Eu sou o cara!

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A madrugada já nos embriagava na sala do Dudu quando eu me peguei olhando pro forro estampado do meu sapatênis. E enquanto os outros falavam de coisas amenas, eu estava perplexo com o que via. Claro que o efeito do álcool intensificava minha sensação de estranheza. É que eu não fico falastrão, corajoso ou enxendo o saco das pessoas quando bebo. Só fico olhando pras coisas. Sei que há quem dobre a visão ou veja insetos subindo pelas paredes. Eu, não. Naquela madrugada, eu simplesmente olhava para o forro do meu sapatênis.

O que me admirava não era a combinação de cores, ou as cores escolhidas. Era simplesmente a presença daquele tecido ali, no forro do meu sapatênis, do lado de dentro, de modo que apenas uma pessoa no interior daquela sala onde estávamos podia vê-lo: eu, o seu proprietário.

Isso é mais do que a necessidade de ostentar uma marca de grife, ou um estilo, na vestimenta. É mais do que calçar um tênis com molas. É mais do que olhar o mundo de trás de um óculos de sol de uma famosa superprodução hollywoodiana. É mais do que ter que mostrar aos outros o que possuímos para que isso nos qualifique e promova a comunhão de bens simbólicos. É mais.

Sim, porque vestir-se como os outros nos dá um sentimento de pertença à uma comunidade, de pertença a uma tribo. Tem gente que pensa que pôr piercing na cartilagem do meio do nariz, como os bovinos, ou vestir um moletom-canguru, de trezentos reais, é sobressair-se. Não é. Agir desta forma não é ser melhor que os demais. Cobrir parte do corpo com calças, tênis, abrigos ou acessórios da moda é manifestar a vontade de pertencer. De pertencer aos amigos da escola, de pertencer ao estilo de vida do filme em cartaz, de pertencer à turma da novela das seis, de pertencer à galera da academia. E, no fim das contas, querer pertencer é querer não estar sozinho.

E te digo que possuir um sapatênis com o forro colorido é mais do que pertencer ao grupo dos que usam sapatênis. Não que pra mim não fosse suficiente pertencer a este grupo. Longe de mim. Eu já me sinto o cara porque sou do grupinho que usa sapatênis. Não é isso. É mais do que isso. Ter forro colorido no calçado me dá mais do que a sensação de não estar sozinho. Me enche de orgulho.

Dizem que a depressão é o mal deste século. Nunca na história deste planeta tantas pessoas sofreram de depressão. E como há tantos depressivos isolados em seus quartos se temos cada vez mais a companhia uns dos outros, simbolizada pelas molas dos tênis iguais, pela cueca que aparece na cintura baixa das calças jeans iguais, pelos seios fartos iguais? Como podemos nos isolar tanto se somos cada vez mais pertencentes a um grupo em comum? Como o egoísmo prolifera tanto se comungamos cada dia mais dos mesmos valores capitais? Como nos deprimimos se agora há marcas que olham pra nós pra nos encher de orgulho? O forro colorido do meu sapatênis é, portanto, um caminho encontrado para esta encruzilhada.

Com um forro estampado de um sapatênis e uma meia speedo te olhando, tu não só nunca mais se sentiras só: tu te sentirias o cara. Contei da meia speedo? Ela foi outra que me encheu de uma sensação de existência dia desses. Tirei-a da minha gaveta de meias organizadas, cheirando a confort, desfiz a dobra e o que eu vejo quando minha meia speedo toma o formato do meu pé? A marca speedo cobrindo os dedos do meu pé, olhando pra mim! Não, a marca não estava circulando a lateral da minha canela, exibida para os outros. Estava lá na ponta do pé, olhando pra mim. Quase pude vê-la piscando em minha direção. Estavam lá, bem belas, as letrinhas da marca speedo olhando para mim e enchendo-me de orgulho. Porque no fim das contas o que as marcas querem é isso. Encher seus donos de orgulho. Orgulho por poder usá-las, orgulho por pertencê-las.

Fazer Marketing hoje em dia é isso. É uma terapia. É uma fluoxetina. É um prozac. É a ciência capaz de construir uma marca que acorde de manhã cedo ou que o acompanhe em uma noitada etílica e, no meio da madrugada, olhe para ti e exclame: “tu é o cara!”.

Juliano RigattiEu sou o cara!
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