A mais avançada das tecnologias

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Dias atrás participei de um evento sobre inteligência artificial para entender mais do mundo que nos aguarda no futuro. Que é, preparem-se… ano que vem.

O que ficou de mais importante é a compreensão de que nós, os humanos, somos, vejam só, os sensores pelos quais as máquinas estão tentando compreender este mundo.

Explico.

Veja você. Você acorda, lava o rosto, come alguma coisa e inicia mais uma jornada. Seja em casa, seja em outro local. Ao longo de todo o dia, mesmo que você seja a pessoa mais criativa e inovadora do mundo, você repete ações do dia anterior. Da semana anterior. Do ano anterior. Repete padrões. Você tem paradigmas que definem muito do que você é. Tudo o que você precisa decidir para a ação seguinte leva em conta o quê? Entre tantas variáveis, a que tem um grande peso é: sua experiência passada. Portanto, grande parte daquilo que você faz tem como pressuposto algo que você já conhece e já fez. Até porque, como diria um grande entendedor deste nosso tempo, não se reconhece aquilo que não se conhece.

E daí?

Daí que eu queria, primeiro, te dizer isto: o teu futuro é construído, em grande parte, pela repetição das coisas que você já viveu. E onde entram os robôs?

Os robôs nascem sem passado. Sem padrão. Sem paradigma. Eles aguardam que um ser humano venha e o programe. Insira milhares de linhas de código até que, enfim, ele saiba fazer alguma coisa. Mas isso ainda não é inteligência artificial.

Inteligência artificial é quando o robô não só obedece os comandos inseridos dentro dele, como aprende os padrões dos seres humanos para se adaptar às variáveis que o mundo lhe apresentar.

Então quer dizer que um dia a tecnologia alcançará o homem?

Não acredito.

Por quê?

Uma máquina pode aprender a ver por meio da nossa visão. Pode aprender a pensar por meio de nossos padrões. Pode até aprender a emocionar-se, talvez, se a ensinarmos que o medo a protegerá dos perigos deste mundo.

Mas uma máquina nunca poderá… nunca poderá… bom, leiam isso antes de continuarmos:

“Mas agora vou para ti, e digo isto no mundo, para que tenham a minha alegria completa em si mesmos.
Dei-lhes a tua palavra, e o mundo os odiou, porque não são do mundo, assim como eu não sou do mundo.
Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal.
Não são do mundo, como eu do mundo não sou.”

(Jo 17, 13-16)

No máximo, mesmo depois de todo avanço que veremos, as máquinas farão apenas o que os homens e mulheres esperam delas. Um robô é construído para superar as expectativas de… seres humanos. Ele deverá aprender os nossos padrões e depois aprimorá-los para fazer tudo melhor. E até nos surpreender.

Já existem carros guiados por inteligência artificial, por exemplo, que já são dez vezes mais seguros do que os nossos, conduzidos por portadores de CNH.

E porque a tecnologia nunca nos superará?

Porque nós nos aprimoramos para um dia fazer o que um robô nunca fará: compreender o sentido de nossa existência neste mundo, e o modo de alcançar o que é muito maior do que isso.

Nenhuma programação humana obterá estas respostas. A única tecnologia capaz de obter estas informações só nós conhecemos. Só nós a praticamos. Só a nós ela foi revelada. Só nos entendemos. Só a nós esta busca entusiasma. Só a nós esta dúvida angustia.

Aliás, qual o propósito da tua vida?

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Sem sinal

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Quando o corpo dói, você não tem dúvida. Sabe onde está a dor, provavelmente sabe a sua causa e há grandes chances de você saber como curar esta parte do seu corpo. Um chá, uma massagem ou até a ingestão de mais água, e a dor se vai.

Quando a preocupação vem, normalmente você sabe a sua razão. Se não consegue lidar com ela, busca ajuda. O colo da mãe, o ombro do pai, o ouvido de quem te ama, o celular de um amigo íntimo, a oração, a Eucaristia. Muitas vezes, a busca por um terapeuta ajuda bastante também. Quando menos vê, você percebe que aquela preocupação era maior do que o problema real, e tudo passa.

