Coisas que o Bento não verá

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Amigos e amigos que acompanham o caminho do Bento a este mundo, digo-vos que ele está perto. A contagem regressiva, aprendi, é feita em dedos de dilatação. Ele está a nove deles de mostrar-nos a força e a disposição do seu pulmão e da sua goela. Porque é como se já soubéssemos o que nos aguarda nesse mundo maluco e daí nascemos chorando, berrando. No caso do Bento, uma das razões do choro, da lástima e da tristeza também será o que ele ouviu dizerem dele esses dias, do lado de fora da barriga: pela ecografia, ele se parece com o tio! Essa o Bento não suportará. Mas o motivo das lágrimas do Bento no dia tão esperado também será a dor da mudança. Nascemos alheios à ela, nascemos inflexíveis e resistentes. Se pudéssemos escolher, continuaríamos lá, naquele útero claro e macio, recebendo de nossa mãe o alimento e o amor necessário, dormindo e acordando, com o único propósito diário de dar chutinhos e soluçar.

Mas o inflexível e resistente Bento, que chegará a capital dos gaúchos daqui nove dedos de dilatação, embora chore e esperneie, terá que se acostumar com o mundo assim mesmo como ele está – por pior que ele esteja.

Já posso ver o Bento firmando suas pernas gordas na grama verde aqui de casa e perseguindo os sabiás e as formigas pela calçada. E mais tarde, quando já puder falar o nosso bonito idioma, como o mais velho representante da nova geração dos Rigatti, também já posso vê-lo pedindo-nos para explicar o significado de coisas com as quais crescemos junto e presenciamos a sumária extinção.

Trema, hífens e acentos nunca mais estarão presentes na mesma quantidade em que nos fomos alfabetizados. O Bento terá fluência e outra língua, praticamente. E rirá dos pais e do tio quando escrevermos mega-sena, assim, com hífen, e quando ouvir nós dizermos que tivemos uma grande ideia, assim, com acento agudo.

Como explicar pro Bento a utilidade daquele pedaço de plástico onde carregávamos minúsculos 1,4 megabytes e chamávamos de disquete? E por que a avó dele não está no Orkut? Ou por que ele não encontra mais a gordura trans por mais que a procure nos rótulos das bolachas recheadas? E se ele quiser saber qual era o gosto dela, o que fazer? E se ele quiser saber como as pessoas encontrava umas as outras sem celular, que que a gente diz? E se ele perguntar se aulas de datilografia com máquina de escrever era para criar músculos nos dedos, eu nego? E se ele quiser ensinar pros amiguinhos do Twitter o passo-a-passo de como engatinhar?

Olha, sei lá. Vou mandar ele se catar e ir procurar no Google.

Juliano RigattiCoisas que o Bento não verá
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A pauta está errada!

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No jornalismo, dizemos que a pauta está errada quando uma matéria aborda um assunto pelo  ângulo menos importante do acontecimento. Como se, ao final de uma partida de futebol, um jornalista da editoria de esportes deixasse de informar o resultado e o melhor jogador em campo para avaliar a qualidade do gramado e as condições das redes que são presas às traves e que seguram a bola na hora do gol. A menos que os buracos no campo tenham influenciado muito no resultado do jogo; e o time vencedor tenha feito seu gol furando a rede, o que teria posto em dúvida a validade do lance. Só se fosse assim, a notícia principal seria a grama e as redes. Se não, sempre, o mais importante da fala de um repórter ao final de um jogo é o placar o impacto deste placar na campanha dos clubes ao longo do campeonato.

Para mim, jornalista e cristão, a pauta sobre a Igreja Católica está errada.

Talvez pelo que houve de mais repugnante na sua história, como as cruzadas e a inquisição. Talvez porque ela tenha em seus dogmas um conservadorismo polêmico. Talvez porque ela se manifeste publicamente nos momentos mais inconvenientes. Talvez por tudo isso, hoje, infelizmente, a Igreja Católica virou notícia no Brasil não pelas seus incontáveis benefícios à sociedade, mas pelas suas contradições.

