Caixa de bombom

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Dia das crianças me lembra caixas de bombom. Minha avó me dava caixas de bombom no Dia das Crianças. “Só uma caixa de bombom, vó?”, eu pensava. “Por que não um Comandos em Ação, uma tartaruga ninja, um Playmobil?”, continuava desqualificando o seu gesto em pensamento. Lembro que a criticava por não vir falar comigo, não me botar no colo, não me dar conselhos sábios como nos filmes, não ser o tipo afetivo tradicional. Lembro de achar que minha avó não me amava. E queria me comprar. Com caixas de bombom.

Dia desses meu pai voltou da loja do Grêmio, em Porto Alegre. Voltou com um bonito pacote de presente, numa bela sacola. Pra mim. Me surpreendi. Meu pai não é das coisas. De dar presente a toda hora. Mas entendi depois. Meu pai me disse que a sua mãe — a minha vó, a das caixas de bombom, que era muito gremista – estaria de aniversário naquele dia, e já que ele não podia a presentear, estava dando a mim aquele presente. Bonito, pai. Também te amo.

Nesse Dia das Crianças, espero que todas as crianças que, porventura, não recebaramm presentes, não decepcionem-se. Pessoas como a minha avó e meu pai amam. Nem sempre dizem, mas amam. Às vezes, o presente também não vem. E isso não quer dizer que não  amam. Mais. Se receberem só uma caixa de bombom, lembrem-se que o amor, o amor verdadeiro, sempre é manifestado, e, às vezes, é preciso entender o seu manifesto. Às vezes ele pode ser simbolizado por uma simples e barata caixa de bombom.

Juliano RigattiCaixa de bombom
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A lição dos Amigos Secretos

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Prometam uma coisa. Uma só coisa. Seja no trabalho, entre os amigos, no futebol do marido, na creche da filhinha ou com a família, prometam somente uma coisa neste fim de ano: participem e valorizem os Amigos Secretos – ou os Amigos Ocultos, se preferirem.

Mais que isso. Façam isso não só neste mês. Valorizem-nos para todo o sempre.

Há uma boa razão. O Amigo Secreto, na sua forma original, lá na nossa infância, no deixou uma fundamental lição. E por isso, pelo legado que ele nos deixou, devemos reverência a ele. O Amigo Secreto nos ensinou, desde cedo, o significado da mais importante mazela da nossa sociedade: a injustiça.

Sei que é quase inacreditável, mas eu lembro como se fosse hoje.

Nunca mais um Amigo Secreto foi o mesmo desde o dia em que um boné verde fosforescente da Colcci – à época em que qualquer um comprava qualquer coisa da Colcci – veio ofuscar a minha visão de guri da quinta série do primeiro grau. Ele era horrível, detestável e, sobretudo, vexatório. Eu não podia acreditar que teria que agradecer e dizer que havia gostado daquele presente estúpido e de inacreditável mal gosto. Eu não podia crer nisso. Pela primeira vez em todas a minha curta vida até ali eu estava sentindo o gosto amargo e repugnante da injustiça.

Eu que havia comprado um presente de qualidade, escolhido a dedo, daqueles que se escolhe pensando na pessoa, sabe? Eu mesmo tinha sido injustiçado. Por que aquele boné estava ali, na minha mão? O que ele tinha a ver comigo? O que ele queria de mim? O que ele queria me ensinar? Para que servia aquele objeto bizarro e brilhoso senão para ensinar-me a dura lição da injustiça?

Não suportei.

Desejava dizer à Monique, acho que esse era o nome da minha algoz, que eu não gostara do presente. Que, na verdade, eu o detestara. E, amigos, eu o disse. Meio acanhado, mas disse. E dois dias depois ela veio colocar na minha mão a nota fiscal que me autorizada trocar o tal boné. E assim foi feito.

E sei que isso já aconteceu com todo mundo. Todos, invariavelmente todos, já foram injustiçados na infância por um inocente e bem intencionado Amigo Secreto de final de ano. Todos.

Mesa grande, torta no centro, cachorrinho-quente, refrigerante em garrafa de vidro, brigadeiros, branquinhos, pasteizinhos dourados, cores e mais cores. Em um instante, tudo ia à ruína. Todo o encanto da festinha de final de ano e da surpresa que aguardava o momento das revelações, tudo desmoronava. A realidade se transfigurava enquanto você abria o pacote de presente e de dentro dele surgia uma dessas criaturas repugnantes. Porque era isso mesmo que eu via quando rasgava o papel colorido e avistava um par de meias, ou um baralho, ou um dominó, ou uma carteira do He-Man com figuras reluzentes que se alternam com o movimento do objeto. Repugnantes, era isso que eram aqueles presentes.

Na maioria das vezes, eu deseja, como toda a energia do meu ser, estar com o presente que eu mesmo havia dado. Sem sombra de dúvida que ele era melhor. Enquanto escolhia o presente, eu ainda conservava a empatia, o carinho e a preocupação com a satisfação do outro. Mas eles não. Eles nunca me respeitavam. Eu era, pela primeira vez, um injustiçado.

Mas teve uma vez, uma única vez, que eu também servi deste veneno. Mas sem culpa.

Estávamos às vésperas da festinha da escola e eu ainda não tinha comprado o presente do Luiz Fernando. Na real, não imaginava o que dar. Minha mãe veio com a solução. Como ela estava indo para o centro, passaria em uma loja qualquer e compraria uma camiseta. Topei.

“Mas nós?!”, eu reivindicava uma explicação convincente da minha mãe. Por que ela havia escolhido aquela camiseta que ensinava a fazer nós de marinheiro? Por que, meu Deus? Surf, futebol, marcas, mulheres, tudo bem, mas nós?

Luiz tinha a cara da injustiça no dia seguinte. Certamente, ele se fazia a mesma pergunta que eu havia feito à minha mãe há um dia. Por que nós? Com que cara eu olharei para as pessoas quando, mesmo sem ser um marinheiro, eu estiver vestindo uma camiseta que ensine a fazer nós?

Mesmo sem o peso da culpa, eu havia dado seqüência àquela sina. A de que os Amigos Secretos todos, sem exceção, surgiram na vida das crianças para que elas, desde cedo, aprendessem o gosto amargo da injustiça.

***

Não, gente! Há muitos anos que isso vem sendo diferente. O Amigo Secreto da empresa que revelamos esses dias, por exemplo. A Bel acertou em cheio. 🙂

Juliano RigattiA lição dos Amigos Secretos
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