Quando o sofrimento chega e as emoções se misturam, você quase sempre é pego de surpresa. O susto às vezes imobiliza, às vezes nos leva a agredir, às vezes faz chorar. Você olha para aquela emoção, sabe que ela não é você, e a deixa ir. Às vezes demora, eu sei. Às vezes, precisa de muita oração, eu sei. E como ela sempre deixa marcas, volta e meia a memória a traz de volta; e quando ela volta, traz junto mais uma oportunidade de aprender sobre quem você é e sobre suas necessidades mais essenciais.

Nossos sentidos, nosso pensamento e nossas emoções são estados de nossa consciência para os quais fomos treinados há muito tempo para saber como lidar. Concordo que às vezes você não sabe o que fazer com uma grande tristeza, com um dilema, com um nervo ciático que não para de incomodar. Mesmo assim, não são mais terrenos desconhecidos. Você dá a eles um nome, busca ajuda, encontra uma forma de lidar.

Mas você não é somente sensações, pensamentos e emoções. Você não é só isso. Mais: você nem é deste mundo (Jo 17, 16).

Sabemos lidar com tudo que é de nossa natureza humana, mas há um estado de nossa consciência para o qual somos analfabetos: não aprendemos a nos conectar com o sagrado. Lotamos os templos, aprendemos sobre nossa religião desde as primeiras catequeses e hoje ainda estamos assim: especialistas da terra e ignorantes do céu. Fazemos retiros, vigílias de oração, terços e rosários. Escolhemos um santo de devoção, pagamos promessa e parece que sempre há um fio desconectado.

Aprendemos a entender as chuvas, o genoma, e até a inteligência das máquinas, mas não sabemos reconhecer o que há em nós que é a imagem e semelhança de Deus.

Uns podem chamar de intuição, outros de chamado, outros ainda de revelação. A verdade é que Deus tem um plano, uma missão. Deus nos fala. Repetidas vezes, como fez a Samuel, o grande profeta. Mas não ouvimos. Nem levantamos da cama, nem mudamos o caminho, nem modificamos nossas atitudes. Estamos distraídos. A conexão cai. Ficamos off-line o dia todo e está tudo bem. O mundo faz mais sentido. O celular nos ocupa, o boleto nos preocupa, os relacionamentos nos consomem. Não sabemos como baixar a única informação que nos salvará. Não reconhecemos mais a voz.

Estamos sem sinal.

Juliano RigattiSem sinal
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Como me tornei um guerreiro

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“Houve um tempo em que fugia do medo
então o medo me controlava.
Até que aprendi a segurar o medo como um recém-nascido.
ouvi-lo, mas não ceder.
Honra-lo, mas não o adorar.
O medo não podia mais me impedir.
Eu entrei com coragem na tempestade.
Ainda tenho medo
mas ele não me tem.

Houve um tempo em que eu tinha vergonha de quem eu era.
Eu convidei a vergonha para o meu coração.
Eu a deixei queimar.
Ela me disse: ‘Estou apenas tentando
proteger sua vulnerabilidade’.
Eu agradeci à vergonha,
e entrei na vida de qualquer maneira,
sem vergonha, com a vergonha como minha amante.

Houve um tempo em que tive muita tristeza
enterrada bem no fundo.
Eu a convidei para sair e brincar.
Eu chorei oceanos.
Os meus canais lacrimais estavam secos.
E eu encontrei a alegria ali mesmo.
Bem no centro da minha tristeza.
Foi o desgosto que me ensinou a amar.

Houve um tempo em que tinha ansiedade.
Uma mente que não parava.
Pensamentos que não silenciavam.
Então parei de tentar silenciá-los.
E eu larguei da mente
fui para a terra,
para a lama.
Onde fui abraçado fortemente
como uma árvore, inabalável, segura.

Houve um tempo em que a raiva queimou nas profundezas.
Eu chamei a raiva para a luz de mim mesmo.
Eu senti seu poder chocante.
Eu deixei meu coração bater e meu sangue ferver.
Escutei, finalmente.
E ela gritou: ‘Respeite-se ferozmente agora!’.
‘Fale a sua verdade com paixão!’
‘Diga não quando você quer dizer não!’
‘Ande o seu caminho com coragem!’
‘Que ninguém fale por você!’
A raiva se tornou uma amiga sincera.
Um guia sincero
Uma linda criança selvagem.