Sou contra o aborto, como a Igreja, porque sou contra matar. Mas sou a favor dele, em caso de risco de vida para a mãe e da impossibilidade natural dela levar adiante a gravidez e o desenvolvimento do bebê. Acho que, neste caso, se temos tempo, pelo menos um precisa ser salvo. Acho que foi para isso que Deus me diferenciou dos macacos, permitindo-me pensar. E mais: se não pudesse realizar um milagre para salvar os dois, tenho a impressão que Deus não discordaria desta minha opinião. Agora, não consigo admitir que matar um bebê inocente possa ser a solução para um crime dessa natureza. Não consigo aceitar que matar um bebê inocente possa ser o único jeito de livrar a mãe da lembrança daquele dia. Nem que matar seja a única forma de evitar que tenhamos entre nós mais uma criança lesada psicologicamente. Não consigo.

Sou contra a proibição da camisinha. Mas a propósito da opinião da Igreja sobre o assunto, fico sempre me perguntando no efeito moral que a distribuição dela aos montes pode causar na cabeça daqueles que não sabem o que é o sexo. No Carnaval, por exemplo. Não, o sexo não é um lazer como qualquer outro. Se fosse assim, se ele fosse um playground, não teríamos tantos dedos para falar sobre ele com as crianças, com os filhos, e, às vezes, até com pessoas adultas, próximas de nós. Se ele fosse como um escorregador ou uma gangorra de uma pracinha, não teríamos tanta gente grande nesse país traumatizada porque um adulto brincou de sexo com ela em uma idade inadequada. Sexo precisa de responsabilidade, precisa de entendimento, de sensatez, de sobriedade, de maturidade. E para quem for praticá-lo munido de todos esses princípios – se for com a pessoa que ama, melhor ainda –, esse, sim, deveria poder optar pela camisinha e tê-la ao seu alcance. Que seja em um pedágio em direção à praia ou às mãos de um agente no Ministério da Saúde ao lado de um trio elétrico.

O que eu lamento, como jornalista e cristão, é que a Igreja Católica somente vire notícia no Brasil quando a pauta não é a seu favor e a favor do que tenta ensinar; quando a pauta põe a sua importância em xeque, põe os seus benefícios vitais em discussão.

Nasci, cresci e me tornei jovem frequentando a Igreja. E hoje, sentado em frente ao computador na empresa onde trabalho, em uma sinaleira ou em uma balada, às vezes tenho insights de como seria correto agir em determinadas situações. Sou levado a pensar como Jesus Cristo agiria em determinados momentos. Como um cristão deve agir. E quase sempre, depois de resolvida uma situação, me sinto um privilegiado por ter no meu currículo o aprendizado da fé.

Neste exato momento, de noite ou de dia, enquanto você está aí confortavelmente sentadito um uma cadeira em frente à este modernoso equipamento, um padre ou um irmão religioso ou irmã religiosa estão em alguma periferia do mundo, realizando um ato de total doação, arrancando um sorriso ou um olhar de alívio e de esperança de algum ser humano como você e eu. Mas que nasceu desprovido de dinheiro, de saúde e de educação. Este cristão deixou para trás uma família, um projeto pessoal e o conforto de sua terra para cuidar de alguém que precisa. (Tenho a honra de conhecer dois desses — e sobre um deles até já falei aqui). E só porque ele não está excomungando, não está proibindo o uso da camisinha ou do aborto, ele não existe para todo o resto da humanidade que lê jornal, assiste televisão ou faz buscas no Google.

Infelizmente, para muitos, a Igreja Católica, essa pedagogia das lições de vida de Jesus Cristo, ainda é só um conjunto de dogmas arbitrários, irracionais, atrasados, contraditórios e inúteis.

Infelizmente.

Juliano RigattiA pauta está errada!
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Qual a sua opinião?

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Esta é para quem acompanhou o caso da menina de nove anos que engravidou de gêmeos depois de ser estuprada pelo padastro.

A Igreja Católica excomungou os envolvidos na decisão e na execução do aborto, com exceção de quem a violentou. A legislação brasileira autoriza o aborto pra os casos de estupro e de risco de vida da mãe.

O fato estava, portanto, coberto pela legislação em ambas as situações — já que com a idade que tinha, o corpo da menina não teria condições de levar adiante a gravidez.

Pergunto: 

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Juliano RigattiQual a sua opinião?
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Fim do mistério

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Essa noite eu ponho fim no mistério que mobilizou boa parte dos meus trinta e poucos assíduos leitores — cinco, para ser mais exato.

Trata-se do mistério do absorvente interno. Entenda-o no breve texto que está  aqui neste link.

Atenção para a revelação.

É uma barbada: comprei a revista Tpm para conhecer — a edição com a capa ali de baixo — e um gentil anunciante fez chegar até as minhas mãos masculinas um colorido e reluzente absorvente interno. Simples assim.

