E se fôssemos verbo?

2 comments

Eu sou um cara caxias. Manja caxias? O tipo que faz listinhas de pendências profissionais diariamente, que se preocupa com a pontualidade dos horários no trabalho, que não sai cinco minutos antes, que se grila com a caixa de e-mails cheia e quando marca duas consultas médicas na mesma semana.

Agora, pelo contrário, nada disso preocupa o Girardi.

O Girardi é o cara lá do serviço do Bacon. E o Bacon é o meu amigo que se casou em março desse ano com a Sheilinha. Casal bonito, amigos meus há bem mais de uma década, que de uns tempos pra cá, desde que moram naquele apartamento que é a cara deles, ama cozinhar e chamar a gente para provar. E já vive bem o casalzinho novo. A Sheilinha faz estágio, se forma logo-logo e tem um negócio que é só dela. Às vezes reclama que não vai bem o tal negócio. Mas é o sonho de boa parte de gente da minha idade e da Sheilinha ter um negócio próprio. E ela tem.

O Bacon é funcionário público do Estado. Sempre admirei o Bacon pela inteligência que ele tem pra tudo. De moquecas à complexidade de um choque elétrico de alta potência. Dia desses ficou ele lá nos explicando como um cara que ele conhece fritou os dedos de um pé e uma perna e braço inteiros por ser displicente numa manuntenção de rede elétrica. É sério: o Bacon tem uma facilidade impressionante pruma série de coisas. Especialmente para passar em concursos públicos. Já foi aprovado em uns 14, mais ou menos. Escolheu um. O mesmo emprego do Girardi.

Vou contar quem é o Girardi.

Ao contrário da minha pessoa e da do Bacon, o Girardi não é nem de longe um cara caxias. E nessa época do ano que acabamos de passar, de confraternizações, feriados prolongados e expedientes facultativos, nessa época, o Girardi faz a festa. Chega mais tarde, solta mais cedo e quando seu corpo está presente no trabalho, o msn o distrai a tal ponto que o Girardi simplesmente não faz nada de útil pros gaúchos contribuintes que pagam o seu salário. Nada.

– Lá na Secretaria, já criaram até um verbo pro comportamento do cara: girardiar – contou o Bacon dia desses, num dos nossos jantares na casa dele, regado a bons vinhos e, na ocasião, à tal moqueca capixaba. – Volta e meia aparece um nos encorajando: quê? vocês não vão girardiar hoje? – lembrou, com um sorriso de desgosto.

Como na nossa política e no trabalho do Bacon, o funcionalismo público brasileiro é famoso por girardiar. Todos girardeiam nele.

***

Agora, que tal se todos fôssemos verbos no infinitivo, como o Girardi. Imaginem se nesses tempos de reforma ortográfica nos permitissem também incluir novos verbos como rodrigar, por exemplo. Atualmente, rodrigar pra mim significar ser, ao mesmo tempo, sofisticado e simples. E fazer questão de dividir com os amigos a felicidade do casamento novo.

Sheilinhar.

Sheilinhar seria o mesmo que ouvir com apreço seja o que for que você tiver pra contar. Ouvir com olhos e sorriso de menina-mulher. Maturada ao molho da vida e de sonhos, que do seu amante são os mesmos.

***

E tu, que verbos tu tens na tua vida?

Juliano RigattiE se fôssemos verbo?
read more