Houve um tempo em que a solidão cortou profundamente.
Eu tentei me distrair e me entorpecer.
Corri para pessoas, lugares e coisas.
Até fingi que estava ‘feliz’.
Mas logo eu não pude correr mais.
E eu caí no coração da solidão.
E eu morri e renasci
em uma requintada solitude e quietude.
Isso me conectou a todas as coisas.
Então eu não estava em solidão, mas sozinho com toda a vida.
Meu coração Um com todos os outros corações.

Houve um tempo em que fugia de sentimentos difíceis.
Agora, eles são meus conselheiros, confidentes, amigos,
e todos eles têm um lar em mim
e todos eles pertencem e têm dignidade.
Eu sou sensível, suave, frágil
meus braços envolveram todos os meus filhos internos.
E na minha sensibilidade, poder.
Na minha fragilidade, uma presença inabalável.

Nas profundezas das minhas feridas
no que eu tinha chamado de ‘escuridão’,
Eu encontrei uma luz ardente
Isso me guia agora em batalha.

Eu me tornei um guerreiro
quando me virei para mim mesmo.

E comecei a ouvir.”

(Jeff Foster)

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Esta é a solução para as drogas

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Invariavelmente, quando entrevistam um dependente químico e perguntam sobre sua esperança, ele cita a família.
A família é o fio que o mantém ligado à vida. Portanto, é quase inútil todo esforço empregado no tratamento deles se não soubermos quem é sua família, e se ela não for integrada ao tratamento.
A quem me pergunta, eu digo que familiares precisam iniciar o tratamento antes, inclusive.
Meus quase dez anos acompanhando o testemunho de pais, mães, familiares e dependentes químicos me dá esta segurança: são raríssimos os casos de quem recupera a sobriedade sem o apoio de quem os ama.
Esta é a solução para as drogas em nosso país: a atenção e o apoio à família.
Mas e depois da família? Depois que a família conhece a doença e se capacita a lidar com ela, aumentam muito as chances de o dependente aceitar ajuda. E de fazer o tratamento.
Solução difícil? Demora? Dá trabalho? Não há solução fácil para problema difícil.
De brinde, se cuidarmos das nossas famílias, aposto que muitas de nossas chagas sociais ganharão nova esperança.

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Do que ainda somos escravos?

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Quando nascemos, somos livres. Livres da contradição, da ambição, livres da ansiedade, da depressão. Apenas somos.
Uma vez um professor de criatividade contou que gostava de ver seu filhinho brincar porque não sabia quem era a bola e quem era o bebê. As unidades se confundiam.
Uma vez, em uma missa na catedral de Porto Alegre, Dom Jaime Spengler interrompeu a celebração porque uma criança corria pelos corredores dando gargalhadas. E nos disse o que o Espírito Santo lhe soprava: que talvez a pequena estivesse rezando a oração mais bonita naquele momento.
Crescemos e passamos a buscar ser a mesma unidade que aos seis, sete anos deixamos para trás, junto da inocência, da boca suja, do pé sujo.
E se permitimos que Deus manifeste em nós sua presença, a cada ano que passa, mais livres somos. Ano a ano. Não ficamos mais velhos, nem mais sábios. Ficamos mais livres. Mesmo que não pareça, nos dias confusos, atribulados, em que só deslizamos as horas com nosso polegar, e nada com mais de 140 caracteres ganha nossa atenção, estamos em busca de nossa liberdade.
Porque mais livres da forma, da norma, do mundo, somos mais sensíveis às chagas deste mundo. Somos mais o sonho que Deus sonhou para nós.
Em um filme oriental, nunca esqueço da cena em que um avô consola o neto que chora sabendo que seu ancestral está perto da morte. O velho lhe dirige o olhar, e questiona a razão da tristeza se ele finalmente vai encontrar o que buscou a vida toda.
A cada 13 de maio, ao mesmo tempo em que nosso Brasil comemora uma simbólica liberdade dos negros escravos, eu também celebro um ano mais próximo da minha liberdade.
Hoje sou mais livre que ontem. Hoje sou mais livre. Hoje sou mais. Hoje sou.
Só hoje.

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A nossa ditadura

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A geração dos nossos pais viveu a ditadura da censura. Não existia liberdade na forma como conhecemos hoje. Nem de longe.

