A lucidez do Bento

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Eu vejo divindade nos bebês. Especialmente no meu afilhado Bento, que acaba de completar um ano entre a gente. Desde antes do seu nascimento, falei muito do Bento aqui. Mas nunca disse o quanto admiro a sua lucidez, a sua divindade.

E a divindade do Bento me fez entender que quanto mais crescemos, mais precisamos redescobrir a divindade que está escondida dentro de nós. Divindade esta que, para ser bem ecumênico e atingir a todos, pode ser entendida por alegria de viver, entendimento do nosso universo ou coisa que o valha.

Fica observando um bebê com seu pouco mais – ou pouco menos – de um ano de vida. Observa. Todos os seus hábitos, suas reações e manifestações são incompreensíveis pra nós. Como se eles se relacionassem com a vida e com seus elementos essenciais de um jeito particular. Como se vivessem indiferentes aos nossos padrões de existência. Muitos até chamam isso de inocência.

Observa.

Uma colher não é uma colher como são para nós, adultos, as colheres. É mais. É alguma coisa especial, grande, com curvas engraçadas, que brilha e emite sons divertidos quando batida na mesa ou jogada no chão.

Você chama um bebê e ele não atende. Mas quando você o esquece, ele fixa o olhar em você como se você fosse muito diferente dos demais.

Você faz as suas palhaçadas, tapa e destapa o rosto, planta bananeira e nada detém a atenção do bebê. Mas quando a mãe ou a avó batem palma bem de longe, lá de longe, seu sorriso se enche de gengivas.

A mamãe quer dar-lhe de comer e ele recusa. Recusa porque viu algo de novo em algum lugar da varanda. Algo que merece toda sua energia naquele momento. Ele age como se cada momento fosse nunca mais voltar. Sábio ele, hem?

Sem os nossos vícios de adultos, os bebês gargalham e apontam para os passarinhos. Espantam-se e balbuciam sons sem sentido. Contemplam as flores por meses e meses até crescerem, receberem nossa influência e passarem a preferir os shopping centers e os smartphones. Sem a nossa desconfiança, os pequenos admiram-se com um conjunto de lápis de cor e saem rabiscando formas que fingimos que entendemos – como num teste de psicotécnico – só para recompensar a sua dedicação.

São divinos esses bebês porque enxergam a vida com a lucidez que nós já perdemos. És divino, Bento.

Quando olho pro meu afilhado e faço sinal de positivo, ele só me olha. Enquanto eu espero a repetição do mesmo gesto que consiste em cerrar o punho e esticar o polegar. Ele só me olha. Como se me admirasse.

A vida é duma simplicidade pros bebês! E não será esta a mesma vida que vivemos nós?

Adultos retiram Deus de suas vidas e ficam cegos para as graças que o mundo nos apresenta a cada repetição ímpar do nascer do sol. Adultos preenchem suas horas com coisas quaisquer e nunca têm tempo para o que admitem ser essencial. Adultos são gente estranha procurando entender a dinâmica cerebral dos bebês. Dos bebês e da sua divindade.

Atrás das portas aqui em casa há uma bolinha de borracha presa no chão. Sua função é evitar que a macaneta da porta bata na parede quando aberta repentinamente. Todos os finais de semana, Bento tenta tirar a tal bolinha dali para brincar e não consegue. E não entende. Por que a bolinha não pode vir brincar comigo? Por que, meu Deus?

Quando Bento me ver fazer um sinal de positivo e me devolver o mesmo gesto, vou passar a entendê-lo melhor. Quando Bento entender a razão pela qual aquela bolinha cinza e suja está presa ao chão, Bento terá crescido. Bento será mais previsível, mas menos divino, menos lúcido. Bento será só mais um de nós, crescendo para tornar-se cada vez mais só mais um de nós. Um esclerosado.

Juliano RigattiA lucidez do Bento
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