A sabedoria do chimarrão

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O Vini, o cara que cuida das questões sociais lá da firma, é um baita cara. Sobretudo pelo que ele me ensinou sobre o chimarrão.

Mas antes do chimarrão, quero falar pra vocês sobre velas.

Velas sempre mereceram reflexão da minha parte. Porque a vela, enquanto ela pratica o seu único e essencial ofício, o de iluminar os outros, ela se consome. Não há outro jeito. A cera que a sustenta de pé, que sustenta sua envergadura imponente, que sustenta no seu íntimo o pavil, precisa ser eliminada, enquanto seu cordão interno produz claridade. E não é uma escolha. Faz parte da sua trajetória conosco aqui na terra. A vela morre um pouco a cada instante em que concede, gratuitamente, sua luz. Esta é sua sina.

E poucos sabem que o chimarrão, esta tradicional bebida gaúcha, também precisa morrer um pouco, como a vela, para manter seus convivas felizes. Eu não sabia disso. Poucos sabem. O Vini é um deles.

O Vini é o fazedor oficial de chimarrão lá na nossa área. De origem italiana, ele traz do interior do Rio Grande o costume de preparar o mate bem cedo. E o mate do Vini só ganha elogios. Sabem porquê?

Eu conto porquê.

Porque cada vez que o Vini derrama a água quente da garrafa térmica para dentro da cuia, esta mesma água, antes de repousar no fundo do porongo, leva consigo um pouco da erva-mate. Fica mais forte. Com mais gosto da erva. Para manter o seu amargor, portanto, o chimarrão precisa doar um pouco de si. Necessita morrer um pouco a cada vez. Esta é sua sina.

Esta é a nossa sina.

Vivi pouco ainda. Mas o suficiente para compreender que este também é o nosso fado. O gaúcho e os outros seres humanos, para contribuirem com a paz de seu mundo, para a felicidade dos seus, para darem sentido às suas vidas, precisam morrer um pouco a cada dia, a serviço do outro. Como a vela e como o chimarrão.

Mas diferentemente da vela e do chimarrão, o gaúcho e os demais seres humanos podem escolher se querem preservar suas vidas ou se querem perdê-las. Talvez saibam que quem a preservar, irá perdê-la, e quem a gastar em favor do outro, irá ganhá-la. Talvez saibam. Mas diferentemente da vela e do chimarrão, por poderem escolher, não escolham isso. São livres, ora.

Se a vela não derrete sua cera, é incapaz de iluminar. Claro, concordo, serve como enfeite também. Se o chimarrão não leva consigo a erva, dura uma manhã ou uma tarde inteira, mas perde seu amargor.

Não é possível viver sem deixar um pouco de si. Mas viver de verdade. Se morremos, vivendo para nós, não levamos nada e não deixamos nada. Passamos sem existir.

Diferente da semente, a mais fundamental de todas as formas de vida. Essa é para os que não precisam de uma vela e não tomam chimarrão. Mas conhecem as sementes. Se a semente não morre, se ela não doa sua singular existência, não pode brotar, não pode produzir seus frutos.

Juliano RigattiA sabedoria do chimarrão
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