Dieta, a abominável

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Já disse e repito: alguém que deseja uma vida sustentável deve, em primeiro lugar, vencer seus próprios instintos. A teoria que prego é oposta a que nos trouxe até aqui, com polegar opositor, nariz que se projeta em direção ao oxigênio e coluna ereta. A obediência ao instinto não nos faz evoluir. Pelo contrário. Pra mim, o instinto nos leva à ruína, à perdição. Portanto, trate de vencê-lo. E ele está por toda parte.

Imagine-se no rigoroso amanhecer do inverno sulista. O celular toca o alarme das seis da manhã. A ponta gelada do nariz é a primeira parte do corpo a perceber a atmosfera fria. Os olhos abrem, um a um, com sofrimento. Braços e pernas se comprimem e o corpo todo grita pra ficar. É o instinto. Se obedecesse a vontade maior e ficasse na cama mais quinze, vinte minutos, perderia o ônibus. Atrasaria a chegada no trabalho ou na escola. Mas ficar na cama quente significaria minutos preciosíssimos de inigualável conforto e prazer. Você inventa pra si mesmo duas ou três desculpas razoáveis do tipo ah, uma vez na vida também.. não vai acabar o mundo. Ou ah, nem me atrasei essa semana ainda. Mas, no fim das contas, nada disso o tirou do caminho. Você respirou fundo, fez cara de bravo, franziu a testa. Levantou e, em tempo, honrou seus compromissos. Você venceu o instinto.

Tenho mais um exemplo. Há mais de cem páginas a serem escritas. Trabalho de conclusão do curso de fisioterapia. O tempo encurta ao passo que as desculpas para não escrever aumentam. Tudo é motivo pra não começar. Ou a pesquisa bibliográfica não está completa. Ou rendo mais de manhã e já passa do meio dia, agora só voltarei ao texto no dia seguinte. A vontade é de repousar na inércia e gozar o ócio do momento. Nada de esforço. Assim que a batalha entre o dever e o instinto começa a ser travada, surge o diálogo aquele, o apaziguador. Tá bom. Só mais hoje de vadiagem. Amanhã começo afú. É o instinto travestido de meras desculpas. Amanhece e nada. O instinto joga contra a iniciativa, contra a força de vontade, contra a obstinação. Todos, cada um, ingredientes mínimos de uma vida vencedora.

Agora, quer saber qual o maior vilão do instinto? Eu digo. Chama-se dieta. Porque exatamente o alimento é o elemento central da vida da espécie humana. Isso, cen-tral. A necessidade por comida tirou o homem das cavernas, de artista rupestre transformou-o em desbravador, atirou-o à caça. Da diversificação do cardápio, surgiu a agricultura. A genialidade do fogo encontrou a sua maior utilidade no cozimento do jantar. Pouco mudou. O século XXI ficou marcado pelos aniversários comemorados em rodízios de pizza ou pelos churrascos organizados para desvendar os amigos secretos. Onde dois ou mais estão reunidos, lá está ela: a comida. O alimento significa, hoje, pra mim e pra você tudo o que ele representa pra evolução do ser humano através dos tempos todos.

E é com essa arma que o instinto enfrenta, poderoso, a dieta. A mais ávida das batalhas. Por isso é que o homem que espera tornar-se um ser evoluído busca ignorar, com espírito guerreiro, uma travessa de macarronada e bifes à milanesa. E todos comendo e servindo-se à sua volta. Seu objetivo é levantar, vencer o instinto de comer e comer até quase explodir. Até o próprio instinto dizer chega. Sua meta maior é dar as costas para a mesa com bravura. É como se o futuro da espécie humana estivesse em jogo naquele instante.

Decidi ao meio dia de um dia desses das férias ter uma vida sustentável. Vou lutar. Juro que tentarei resistir aos saborosos e aquecidos alimentos, optando, em vez da repetição deles, por mais duas folhas de alface. Tornar-me-ei ­­­um ser evoluído.

Juliano RigattiDieta, a abominável
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