Bento e seus limites – parte 1

4 comments

Como o nascimento, tem uma outra cena do meu afilhado, o Bento, que, suponho, jamais esquecerei. Estávamos todos brincando com ele, ele com pouco mais de um ano, quando pôs-se de pé.

Sorriso nu e faceiro no rosto, corpo instável sobre duas perninhas que pareciam não estar preparadas para suportar aqueles poucos quilogramas. Bento cambaleava. Bento parecia ter sido embriagado. E sorria. E a expectativa de todos é que ele desse o primeiro passo, e depois o segundo e o terceiro. Estávamos posicionados em lugares opostos da cozinha, e cada um, em seu íntimo, imaginava-se agachando e esticando os braços para recebê-lo. Achávamos que ele caminharia cada vez que colocava-se na posição ereta, conquista de nossos ancestrais. Ele sorria de novo, as bolinhas escuras dos seus olhos iam de um lado pro outro, alegres como a boca. Mas Bento sentava-se repentinamente, num tombo, e parecia feliz.

Bento repetiria aquela posição muitas e muitas vezes até fortificar-se, até caminhar. Ao contrário dos demais, era a aparente indecisão que me encantava, quando ele sorria pra nós e parecia dizer: “Uma hora dessas eu vou caminhar, vocês vão ver. E quando eu decidir caminhar, preparem-se, senhoras e senhores”. E caía de bunda.

Tem uma história bonita sobre a vida da gente que nos compara a pratos de porcelana. E diz que a gente precisa decidir crescer e transformar-se em pratos grandes, mesmo que, maiores e com menos controle de nosso corpo no espaço, aumentemos o risco de rachar, de quebrarmos, de produzir rachaduras. Mas precisamos decidir por crescer. Precisamos nos colocar à prova. Para não corrermos o risco ¬¬– termina a bela história – de sermos úteis apenas para acomodar a sobremesa dos convidados. E quem convida alguém para servir apenas a sobremesa?

Todos temos limites, bem sabemos. Uns querem mais que os outros transpor essas divisas e ver logo, de uma vez, o que há do outro lado. E como serão quando chegarem neste outro lado. Outros, ao contrário, preferem ir vivendo a vida, cuidando para não se aproximarem das demarcações, das fronteiras do caminho. Um caminho que, nenhum dos dois, sabe bem qual é.

Uma criança ainda não sabe, mas caminhará. Mais cedo ou mais tarde, caminhará. Caminhará quando seu corpo, quando sua estrutura óssea, estiverem preparados, quando seu cérebro estiver suficientemente adaptado ao mundo dos gigantes. Agora, diferentemente ao ato de caminhar e falar, por exemplo, há decisões na nossa vida, a de crescer e transformar-se de prato de sobremesa para prato de refeição, que depende só da gente mesmo. A gente é que decide encarar os desafios da vida, explorar o desconhecido para nos tornarmos mais fortes, mais testados, mais experientes.

Aprendi que o mais importante é a consciência de que a decisão de ficar ou de partir estará sempre nas nossas mãos. Seremos arrojados ou conservadores se assim o quisermos. É diferente do trio de sabiás que nasceu num ninho no pátio aqui de casa e que partiu esses dias. Nem pudemos curtir direito o momento sublime. Depois dos ovinhos, vieram as criaturinhas peladas, famintas e de olhos fechados. Víamos quase sempre com pescoço esticado, bico aberto para cima, à espera da chegada da comida, que a mãe trazia aparentemente no horário marcado. Logo em seguida, transformaram-se em pequenos pássaros, de penas novas, testando o ambiente em que nasceram para poder voar para longe dali.

Se o sabiá – a magestade, o sabiá – já encanta por seguir a risca o script de sua vida, mais cativante ainda é a história de uma criatura que depois que caminha e fala, porque assim quer a sua natureza, decide por sua conta e risco os caminhos que quer seguir. Nós escrevemos as nossas vidas a cada decisão, a cada “sim”, a cada “não”, a cada proposta, a cada cerveja que combinamos tomar com um amigo. Seja você cristão ou não, quero dizer que Deus nos criou e nos deu a liberdade. E será só nosso o mérito de como viveremos essa liberdade de explorar o mundo e suas infinitas possibilidades.

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=695RHHulK5I&fs=1&hl=pt_BR]

Juliano RigattiBento e seus limites – parte 1
read more