Lembro de ficar assustado a primeira vez que li a história sobre o irmão do músico Nei Lisboa, desaparecido em meio à repressão. Depois nunca mais consegui ouvir uma das músicas do Nei do mesmo jeito. Era triste e forte demais. Um pouco antes, tinha conhecido a história de Olga, que a TV dramatizou. Ali, conheci os instrumentos dos militares e as formas de tortura. Esses dias, vejam só, no Faustão, acompanhei o relato de Caetano Veloso sobre o tempo em que ficou em uma solitária, depois no xadrez, depois exilado. Que tempo difícil comparado à liberdade que temos hoje.

Mas tudo isso só seria mais difícil de compreender e de aceitar se não vivêssemos este tempo. Estamos como presos soltos depois de décadas de clausura. Não sabemos como lidar com tamanho número de opções. A liberdade nos assusta. Nosso lastro horizontal de opções aumenta a cada dia sem que possamos (ou saibamos ou queiramos) aprofundar, verticalizar qualquer conhecimento.

Meus pais não sabem conviver com esta abundância de possibilidades de escolha. Foram acostumados a contentar-se com o pouco que a vida lhes deu e com o outro pouco que conquistaram a duras penas. Nós temos de tudo.

Não sabemos mais o que é ter de folhear uma enciclopédia; o Google nos responde qualquer coisa, com mais informação e mais rápido, às vezes até o que não queremos ver. As crianças não precisam mais economizar folha de papel e giz de cera; os aplicativos de tablet e smartphone dão suporte infinito à criatividade. Os jovens não sabem mais se devem escolher uma única faculdade; as universidades criaram formas de se estudar de tudo um pouco, transitando por qualquer curso. Escutar música não é mais ligar pra rádio e pedir a preferida, ou juntar grana para comprar o CD; os serviços na web são acesso a to-das as músicas, de to-dos os artistas. Eu parei de escutar porque não sei o que escolher. Brincadeira. Não, é sério. As profissões não são mais as mesmas, as demandas são outras, os clientes não têm gênero definido, seus comportamentos variam muito na mesma geografia, os escritórios se mudaram para as casas ou para uma mesa onde todos comungam a mesma cafeteira, a mesma internet sem fio e escutam a conversa do coworker concorrente. As empresas estão em dúvida se investem em mais treinamento, em aumento de salário ou na compra de um videogame e pufs coloridos para pôr no novo espaço de lazer que substituiu o fumódromo, e está ao lado da geladeira transparente com cervejas artesanais que não são mais só para sexta-feira. O consumo está muito mais acessível. Lembro que um tablete de chocolate me durava (tinha que durar) uma semana; hoje, duram uma sentada, e têm 18 variedades de sabores, de tamanhos e de país de origem. As religiões sérias, antes valorizadas por indicar a possibilidade do transcendente, por dar sentido à nossa experiência humana neste planeta, agora são condenadas por limitar o relativo. O álbum de fotos de depois das férias, antes restrito a 12 poses surpresas, viraram a obrigação de postar em alguma rede social uma selfie ou um flash, selecionado entre outros seis e que dura 24 horas, a cada instante memorável. E o momento seguinte, outrora reservado ao desfrute da paisagem ou da companhia (ou ambos), é ocupado pelo acompanhamento dos likes, ou seja, do quanto a memória que era para ser só sua agradou a todos.

Para o Humberto Gessinger e o Tiago Iorc, “é gente demais, com tempo demais, falando demais e alto demais. Todo dia, a gente queima mil bibliotecas de Alexandria”. Sem backup ou pasta alguma na nuvem.
Mesmo com tudo isso, muitas vezes não vamos a lugar algum, não sabemos qual destino escolher. E quem não sabe onde quer ir, vocês sabem, qualquer resultado de busca na internet serve. Nosso sonho é que inventem um cardápio com só dois pratos e duas bebidas. Ou que escolham por nós. Como a criança que reconhece os limites impostos pelos pais como um gesto de amor, queremos um carinho da vida, que ela nos ajude a optar. Não sabemos o que rejeitar. Ou queremos de tudo. Porque temos que entrar e participar. Nossos pais queriam escolher e não podiam. Nós podemos mas não sabemos o que fazer com essa tal liberdade. Dizem que vivemos a economia da atenção, nossa curiosidade dura 9 segundos; se não interessou, mudamos de canal — da TV ou do Youtube. Muitos devem estar longe desta crônica há horas, aliás. Cada momento é uma prova de múltipla escolha que consome o que resta de nossas energias.

