Uma foto do celular, de manhã cedo. O motivo do texto abaixo.
Pastel de frango, folhado
Tinha mais cara mesmo de ter sido deixado de madrugada. Daquele jeito, quase inteiro, pesado, não cairia dali tão facilmente. Vai vê, fora deixado por algum boêmio, no final do Baile dos Solteiros, do clube aquele atrás do ponto de ônibus. Bateu a fome aquela de fim de festa, o sujeito abordou o vendedor ambulante na saída do salão, comeu um, dois e não agüentou mais de uma mordida do terceiro. Declinou e largou o pastel de frango, folhado, em cima da haste de ferro da parada de ônibus. Mesmo mais desperto que todos naquele início de manhã, o festeiro nem se deu conta do que fazia, pegou o ônibus e escafedeu-se. Afinal, em que circunstâncias o pastel de frango, folhado, teria saído da mão de alguém para ir parar ali, no alto de uma haste de ferro da parada de ônibus?
Meu ônibus. Fiz sinal e embarquei.
– Bom dia.
– Bom dia. E essa cara de sono?
– Bah, nem fala. Essa sexta demorou.
– Ehe. Um pastel?
– Aham. De frango, folhado.
– Que viagem. Mas como é que ele foi parar ali?- Oi?
– O pastel. Como é que ele foi parar ali?
– Onde? Ahn, bah, nem imagino.
Curiosidade
Por enquanto, só curiosidade.
Olhe ao seu redor. Há algum livro aí perto? Pegue. Abre na página 42 e procure, bem no alto da página, a primeira frase completa da folha. Leia.
Agora clica ali embaixo, no link para comentários e escreve a tal frase ali, no comentário. É fácil.
Muitos vão fazer isso. Vamos ver no que que dá.
Obrigado.
Dança da vida
A músi-
ca come-
ça a tocar
devagari-
nho. Bai-
xinho. Lo-
go o ritmo
começa a ser percebido,
e logo consigo perceber
a intenção da moça do
lado. Começo pelos om-
bros a acompanhar o ritmo da dança. O ritmo dela.
Em seguida as pernas são contagiadas e tudo fica mais solto, mais natural pra mim. Não pra ela. Ela já dançava quando cheguei.Em seguida a música pára.
Predomina
o silêncio
do salão e as
pessoas todas
me observam
aguardando a
próxima can-
ção começar.
É incrível, mas na vida é exatamente assim.
Deixe a música começar a tocar pra ver co-
mo você aprende muito rápido como seguir
a sua melodia, o seu compasso. É só uma ques-
tão de tempo para você dançar muito bem, sem
nem mesmo perceber que o está fazendo. O tem-
po passa e o movimento não é mais calculado.
Temos essa incrível facilidade, nós, seres huma-
nos, de nos adaptar ao terreno. De dançar com
o ritmo, conforme a música. Passando a perce-
ber nosso espaço e nossa limitação. Esse é o pri-
meiro passo. Adaptados, passamos a querer mais espaço para poder dizer tudo, sem medir tanto as palavras, ter liberdade para ir e vir, completar a frase até a margem da folha, para argumentar, sem receio de falar alguma besteira. A liberdade que a confiança nos dá de ir e vir, sem ter que parar,
esperar o sinal
verde para avan-
çar. Porque is-
so limita nosso
espaço para vi-
ver. Daí não so-
mos mais nós
mesmos. Somos
nós, sim, mas li-
mitados a ponto
de perdermos nos-
as identidade. Aca-
bo concluindo que
a pessoa, o profis-
sional, enfim, o vi-
vente só adquire
sua verdadeira iden-
tidade quando consegue se soltar, dançar conforme a melodia tocada e não parar, mesmo que existam interrupções no caminho.
Que exijam de nós
Reconhecer o terre-
no novamente e vol-
tar a dançar, jogar o corpo para um lado e para outro, no compasso da vida, indiferente ao julgamento alheio, disposto apenas a dançar e a conquistar seu espaço
que antes era assim
reduzido e limitado,
limitando também
a personalidade que
não tem espaço para agir,
para falar, para dançar.
Como nesse texto, é também assim na vida. A começar pelo velho ditado que trata da dança adaptada à música. E, em seguida, pela conquista do próprio espaço. Ambas as fases do desenvolvimento humano são fundamentais para mostrar quem realmente somos. Bailar conforme o compasso não significa sempre repetir os passos de outros, na contramão dos nossos valores, de nossas crenças. Significa saber viver e aprender a agir conforme a vida vai se revelando. Isso afirma nossa personalidade e nos tira
daquela
vida pre-
sa a um
mundo
que nos
limita.
Adaptado e com autonomia para viver, a frase flui com naturalidade e o texto parece ter mais significado, parece chegar e dizer a que veio, convencendo o leitor e fazendo-o entrar na dança. Na dança do olhar. De um lado para o outro, os olhos vão e vem, tentando entender aonde o autor quer chegar ou como ele quer terminar, sem imaginar que ele possa, assim, do nada, acabar assim, aqui.
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