Portanto, aprendi e ensino a vocês: não comprem revistas do gênero que não seja o seu. É um perigo.

Tpm

Tpm

Juliano RigattiFim do mistério
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Meu medo de Jason

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Eu me rolava na cama aquela noite. Eu era uma criança. Uma criança assustada. Quase via vultos de uma pessoa enorme andando pela casa, decidindo se entrava no meu quarto, enquanto eu me virava de um lado pro outro com o coração apertado. Eu tinha medo. Medo de que ele viesse para me pegar e me machucar com a sua brutalidade. Medo, muito medo eu tinha.

Já devia ser bem tarde, todos dormiam, minha irmã inclusive, e eu resolvi fazer uma promessa. Pra poder dormir. Não sei bem pra quem foi a tal promessa. Só lembro que prometi nunca mais ver Sexta-feira 13. Nunca mais. Em troca, só queria dormir. Queria que ele e sua sombra gigantesca fossem embora e me deixassem dormir um sono tranquilo. O sono tranquilo de uma criança. As cobertas taparam todo o meu pequenino corpo e adormeci.

Passou um bom tempo.

Era uma noite de temperatura amena e algumas pancadas de chuva em Porto Alegre. Segunda-feira passada. Ventava bastante. Oitos pessoa, a escuridão e dezenas de poltronas vazias faziam-me companhia naquela sala de cinema. Eu estava inquieto. E a ansiedade em revê-lo gelava meu estômago vazio. A promessa estava sendo quebrada: eu havia voltado ao Cystal Lake e Jason e eu nos reencontraríamos. E foi bacana.

Escutar aquela trilha de suspense dizendo algo como “ki-ki-ki-ma-ma-ma” foi como voltar no tempo. Deram saudade a mascara de hockey, os atalhos na floresta que só ele conhece e os jovenzinhos sexys, louros e alegres. Senti falta do gato. Aquele que, na cena da jovenzinha loura apavorada, sai repentinamente do armário dois minutos antes de ela morrer e dois minutos depois de ela ter transado.

Jason está mais veloz e menos misterioso. Mas isso é bom, não é critica, não. Conheci a sua casa, seus brinquedos, sua cama com seu nome gravado na cabeceira e o seu porão. Um porão. Onde é avisado, com os bater de latas, da presença de algum jovenzinho forasteiro e louro na floresta, que fica a beira do lago em que, ainda criança, afogou-se, e onde viu sua mãe ser morta por uma monitora negligente.

Não sei, a câmera pode tremer, o ator pode trocar de roupa três vezes na mesma cena, eu não percebo nunca um erro num filme Sexta-feira 13. Aliás, eu não percebo também a minha fome e o tempo passar.

De tensão, minhas costas ainda estavam empurrando o encosto da poltrona pra trás quando os créditos começaram a subir e as luzes acenderam-se de supetão. Você sabe o que acontece, né, quando alguém vai com muita expectativa ver um filme? Não, eu nunca me decepciono com Sexta-feira 13. Nunquinha.

E a sensação de que o filme vai junto com você embora do shopping? Já passava das onze da noite e eu sozinho. Jason estava em cada canto daquela praça de alimentação deserta. Nas trevas do corredor escuro dos sanitários, lá estava ele e a sua máscara bege e suja me cuidando. O vento na rua parecia cochichar no meu ouvido: ki-ki-ki-ki-ma-ma-ma-ma-ki-ki-ki-ki-ma-ma-ma-ma. Dei a volta no estacionamento até chegar no carro. Eu a passos largos e ele me vigiando. Podia jurar.

Só se eu pensar muito lembro de ter dado ré, encaixado o rádio e me mandado dali. Quilômetros a frente, um Uno velho branco trafegava devagar na pista lateral. Um Uno branco e pesado. Era ele. Só podia ser ele. Jason devia estar guiando aquele Uno Mille branco. Eu podia apostar. Estava só aguardando eu ultrapassá-lo para tirar o braço pra fora da janela e arremessar seu machado velho no meio das minhas costas, transpassando o banco do carro. Como fez no filme quando matou aquele jovenzinho negro.

O senhor baixo e careca do Uno Mille deve ter ficado preocupado com a minha velocidade e desconfiança quando o encarei. Não era o Jason. Essa tinha sido por pouco.