O que era para ser o paraíso das possibilidades, o harém do poder de escolha, virou a ditadura da liberdade.

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Vivamos um dia de cada vez

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No último dia do mês de dezembro, com algumas diferenças de fuso-horário, alguns bilhões de seres humanos comemoram a chegada de um novo ano. Uns com mais recursos, outros com menos. Uns com espumante importada e lombo assado, outros com lentilha e sidra de maçã. O que iguala a todos é o sentimento de que o ano que virá será melhor. Todos terão um ano inteiro para ter mais saúde, mais dinheiro, mais sucesso, e até mais fé, mais amor, mais paz. Um ano inteiro eles pensam que terão, e comemoram exatamente por isso. O que diferencia um depente químico de todos os outros bilhões de seres humanos iguais é a sua capacidade de reconhecer que ele não tem o ano todo. Ele não tem os próximos meses. Ele não tem um semestre e depois o outro. Só o que ele reconhece que possui, com orgulho e gratidão, são as próximas 24 horas.
O fato de vocês saberem que só o que vocês têm são as próximas 24 horas, e não um ano inteiro, os coloca em grande vantagem na relação com todos os demais. Neste momento, listas e listas de desejos, promessas e propósitos estão sendo escritas por pessoas que acham que têm o ano todo. Elas não tem! Quando descobrem isso, ficam nervosas, começam a ir a terapeutas e passam a tomar medicação para a ansiedade. Porque ansiedade é a doença do excesso de futuro.

Em 1871, William Osler, um dos médicos britânicos mais famosos de sua época, discursou aos alunos de uma universidade de seu país, e explicou o que descobriu 42 anos antes, e que considerava o segredo de seu sucesso até ali.

Contou-lhes que dias antes daquele discurso, ele havia atravessado o Atlântico num grande navio, e observou que o capitão, da ponte de comando onde estava, acionava um botão, um ruído de máquinas iniciava e, imediatamente, várias partes do navio eram isoladas uma das outras em compartimentos hermeticamente fechados. O Dr. Osler disse aos estudantes:

— Ora, cada um dos senhores constitui uma entidade muito mais grandiosa do que o transatlântico, e está destinado a uma viagem muito mais longa. O que insisto em que façam é procurem aprender a controlar de tal modo o seu maquinismo que isso lhes permita viver em compartimentos diários hermeticamente fechados, como o meio mais certo de conseguirem realizar uma viagem segura. Vão à ponte de comando para ver se, ao menos, as grandes anteparas estão em ordem. Apertem um botão para ouvir, em todos os níveis de sua vida, as portas de ferro isolando o passado, os dias mortos de ontem. Toquem noutro botão e separem, com uma cortina de aço, o futuro, os amanhãs que ainda não nasceram. Então, estão salvos, salvos por um dia!

Ao voltar a pensar na vida de cada um de vocês, irmãos, percebam a sutileza da diferença entre preparar-se e preocupar-se. A cada dia devemos preparar e planejar nosso dia de amanhã, o mês que virá, como seres pensantes e responsáveis que somos. Até mesmo o médico da pequena história anterior recomenda que se vá até a ponte de comando para ver se as grandes anteparas estão em ordem antes de apertar o botão. Não podemos e nem devemos, porém, nos ocupar com antecedência daquilo que será o dia que ainda não chegou.

Para finalizar esta reflexão, convido-os agora a ler o evangelho de Mateus, capítulo 6, de 25 a 34, prestando a atenção especialmente no versículo 34. Depois, rezem um Pai-Nosso, não pedindo para que o pão da semana esteja garantido, mas desejando, com muita fé, que o pão de cada dia seja vos dado hoje.

Abençoadas 24 horas para todos vocês.

