história é sobre parte da vida de um soldado que, mesmo desarmado, também luta pela paz. Um jovem amigo que optou por dedicar sua vida ao silencioso trabalho em favor do outro.

Roberto Heming tem 33 anos, há quatro é sacerdote da Igreja Católica. Alguns dias atrás desembarcou em Canoas depois de uma missão de mais de 600 dias no norte do Brasil. O sol nascia todos os dias para lembrá-lo de sua missão: anunciar a boa notícia aos pobres e fazer a diferença na vida do próximo. Quase sempre nem tão próximo assim. “Viajávamos quase 80 km mato a dentro até chegar numa comunidade”, conta. Roberto passou todo ano de 2005 em uma paróquia em Uruará, cidade do oeste paraense com cerca de 60 mil habitantes, para onde partiu de Porto Alegre no dia 17 de fevereiro de 2005. Altamira, também no Pará, distante da capital Belém cerca de mil quilômetros de estrada de chão batido, foi onde o sacerdote ficou até dezembro do ano passado. Trouxe na bagagem histórias bonitas pra contar, de gente que ama a vida apesar da pobreza e do sofrimento. Nas malas da próxima missão – em Moçambique, em fevereiro deste ano –, já reservou espaço para ainda mais coragem e vontade de fazer o bem. “Levaremos para 130 comunidades nossa vivência dos valores do Evangelho e a certeza de que o povo moçambicano tem condições de conquistar uma dignidade de vida com justiça e paz”.

Uzina: A primeira idéia que se tem do lugar onde estiveste é de uma região que convive com o tráfico de madeira e de famílias com poucos recursos financeiros e precárias condições de habitação. É assim mesmo?
Pe. Roberto: As famílias do interior do Pará possuem poucos recursos, a maioria nem energia elétrica tem. Depende do que planta e colhe. As distâncias são longas e as estradas mal conservadas. Para quem não tem muitas alternativas, vender madeira acaba sendo garantia de uma vida menos sofrida. Porém, podemos dizer que mesmo com um baixo nível de escolarização, as pessoas têm uma sede de conhecimento e ao mesmo tempo possuem uma cultura rica de costumes, tradições e de solidariedade.

Uzina: O trabalho com a Pastoral Carcerária de certa forma te ajudou em situações mais extremas e para conseguir levar a tua mensagem em qualquer condição, apesar das dificuldades?
Pe. Roberto: A presença junto aos recuperandos nos presídios ajudou-me a purificar a idéia de missão que havia em minha cabeça; não tinha condições de dar o que eles mais queriam, ou seja, a liberdade. Mas poderia aprender com eles a não desanimar diante de situações desumanas.

Uzina: Como eram teus dias?
Pe. Roberto: Bem, sou um homem de fé. Rezava, tomava café e pegava o carro para viajar 20, 40 e até 80 km mato a dentro até chegar numa comunidade, cujas pessoas esperavam para serem batizadas, para casar, celebrar a Palavra e a Eucaristia. Quando chegávamos em casa, no fim do dia, banho e rede. À noite, algumas reuniões na cidade, encaminhamentos. Basicamente, era isso.

Uzina: Dos objetivos missionários que tu tinhas, que lições e que retornos tiveste?
Pe. Roberto: O outro merece respeito e admiração. A convivência com o povo do Pará deu-me a chance de ver como posso fazer a diferença quando valorizo o outro. E como posso ser idiota quando me sinto superior a ele.

Uzina: Quais as experiências negativas da missão até aqui?
Pe. Roberto: Bem, acho que deu uns prejuízos na paróquia ao estourar uns pneus novos da Toyota e ao atropelar um motociclista em pleno barro na transamazônica. Bom é que ninguém se machucou.
Mas falando sério, minha pouca experiência com movimentos sociais impediu um avanço maior na ação eclesial em busca de justiça e da paz.

Uzina: Depois disso, o que tu ainda buscas?
Pe. Roberto: Busco somente a Deus. Quero que Ele me torne um verdadeiro irmão dessa gente.

Uzina: Como se dá a influência da tua fé e da oração nas horas que encontras dificuldade?
Pe. Roberto: Sem a fé de Jesus Cristo eu teria chutado o balde todos os dias.