Liguei a luz alta como sempre faço ao chegar em casa à noite. Diminui o risco de eu ser surpreendido por algum mal-intencionado escondido nas folhagens dos vizinhos. Naquela noite, só um malfeitor podia aparecer do outro lado do meu pára-brisas molhado. O Jason. Mas ele não pôde. Também! Quase não lembro como fui parar dentro da garagem e pouco mais tarde, dentro de casa. Aparentemente, são e salvo.

O melhor de tudo? Ele não morre no final do filme. Não, isso não é o melhor. O melhor é que, quase vinte anos depois, daquela noite de segunda-feira, eu voltei a sentir medo do Jason. O mesmo medo. A mesma sensação de que não há saída. Mesmo que eu corra, que me esconda atrás das árvores daquele bosque, que grite pelos outros – que certamente já devem estar mortos – ele virá para acabar comigo. Para esconder meu corpo de modo que nem um enterro digno eu terei.

E isso é muito bom.

É bom quando no lugar das preocupações reais da vida, dos pepinos reais do trabalho, dos desentendimentos reais dos relacionamentos, você sente medo do Jason. Só do Jason. Queria poder escolher ter medo só do Jason e da sua mão pesada. Poder esquecer de todos os outros medos e só correr do Jason; dar luz alta na frente de casa e procurar apenas por sua silhueta apavorante; procurar saber dos meus amigos só por causa da sensação de que Jason os pegou; chamar minha mãe para uma conversa no quarto só para que ela acenda a luz e mande pra longe aquele gigante malvado.

Quando deitei na cama aquela noite, não fiz promessas. Só lamentei que Jason não aparecesse. Quase chamei por ele. Mas acho que nunca mais virá me apavorar e tirar o meu sono. É realmente uma pena. Lamentavelmente, acho que nada que eu prometa me isentará das preocupações reais desta dura vida de adulto.

Juliano RigattiMeu medo de Jason
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Espelho meu: Nina Flores

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Essa é mais uma edição do quadro Espelho meu aqui na Uzina. Espelho meu está trazendo de tempo em tempo uma entrevista rápida com algum famoso no meu círculo social. Uma foto, uma breve explicação e a entrevista. Está sendo uma experiência interessante. Afinal, sempre é bom saber com quem a gente anda. 

***

Estimo muitíssimo conhecer e ser contemporâneo de algumas pessoas deste mundo. A Srta. Nina Flores, a Aline Priscila Ebert, é uma delas. E, neste caso, posso dizer que ainda mais depois da entrevista ali de baixo.

Vou puxar pela minha magérrima memória. Acho que conheci essa moça na primeira disciplina de Jornalismo, no inverno de 2001, na Unisinos, em São Leopoldo – onde a Nina mora hoje, e um pouco mais perto de Porto Alegre do que Taquara, onde nasceu. A suposta prova disso é uma “foto na lata” que guardo até hoje como recordação de Introdução ao Jornalismo, com o professor José Carlos Hoffmeister. O problema é que o que dá valor artístico a uma “foto na lata” é a mesma falta de nitidez que hoje me impede de decifrar um por um na imagem preto e branca.

A estima pela Nina veio – e confirma-se até então – pelo seu jeito dissonante. Dissonância esta que está na expressão de suas idéias não-convencionais, nos hábitos de alimentação e no seu jeito de vestir-se. Porque é tão difícil ser diferente hoje em dia.

A vida acadêmica nos separou bastante, deu algumas boas voltas, fez reencontrarmo-nos algumas vezes para simpáticos, mas curtos, bate-papos, e jogou-nos, vejam vocês, na mesma turma de formandos em Jornalismo no dia primeiro de março do ano passado – há exato um ano desta postagem.

Bom, a Nina. Posso dizer que ela é jornalista e, diferente de muitos, sabe bem a que veio. É chique, mas não serve nem pra fútil nem para símbolo de um capitalismo artificial. E é – agora vem o que me dá mais gosto de reconhecer – alguém que pretendo que esteja por perto sempre.

Nina Flores, em foto de Cecilia Ferreira Leites

Nina Flores, em foto de Cecilia Ferreira Leites

Nome completo

Aline Priscila Ebert

Idade

25 anos

Onde nasceu

Taquara (RS)

Onde mora

São Leopoldo (RS)

Porque Flores no Nina?

Nina é um apelido que veio de casa quando pequena, algo carinhoso. Não só algo ligado à Aline, mas também pequenina, niña…

A junção com Flores foi para criar o nome do blog, em 2003. Vi um senhor vendendo flores pela janela, e virou “Nina Flores”. Hoje é nome de site, mas também codinome para alguns trabalhos.

