Só o Bento salva

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Estou longe de ser pai, mas sabem que esses dias eu pensei na sensação que deve ter um bebê? Nas coisas boas de se ter um, claro. Estava eu no mictório do banheiro da empresa, indo embora, quando lembrei do Bento, o meu sobrinho. Minha cabeça quase latejava de tanta preocupação, com tanta coisa que não dera certo, que me deixavam desgostoso com a vida. E lembrava do Bento a cada pouco. E pensava em vê-lo quando chegasse em casa. Mesmo que soubesse que ele não estaria lá, me esperando, pensar no Bento e na forma como ele leva a vida, me transportavam dali.

Com pouco menos de um mês entre a gente, o Bento vive para sustentar o seu corpo e – por que não dizer? – a sua mente. Para o Bento, este mundo novo é habitado por apenas dois únicos seres: o seio da minha irmã – ah, se ele desconfiasse que são dois! – e as cólicas do seu tubo digestivo. Chora, porque é a sua única forma de comunicação, e logo vê seu desejo ser atendido. Dorme e sonha com alguma coisa que eu nem desconfio o que seja. Meu palpite é que ele veja um seio, bem grande e farto de leite. Porque às vezes, enquanto dorme, sem saber, o Bento sorri.

Gente, o Bento ainda nem sabe que suas mãos existem. E não sabendo que tem mãos e que tem pés, tampouco tem noção de seus pensamentos. Quando eu olho pro Bento e tenho a convicção que nada mais passa pela sua mente ao não ser o desejo de se alimentar, confesso que dá uma inveja boa.

Porque será que em algum trecho da nossa vida, alimentamos nosso cérebro com a noção do caos? Por que será que sempre as coisas têm a possibilidade de darem errado? Por que o nervosismo antes da prova ou antes da apresentação, mesmo nos casos em que você tem a plena convicção de que domina o conteúdo? Por quê? Sei que há explicações da ciência, da psiquiatria e da psicologia que dão conta de quase tudo. Mas tenho direito de desejar que um dia meus pensamentos trabalham apenas a meu favor, assim como trabalham pra mim minhas mãos e minhas pernas.

Volta e meia me pego pensando no Bento. No quanto o amo e no quanto invejo o estágio da sua existência. Nos dias em que nada dá certo e que a cabeça não ajuda, penso no Bento. Nesses dias, só o Bento e a sua singular forma de existir salvam.

Juliano RigattiSó o Bento salva

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  • Luciane (amiga da Ana) - 10 de maio de 2009 reply

    Juliano, estou adorando os textos sobre o Bento! Me permita um comentário técnico, como psicóloga, sobre a questão do caos que nos atormenta nas situações que referiste…Uma teórica da psicanálise, Melanie Klein, responderia mais ou menos assim tua questão: “É o seguinte: Juliano, vc está certo quando diz que o Bento sonha com um seio bem grande e farto de leite. Mas o que vc talvez não saiba, é que quando o Bento chora, esperneia, e não parece haver um motivo evidente, ele sente que o seio farto e cheio de leite não está disponível…tudo para ele então parece um caos. E o caos dura até o momento em que ele se acalma por sentir que a Ana ou o Luis estão ali e lhe dão colo, carinho, calor, ou quando é amamentado. Ou seja, a sensação de caos já está presente no bebê mesmo quando a sua única preocupação parece ser mamar e dormir…” Parabéns pela sensibilidade com que escreves!
    Um abraço, Luciane

    uzina - 23 de agosto de 2009 reply

    Luciane, acho que nunca respondi esse e-mail, né? Desculpa. Primeiro, a culpa é do excesso de zelo. Queria sentar e responder com calma. Depois, me perdi na poeira da rotina e esqueci mesmo. Que bom que gostaste do texto. Como diz uma amiga, o segredo é que é de coração. Daí, tudo rola. 🙂 Obrigado pela contribuição técnica. E te digo que esse guri ainda vive esse caos todo, manifestado nos beirreiros que ele abre aqui em casa ou quando a mãe dele pega no telefone para falar conosco. 🙂 Tem mais um texto do Bento lá no blog (link abaixo) e outros no forno. Pretendo continuar acompanhando pela Uzina o crescimento desse guri tão esperado. Beijo, obrigado pela visita e volte sempre. Juliano Rigatti.

    http://uzina.wordpress.com/2009/07/23/bento-e-bento/

  • Marla - 11 de maio de 2009 reply

    Ai, Ju, com certeza a simples menção a essas criaturinhas tão fofas é suficiente para nos tirar do meio do caos por instantes.
    Quando estou cansada, irritada ou ansiosa, é só olhar para a carinha fofa da Valentina me sorrindo que todo o mundo parece não importar e me sinto a mais poderosa das criaturas.
    Parabéns pelo texto, ótimo como sempre!
    Bj

  • Ana Paula (a mãe) - 11 de maio de 2009 reply

    Lindo, de novo! Com certeza muitos trabalhadores do Brasil gostariam de chegar ao fim do dia e encontrar essa criaturinha em casa… O Bento, apesar de nos deixar, as vezes, angustiados com suas cólicas e chorinhos, é um lindo sinal de Deus entre nós…É difícil não ver nele traços nossos (meu, teu, do Luís, dos Rigatti, dos Scherer, dos Reinehr). Isso é o mais lindo, a continuação de nossa existência. Mas acredito que ele já tens seus problemas diários: mamar, aguentar as cólicas, fazer cocô, avisar que está mijado… Claro, são problemas que já nem sentimos mais, mas para ele, um grande leão para matar todo dia!

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