De todo o amor que tu tens

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Fui saber quem foi a Dona Cila há pouco tempo. Desde bem antes de conhecê-la, uma canção com o seu nome, composta e interpretada por Maria Gadú, sua neta, mexia comigo, não me saía da cabeça. Gadú diz o seguinte logo no início de sua poesia musicada:

De todo o amor que eu tenho
Metade foi tu que me deu
Salvando minha alma da vida
Sorrindo e fazendo meu eu

Era uma noite gelada e chovia bastante também. O Tio Brandão, que nunca fora parâmetro para assuntos de temperatura porque nunca sente frio, vestia um moletom e podia-se especular se havia pelo menos uma camiseta por baixo dele. Era possível que não. Samanta, mais alguns astutos mortais e eu o ouviríamos ministrar o curso de Batismo no salão paroquial da igreja Nossa Senhora da Saúde, no bairro Teresópolis, zona sul de Porto Alegre. Com muita alegria, nos preparávamos para ser padrinhos da Rebeca, filha do Juliano e da Melissa.

Alguns podem estranhar que seja necessário uma preparação para tornar-se padrinho ou madrinha de alguém. Mas tem que, sim. O Espírito Santo falou por meio do Tio Brandão aquela noite e plantou em nossos corações esse significado: o desejo e a responsabilidade de dar, de ensinar à Rebeca, o amor, que é de Deus.

Naquela fria e encharcada noite de quarta-feira, ouvimos que Deus nos amou desde o início, nos projetou e desejou que estivéssemos vivos. Por alguma razão desejou isso. Um dia, bem antigamente, o homem, tomado de vaidade, afastou-se do amor, e tomando o caminho contrário, desejou ser Deus. Assim, nasceu o pecado com Adão. Desde lá, o homem tropeçou e caiu muitas vezes tentando viver sem compreender o amor. Até que Jesus Cristo, o próprio filho de Deus, veio ao mundo nos dar a prova mais amorosa e mais definitiva: sofreu até a morte como exemplo de como devíamos nos comportar para sermos felizes.

Mas a Rebeca não sabe de nada disso.

Em princípio, seus pais e padrinhos apenas desejam que se cumpra nela o plano de Deus e que ela seja feliz. Mas ela não será feliz se não aprender a amar. “Ela não amará se não for amada primeiro por vocês”, sentenciou o Tio Brandão. Há poucas chances de a Rebeca ser feliz se não dermos a ela o amor.

Tem mais. Como diz a letra de Gadú, esse amor salvará a Rebeca da vida. Da vida que nos chama de volta à vaidade, à inveja, à competição, ao individualismo, que são sentimentos e comportamentos  originais do animal que reside dentro da gente e que é atraído todos os dias pela forma como a sociedade nos valora. Não resistir a isso, praticando o amor, é pecar. Pais e padrinhos são chamados a dar, a ensinar ao filho e afilhado metade deste amor, como também diz a canção. Para que ele busque todos os dias da vida, com sua liberdade, a felicidade completa.

Mas de que amor estamos falando? Mesmo sem compreender isso tudo, que pais e padrinhos não vão amar seu filho e afilhado? Facilmente, confundimos amor com afeto. O afeto gera prazer. O amor, nem sempre. O amor precisa ser praticado com consciência, é mais razão que emoção. O amor quer mais que carinho, quer até mais que noites em claro, quer mais que o sacrifício de dar atenção quando a novela está no seu capítulo final. O amor criado por Deus e vivido por Jesus Cristo é uma atitude que exige a nossa entrega pela felicidade do outro.

Pais e padrinhos, entendam o significado do Batismo para suas crianças e vivam com alegria essa responsabilidade. Torná-las filhas de Deus é ensiná-las a amar, para que sigam o plano de Deus, para que sejam felizes. Ensiná-las o amor é a metade de tudo. Acho que era por isso que a Dona Cila sorria.

Juliano RigattiDe todo o amor que tu tens
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