O que é fazer jornalismo de moda?

São seis anos produzindo jornalismo de moda, mas também não deixando de fora outros tipos em meus fanzines. Muitos outros temas me interessam. No jornalismo de moda, no meu caso (existem vários tipos) é escrever para a indústria da moda, e não para quem a consome, ou seja, público final. Faço notícias, reportagens e entrevistas com temas ligados a vestuário, calçados, bolsas e acessórios, dos gêneros feminino, masculino e infantil, além de visual merchandising, negócios e comportamento ligado à moda.

O que dizer aos críticos que chamam este campo de fútil, de vazio?

Tudo depende da forma que é abordada. Todas as pessoas gostam mais de uma moda do que de outra, mesmo sem perceberem. Uma camiseta de x cor, um tênis de y estilo, uma calça com z modelagem. As marcas que criam coleções ajudam a construir/complementar o estilo de todos nós, como queremos nos mostrar para a sociedade. Moda não está só nas vitrines e na mídia, está nas pessoas e não só numa ligação monetária, mas de atitudes comportamentais mesmo.

O jornalismo de moda que faço vem contar as histórias dessas pessoas que tem o dom da criação de moda, de dirigir uma indústria têxtil, de costurar numa fábrica de calçados, de desenhar estampas que enchem os olhos… Um produto que é gerado e vai para a feira/desfile, depois para as vitrines e finalmente para as ruas. E vão ultrapassar anos, uns sendo ícones de épocas, outros sendo doados ou revendidos num brechó, reconstruídos por outras pessoas.

Jornalismo de moda em revista e na internet. Tem diferença?

No caso de onde trabalho atualmente, tem. As notícias na web, pelo contrário do que o jornalismo online indique, pode render reportagens em mais de uma parte, sem número limite de caracteres, gerar galerias com muitas imagens, fazer com que algo esteja no mundo em minutos. A revista é mais maturada, tem a diagramação a cada nova, a prova, o tempo de rodagem até chegar no leitor. Nesse, valoriza-se conteúdos menos factuais (exceto os relacionados a temporadas), abusa-se das fotografias grandes e de impacto… Porém, a mesma essência para a escrita está nos dois.

Qual foi teu primeiro passo no mundo da moda?

Comprar revistas jovens como Capricho e recortar as imagens que me interessavam, seja um look de uso nas ruas, seja de lugares, objetos. Gostar de moda é gostar de estética. Tudo pode ser inspiração para criar ou vestir algo. Daí veio a escolha pelo vestibular. O gostar de escrever e o gostar de criar. Passei em Moda e Estilo na UCS (Universidade de Caxias do Sul), mas acabei optando por Jornalismo na Unisinos. Numa oportunidade de estágio por acaso, acabei juntando jornalismo e moda. Depois também criei bolsas com minha mãe numa época e hoje tenho um brechó com peças que garimpo em muitos lugares.

Moda sustentável é só mais uma modinha?

Ainda mais modinha, espero que vá alterando. Minha família usava sacola de tecido há 20 anos, mas hoje ainda não conseguiu se  regular para lembrar de voltar a carregá-la. Vou no “super” (gíria gaúcha para supermercado) com minhas sacolas de tecidos há cerca de 2 anos, mas dificilmente encontro uma única pessoa com outras também. Esse é só um dos exemplos.

Tem que se policiar e questionar em tudo que se consome (marcas que testam em animais, líderes em transgênicos, se a pecuária é algo sustentável para o mundo, se não teria como diminuir meu consumo de energia e água. Não precisa se tornar um expert do assunto, que vira um chato, mas, sileciosamente, observar as coisas, pensar sobre o que se faz.

Tenho informações interessantes do Sindicato dos Calçadistas de Três Coroas que recicla todo o material produzido pelas fábricas; da marca Goók que cria calçados com os 2 milhões de pneus que reciclou desde 2004 quando foi criada; da Meltex que cria roupas a partir de garrafas PET e as sobras doa para confecção de edredons numa comunidade de Porto Alegre…

Mas também nem todos precisam ir no caminho do mostrar que é sustentável como marketing, mesmo que verdadeiro, mas também rever a forma de transporte dos produtos (combustível), diminuição da produção de lixo, a forma que faz uma embalagem, entre outros.

Site, fanzines e brechós. Três hobbies?

