Há uma Realengo dentro de ti

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Subtraia do trágico massacre de Realengo a doença mental daquele jovem que entrou na escola e matou uma dezena de crianças no último dia sete de abril. Desconte a suposta psicose que afligia aquele rapaz e tu verás que há um pouco desta Realengo dentro de ti.

A explicação disso começa pela vaidade. Esta vaidade que habita cada ser humano que trabalha, se diverte e usa mídias sociais debaixo do sol. Em determinadas situações, ela, a vaidade, leva você a pensar que é mais do que realmente é. E em uma determinada medida, isso é saudável, é parte de nossa sobrevivência. Eu, por exemplo, me acho muito mais bonito do que sou. Mas muuuito mais. E isso é ruim? Claro que não. Isso realça minha autoestima; deu-me coragem, inclusive, para procurar uma namorada um dia. Imaginem!

Bom, essa é a vaidade sadia.

Agora, uma hipótese. Suponhamos que eu ache que faço o melhor trabalho entre os meus colegas de empresa. Esta vaidade, que é destrutiva, que humilha o outro, se transforma em autossuficiência já, já. Eu passaria a querer fazer tudo sozinho, me transformaria em um centralizador rabugento. Pessoas subordinadas a mim não aprenderiam, não seriam testadas, não cresceriam, ficariam desmotivadas e sairiam da empresa sem que conhecêssemos o seu verdadeiro talento. As tarefas deixariam de ganhar a contribuição da equipe, eu ficaria sobrecarregado e, quem sabe, sem tempo de namorar aquela que conquistei a duras penas, apesar da minha feiúra.

Segunda conclusão: vaidade ruim é vaidade que julga o outro e o diminui.

Se da vaidade ruim nasce a autossuficiência, desta nasce o julgamento, que é, finalmente, pai da intolerância.

E tu és um ser intolerante.
Nato.

Quando não aceitas que o teu pai envelheceu e quer que as coisas tenham que ser do jeito dele. Tu, por acaso, não tens as tuas teimosias com a metade da idade dele? Tu não aprovas os comportamentos do amigo e, por isso, o excluis. Será que não tens tu também manias que o incomodam? Tu vês uma montanha de defeitos na tua namorada. E quais são os teus defeitos? Tu não toleras aquela colega do trabalho, que por ser mulher, não merece tal atribuição. Tu não suportas a valorização de um negro. Onde está provado que por serem diferentes homem e mulher, brancos e negros, não podem ser igualmente competentes? Tu não admites que os colegas da faculdade ajudem a fazer o trabalho em grupo porque acha que tudo que tu fazes fica melhor. Mas não está no espírito colaborativo a geração de conteúdo de qualidade?

A intolerância engessa o teu braço e não permite que o teu dedo seja apontado para ti mesmo. Tu só encontras a imperfeição nos outros. A intolerância te cega. E desta cegueira pode nascer a rejeição. A mesma rejeição que alimenta quem diminui um colega e quem resolve matar alguém. Resolve matar uma criança. Ou doze. Porque a tua religião assim o prega ou porque tu não dominas mais o animal autossuficiente que habita dentro de ti.

De um exemplo trivial de rejeição no ambiente de trabalho ao extremo de um massacre motivado por bullying ou por uma religião, está a intolerância. Que nos fez conhecer as guerras. O holocausto judeu. Que é filha do julgamento e parente de sangue da autossuficiência e da vaidade.

A gente se espanta com episódios como o de Realengo, no Rio de Janeiro. A presidenta até chora. Mas a gente esquece que do meio da dor, algumas lições podem brotar. Lições mais simples que uma nova e custosa campanha pelo desarmamento ou a instalação de detectores de metal na entrada de cada uma de nossas escolas. Uma delas, uma das lições, é, sem dúvida, a prática da tolerância.

Os pais deveriam ensinar a tolerância aos seus filhos, sabe? Deviam ensinar que o mundo é belo por causa de suas diferenças, de seus contrastes. Que o colorado só é feliz porque o gremista existe. Que ninguém é mais do que ninguém. Que a criança gordinha e a criança extrovertida merecem um do outro uma coisa chamada respeito. Que negros, mulheres e homossexuais são tão ou mais capazes que seus opositores. Que quem errou é tão falível do que quem acusou. Que o defeito do outro pode ser, vejam só, do tamanho da trave do olho de quem vê.

Juliano RigattiHá uma Realengo dentro de ti
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