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O Papai Noel existe

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Não lembro como foi pra mim lidar com a descoberta sobre a inexistência do Papai Noel. Sei que eu  acreditava muito nele, que o aguardava mesmo sabendo que ele nunca se deixaria ser visto, mas a circunstância como soube que ele era uma invenção dos adultos é um buraco negro na minha infância. Não há memória alguma. Mas com o Bento eu soube esta semana com detalhes como aconteceu.

Não é difícil supor que a forma com que as crianças descobrem este tipo de coisa em 2017 passe pelo fator tecnologia. Um blog, um vídeo, um trecho de um enciclopédia digital colaborativa, um gamer que dá com a língua nos dentes enquanto narra sua saga naquele jogos de cenário e heróis quadriculados. São todas possibilidades deste novo tempo. Então imaginem a seguinte cena, ambientada na casa do meu afilhado de oito anos: todos haviam saído, e há, em frente ao pinheirinho de natal, um smartphone plugado na tomada, com a câmera ligada no modo vídeo e o foco posicionado para a porta de entrada da sala. Filmando.

Vejamos como tudo começou. A Ana, minha irmã, o Bento e a mana Betina aguardavam na rua, dentro do carro, enquanto o Luís, o pai, manobrava o outro carro e o posicionava para em seguida deixar aos pés do pinheiro de Natal as bicicletas que os dois ganhariam. E que supostamente teriam sido trazidas pelo Papai Noel. Antes que o Luís deixasse o carro, o Bento salta pra dentro do portão e corre de volta pra casa com a desculpa de que tinha que deixar o celular carregando para poder jogar quando voltasse da missa. O pai aguarda no carro. A mãe desconfia do que alegou o filho. Bento posiciona o celular para flagrar o Papai Noel e volta correndo para o carro na rua. O Luís completa o combinado, deixa os presentes e todos rumam à igreja, pai, mãe, crianças, avô e avó.

Fico pensando o que passava na cabeça do Bento sobre o seu plano no caminho de cerca de 10 min até a paróquia Nossa Senhora Aparecida, do bairro Ipanema, em Porto Alegre. O que poderia dar errado? Como seria o Papai Noel que o celular filmaria? Daria para ver o seu rosto ou apenas as grandes botas pretas? Ele descobriria o celular?

Cerca de uma hora e meia depois, estavam todos de volta. Assim que a porta é aberta, a surpresa. Aquela sensação gostosa invade o peito e o semblante dos pequenos: o Papai Noel não tinha esquecido deles; ele trouxera duas bicicletas e elas estavam ali, de verdade, como num passe de mágica, estacionadas em frente ao pinheiro e o presépio. Dividido entre a alegria e a curiosidade, Bento corre pegar o celular. Desconfiada do que o guri havia aprontado, a mãe observa a cena. O Bento assiste vidrado o vídeo que havia feito. Para mãe e filho, o tempo não passa. A filmagem parece longa demais. “Ele filmou mesmo? Como será quando ele souber que foi o pai”, pensa minha irmã. 

“Vai, vai, vai, deixa eu ver quem deixou estas bicicletas”, murmura o Bento, com as duas mãos segurando o celular na horizontal.  Passam-se dois minutos. “Ah, droga, trancou e não filmou!!”, esbraveja ele, um pouco antes de jogar o celular no sofá e sumir emburrado.

A mãe se apressa para conferir o que havia sido gravado. Percebe que o filho não assistira tudo e corre o linha do tempo para ver o final.

“Luís! Olha isso!”, chama o marido, atônita, e baixa a voz: “O Bento te filmou deixando as bicicletas aqui. Olha isso, direitinho. Hahaha! Mas ele não aguentou esperar até o final, achou que o vídeo acabava antes de tu entrar”.

“Caracas, que esperto!”, diz o pai orgulhoso, quando é interrompido.

“Temos que contar pra ele que ele conseguiu e sobre a existência do Papai Noel”, decide a mãe.

“Vamos, sim”, concorda o pai.

Os colegas da escola, quase todos, já sabiam da verdade sobre o bom velhinho, e até tiravam sarro da inocência do Bento. Chegara o dia. O Bento saberia a verdade. E de uma forma muito especial. Tudo a ver com  essa nossa era da tecnologia.