Três outras atividades como a oficial (jornalismo), tudo no mesmo patamar de interesse. Fanzines é na troca de cartas, produção de alguns e notícias sobre eles para o www.ninaflores.net/fanzine. O meu endereço pessoal www.ninaflores.net é um resumo das coisas que faço, com um blog. E o brechó é essa atividade de garimpar peças antigas para venda e locação, no www.ninaflores.net/modadebrecho.

 ***

A palavra mais bonita da língua portuguesa: educação

A mais feia: individualismo

O pior defeito da nossa sociedade: desisteresse

Como achas que os outros te vêem? acolhedora

Qual tua idéia de domingo perfeito? com sorrisos

O que queres estar fazendo e onde queres estar vivendo com 60 anos? Onde meu coração me levar

O que é o amor? doação e reciprocidade

Qual tua memória mais antiga? Pequenina, todo final de semana do verão indo para Tramandaí de ônibus, com a mãe e uma boneca, pois o pai trabalhava nessa época num açougue lá.

Qual tua idéia de felicidade? Com paz interior, mais silêncio, menos opinião, mais ação.

Onde gostarias de viver hoje? Num lugar de ruas mais limpas e de caminhares menos apressados.

Onde gostarias de passear agora? Bolívia

O que deixarias de fazer se a Internet acabasse? jornalismo online, conversas com pessoas via e-mails, conhecer coisas que estão longe de mim.

Se pudesses eternizar alguém, quem seria? Quero deixar claro que são perguntas difíceis para mim, nunca pensei sobre escolher alguém. Oscar Niemeyer é uma pessoa maravilhosa, de princípios.

O que é a morte pra ti? Inicialmente medo, mais filosoficamente, uma das passagens. Se as pessoas pensassem sobre voltar como algo que hoje desprezam, agiriam diferente.

O que tu fazes que te dá muito prazer? Cozinhar em casa, ter boas idéias e escrevê-las no “my fake moleskini”, me sentir produtiva.

O que fazes para espantar a tristeza? Saio para andar e olho a arquitetura das casas.

Um filme: Um só é difícil. Still Crazy, Com Licença Eu Vou a Luta, Lucía Y el Sexo, Central do Brasil, Não Por Acaso, Cine Paradiso, documentários, curtas, adoro vê-los…

Um livro: Quando Nietzsche Chorou foi o mais recente e que me clareou muitas idéias. Leio mais revistas e fanzines mesmo. Tenho vários livros por ler.

Um som/música: Outro que um só é difícil. Minha casa é bastante musical. Pronto, Lacertae é algo muito lindo que entrou na minha vida. Mas curto rock, metal, rap, punk, regional, muitas ramificações de tudo isso.

Um cheiro: de terra molhada pela chuva

Um lugar: com grama

Uma coleção (que tens ou já tiveste): bolsas de tecido, carteiras, sacos, relicários, porta-jóias, tudo que seja para se guardar coisas carinhosas, relíquias.

Um doce: todos bem doces, chocolate, ambrosia, tortas…

Uma bebida: água com gás

Um prato: orientais vegetarianos e todo os outros sem carnes, tenho bom apetite.

O que já cozinhou de mais extravagante? cogumelos bêbados

O conselho que nunca esqueceu: “Dexe di sê besta”

Um pensamento: “En la tierra hace falta personas que trabajen más y critiquen menos, que construyan más, destruyan menos, que prometan menos y resuelvan más, que esperen recibir menos y dar más. Que digan mejor ahora que mañana”. Che.

Juliano RigattiEspelho meu: Nina Flores
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Você é capaz de decifrar essa?

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Bagagens, paletós dobrados por sobre a cadeira, garrafinha de água mineral sem gás deixada pela metade, latinha de Coca-Cola vazia, Eduardo Cidade, homenzarrão de retumbante sotaque santa-mariense, e eu, juntos, à mesa de uma lanchonete do aeroporto Hercílio Luz, em Florianópolis. Eu lendo, Cidade conferindo seu celular. A pergunta é: o que teria feito vir conosco e ter parado ali, em cima da mesa que nos separava, um saquinho transparente, carregando consigo um absorvente interno de um laranja reluzente? Essa eu duvido. Façam suas apostas.

Advertência — só pra não causar muita expectativa e pôr em risco valiosas noites de sono: claro que a resposta será bem menos surpreendente do que foi pitoresca a cena descrita na lanchonete e seguinte, na esteira de embarque, de um funcionário da Infraero aguardando eu tomar de volta de sua bandeja plástica meu pertence incomum.

Juliano RigattiVocê é capaz de decifrar essa?
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