Uzina: Trouxeste histórias de lá?
Pe. Roberto: Algumas. Dona Jane mora a 60 km de onde estávamos, no município de Placas (que atendemos também). É uma baiana de 60 anos que já experimentou o sofrimento de ter um filho assassinado, fruto da ganância de outros. Não perdeu a força e a coragem de continuar vivendo e trabalhando na comunidade.
Outra história é de um menino que achamos na rua. Depois de três meses acompanhando-o, reuniu-se Conselho Tutelar, Paróquia e outros interessados e a pedido do menino e com a concordância de seus familiares e com o apoio do juiz, ES foi enviado a uma família no Rio Grande do Sul. Após nove meses, quis ficar num abrigo municipal. Está bem, com 13 anos e passou para 3ª série. Alguns de seus colegas no Pará já partiram mortos. Certamente, foi a melhor coisa que ajudei a realizar no primeiro ano de missão.
Mais uma: numa bela manhã de segunda-feira chegam quatro jovens negros ao local onde estávamos. Vieram pedir ajuda a mim. Moravam como posseiros numa área do governo. Ocorre que um “dono” se apresentou mandando que saíssem e com o apoio do delegado da polícia civil local ameaçou os rapazes. Eu nunca tinha falado com um delegado. Foram quatro meses de visitinhas à delegacia, fórum, juiz até botarem fogo no barraco de um dos moços. Depois de tanta luta, o Incra veio regularizar. O pretenso dono fugiu. Tinha comprado o papel da escritura no cartório, que posteriormente foi fechado pelo promotor.

Uzina: A vida aqui muitas vezes parece tão difícil, apesar de contarmos com tantos recursos materiais e afetivos…
Pe. Roberto: É, acho que a questão do apego influencia muito no empobrecimento espiritual. Mas se soubermos usar bem nossos bens e nosso saber, já evoluímos!

Uzina: Próxima missão?
Pe. Roberto: Moçambique, diocese de Nampula. Viajo dia 10 de fevereiro e fico lá três anos. Depois de dois, interrompo para umas férias. Do Brasil, a catarinense irmã Bernadete e eu nos juntaremos a outros seis missionários para atender 130 comunidades no interior do país africano. Levaremos nossa vivência dos valores do Evangelho e a certeza de que o povo moçambicano tem condições de conquistar uma dignidade de vida com justiça e paz.

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Janta de despedida, antes da viajem do Pe. Roberto

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Galera do Cenáculo de Maria na despedida

Juliano Rigatti“Quero que Deus me torne um verdadeiro irmão dessa gente”

9 comments

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  • Jac - 13 de janeiro de 2007 reply

    Muito bom. Entrevista muito boa, padre bonito. Ops 🙂 As fotos, ahm..
    fora de brincadeira, muito legal Ju.
    beijo

  • Juliano - 14 de janeiro de 2007 reply

    O Roberto é um ser humano admirável. Daqueles q já nascem determinados em fazer o bem dispostos em ter uma vida diferente da maioria.
    Valeu pelos elogios. Os que são pra mim. Beijo.

  • roberto heming - 14 de janeiro de 2007 reply

    Amigo Juliano,
    soubeste transformar um momento simples
    em algo solene e visível,
    te admiro,
    a Paz,
    Pe Roberto

  • Luiz Gustavo Rabaioli - 15 de janeiro de 2007 reply

    Assumir a missão e exercê-la constantemente é uma tarefa árdua que exige muita coragem e muita fé. Aos menos corajosos, como eu, cabe a oração diária em favor dos missionários. Abraço!

  • Jac - 16 de janeiro de 2007 reply

    Foi isso que eu quis dizer. Bonito no mais amplo sentido da palavra 🙂
    E os elogios, ah, nem tem mais graça. Tu já conhece todos.
    Beijos

  • Jorge Luis - 31 de dezembro de 2009 reply

    O Pe. /roberto Heming, é sem dúvidas um amigaço, um verdadeiro irmão em Cristo. Tive a felicidade de trabalhar com ele em muitos cenáculos realizados pelo movimento cenáculo de maria, do qual somos sementes em Canoas e Porto Alegre, que eu considero ser o seu berço (pois sempre dedicou-se muito à causa mariana), um verdadeiro apaixonado por Maria, Nossa amada Mãe Celeste. Ao Padre Roberto um forte abraço (Salve Maria!) Para qualquer contato, coloco meu e-mail.

  • neia lima - 25 de janeiro de 2010 reply

    padre
    sou amiga da sua prima irmã a juju que mora em viamão, ela gosta muito de vc e sente saudades de ti. nossa quando ela fala de vc eu me emocionoi muito prq vc pareçe ser um ser divino e muito querido por ela ela quer saber muito sobre o seu paradeiro se puder entre em contato com ela nem que seja pra dizer um oiiii . de

    sua amiga
    secreta
    neia lima

  • Tuane Pereira - 14 de abril de 2011 reply

    Olha o nosso Pároco! Estamos com esta figura aqui há quase 3 anos, e com certeza já aprendemos muito com ele. O que mais admiro nele é a maneira simples de como ele vive, para evangelizar e ajudar os outros desapega-se totalmente das coisas materiais. Humilde e alegre está sempre próximo dos que mais precisam. Este cara é demais.
    Como ele mesmo sempre nos fala:
    A Paz!

    uzina - 21 de abril de 2011 reply

    Oi, Tuane. Mas é exatamente isso que mais admiro no Pe. Roberto. É um graaande padre! Estou com muitas saudades dele. Tu me mandas o endereço da paróquia e os horários das missas? Quero revê-lo.

    Abraço grande, Juliano Rigatti

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