Reunidos na sala à noite, pai e mãe mostraram o vídeo ao Bento e contaram toda a verdade. Mas fizeram mais bonito. Disseram a ele algo como que cada um sempre pode ser um Papai Noel quando for presentear alguém que a gente ama. Que ele existe em nosso coração. Que podemos inclusive ser o Papai Noel de crianças mais pobres. Mais tarde, contaram a nós que ele ficou triste, mas orgulhoso de seu feito. E que os deixou na sala, foi até o quarto e voltou com um saco cheio de brinquedos seus:

“São para darmos para as crianças mais pobres”.

Viram? Papai Noel existe

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Duas coisas sobre o Natal

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O Natal pode ser como aquele pai que abaixa-se até a estatura do filho sempre que precisa lhe dizer algo importante.

Olhando nos meus e nos seus olhos, neste dia santo, Ele diz duas coisas — e as enumera como forma de valorizá-las:

— Vou lhe dizer duas coisas.

Surpresos, você e eu não esboçamos nenhum movimento, estamos atentos.

— A primeira lição deste acontecimento é o que o antecede e o possibilita. O gesto daquela menina, chamada Maria, de colocar-se em prontidão para que acontecesse com ela algo estranho, duvidoso e quase absurdo. Num ato de rara coragem humana, ela rejeita sua razão e entrega sua existência à fé. E só por isso o milagre aconteceu.

— Sim, um grande exemplo — nós respondemos. Mas muito difícil de pôr em prática.

— O segundo aspecto do Natal é que, se vocês forem capazes de repetir o gesto da virgem, por menor, mais circunstancial e simples que seja, repetirão também o milagre.

— Como assim?

— Se forem capazes de perceber a Minha vontade em suas vidas, com ouvido atento e olhar puro, e tiverem coragem de seguir Meu chamado, suas vidas também servirão de útero para o Salvador. 

E continuou.

— O Natal vem a cada ano revelar que também vocês são capazes de gestar e parir o sagrado. Como templo do Espírito Santo que são, suas vidas têm o potencial de trazer ao mundo a salvação, em pequenas ações, nas relações que pessoas.

Maria refez a história ao dar a luz a Jesus Cristo. Por seu exemplo, podemos seguir realizando este milagre em nossas vidas.

Feliz e abençoado Natal!

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A ilha dos sentimentos

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“Era uma vez uma ilha muito bonita de uma natureza indescritível, onde viviam todos os sentimentos e valores do homem: o bom humor, a tristeza, a sabedoria… como também todos os outros, incluindo o amor. Certo dia, eles foram avisados que a ilha estava prestes a afundar, e então todos prepararam os seus navios e partiram. Somente o amor ficou esperando sozinho, pacientemente, até o último momento.

Quando a ilha estava afundando, o amor decidiu pedir ajuda. A riqueza passou pelo amor em um barco muito luxuoso e o amor disse: “Riqueza … você pode me levar com você?” “Desculpe, não posso porque tenho muito ouro e prata no meu barco e não há lugar para você”.

Então o amor decidiu pedir ajuda para o orgulho que estava passando em um barco magnífico. “Orgulho, você pode me levar com você?” “Eu não posso levá-lo …” – respondeu o orgulho. “Tudo aqui é perfeito e você poderia estragar o meu barco. Como ficaria a minha reputação?”

Então, o amor disse à tristeza que se aproximava: “Tristeza, leve-me com você”. “Não amor …” – respondeu a tristeza. “Estou tão triste que preciso ficar sozinha”. Logo atrás vinha o bom humor que passou na frente dele, mas estava tão feliz que não percebeu que estavam lhe chamando.

De repente, uma voz disse: “Venha amor, vou levá-lo comigo”. O amor olhou para ver quem falava com ele e viu um velho, mas se sentiu tão feliz e alegre que se esqueceu de perguntar o nome dele. Quando chegou ao continente, o velho foi embora. Então o amor percebeu o quanto lhe devia e perguntou para a sabedoria: “Sabedoria, você pode me dizer quem é esse velho que me ajudou?”

“Ele é o único capaz de fazer o amor sobreviver quando a dor de uma perda o faz acreditar que é impossível seguir em frente. Ele é o único capaz de lhe dar uma nova oportunidade quando parece que tudo vai terminar. Amor, aquele que o salvou é o tempo, porque só ele é capaz de entender o quanto o amor é importante na vida das pessoas”.

Jorge Bucay

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