Bento e seus limites – parte 2

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Bento, o meu afilhado de um ano e sete meses, chorou desesperadamente dias desses. E como chorou, contaram-me. De dar dó.

Chorou porque, depois de, acidentalmente, conseguir alcançar e pegar uma faca da gaveta que ficara aberta na cozinha aqui de casa,  tiraram-lhe tão rápido quem nem pôde perceber. Bento queria brincar com uma faca e não permitiram. E Bento chorou exaustivamente. Parou só quando percebeu que não fariam a sua egoísta vontade.

Da mesma forma como são desafiadas pela natureza a explorar seus limites físicos, motores e psíquicos, as crianças devem ser ensinadas sobre a razão pela qual chamamos isso tudo de limites. A palavra vem do latim limes, que significa caminho entre dois campos, fronteira, sulco. E, mais importante, ao perceber o limite entre o seu campo e o campo do outro, passamos a alfabetizá-la sobre sua responsabilidade com a coletividade. Somos todos responsáveis pelo outro, quase mais do que por nós mesmos.

Tão logo cresça, a criança logo ficará triste porque, embora observe e seja atingido pelas atitudes do outro, não poderá julgá-lo. Como adulto, colecionamos defeitos e características que desagradam quem convive conosco e só por isso, porque também erramos, não temos o direito de apontar nosso dedo. A criança aprenderá que precisa cuidar de si, do seu campo, e por meio de suas escolhas e por meio de seus exemplos, melhorar a vida do outro e a vida de todos, por consequência. A mão que aponta um dedo, dizem, direciona outros três para o juiz. Esteja certo que ninguém te olha agora e faz o teste.

Outra lição que o limite ensina à criança é sobre a transgressão de regras. Se valorizo o campo do outro, respeito as regras impostas. Desde a faixa de segurança no trânsito, passando pelo volume do som no meu quarto e chegando ao cigarro que fumo em lugar público fechado. São regras desnecessárias em uma sociedade que valoriza o outro, mas fundamentais para adultos que, na infância, não aprenderam algumas regras básicas.

E o último aprendizado que quero lembrar está bem na moda há alguns anos. Ao tirar a faca da mão do Bento, ele aprenderá, a duras penas e mililitros de lágrimas, que não pode fazer o que quiser com o ambiente em que vive, que precisa repensar seus atos. Estamos cercados de uma natureza com recursos finitos, que espera de nós um pouco de consciência. Consciência de que não podemos só consumir o que ela produz sem pensar em contribuir para a sua sobrevivência. Que natureza vamos entregar aos nossos filhos, e que filhos vamos entregar à natureza? É de se pensar.

Tudo isso é de se pensar.

Juliano RigattiBento e seus limites – parte 2
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