Um brinde à saúde

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No dia mundial sem tabaco, essa vem a calhar.

Dia desses, minha mãe, satisfeita, nos contou à mesa:

– Hoje, faz 10 anos que parei de fumar.

Eu tinha sido o motivador da descisão. Estávamos na rua à noite, ela fumando, quando perguntei se aquele seria o último cigarro. Ela pensou e consentiu.

No outro dia, antes da primeira tragada, minha mãe lembrou da promessa. Não tinha certeza se eu havia me referido ao último da noite ou ao último mesmo. Na dúvida, parou.

***

No país, a fatia de fumantes com mais de 18 anos desceu de 34% em 1989 para 16% ano passado.

Juliano RigattiUm brinde à saúde
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Avante!

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A arrogância e a parcialidade ficaram pra trás.

Grêmio avançou na Libertadores vencendo uma time de craques, indiferentes da qualidade do adversário sulista. Venceu também toda equipe da Rede Globo, que mostrou-se mais uma vez incapaz de fazer jornalismo esportivo.

Não tem como. Nessas horas, a alma do separatismo pula das páginas dos livros de História e arranca gritos do torcedor tricolor em pleno Monumental.

Avante, Grêmio!

Juliano RigattiAvante!
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Continência

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Amanhã cedo vou descer a lomba mais uma vez, como faço todos os dias. Talvez ele esteja lá outra vez. E do alto da sacada da garagem de sua casa fará um barulho qualquer pra chamar minha atenção. Com sorriso largo, pendurado no rosto envelhecido, baterá continência. Como se estivesse dando-me bom-dia.

Está cada vez mais perto o dia que terei que cruzar aquela casa e só lembrar dele. Das liçőes de bravura, de disciplina, de sobriedade. Perdeu a guerra, mas pra mim ele sempre foi um velho vencedor das armadilhas da vida. Essas mesmas que me fazem tropeçar todo dia na minha própria sombra.

A magrura da silueta esconde o que os ocidentais nunca aprenderam a valorizar: a sabedoria que só a velhice traz. Este senhor carrega no bolso silêncio, cortesia, rispitude e simpatia. Usa-os quando bem entende.

Faço sinceros votos que ele inclua meu nome no testamento que tiver. Queria, sinceramente, herdar um pouco daquilo que, mesmo a distância, admiro tanto.

Bom dia pro senhor também, vovô Bertoldo.

Juliano RigattiContinência
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Imortalidade

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Sempre defendi que o futebol é movido, além de pela paixão e pelo dinheiro, pela questão psicológica. Como no outro jogo, o da vida. O jogo que acabou há pouco foi mais um das centenas de outros exemplos. O Grêmio precisava reverter uma desvantagem grandiosa de dois gols. Grandiosa em se tratando de Libertadores e de todas as dificuldades que envolvem essa disputa.

Essa semana discutiu-se em um dos veículos de comunicação se só a tradição de imortalidade do Grêmio seria suficiente. Me juntei aos que defendiam que não. Cético dessa vez, achei que só o bom futebol venceria. Não foi assim, como nunca é. Imortalidade suscita determinação. Imortalidade suscita entrega e entrega de corpo e alma. Nesse jogo — e nos demais — venceu a cabeça mais mobilizada, a mente mais determinada. Venceu aquele que desconheceu que a classificação era impossível — apesar de não ter sido.

Como no jogo da vida, os jogadores do Grêmio criaram a possibilidade em suas mentes e acreditaram com todas as forças que assim estaria a noite nesse momento: fria e azul.

Saudações tricolores.

Juliano RigattiImortalidade
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Isso aqui – oô – é um pouquinho de Brasil, iaiá

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­– Seu vôo está atrasado, viu, senhor?

– É? E quanto?

– Não sabemos. Mas certamente não decolará às vinte e uma. E até é provável que ele seja transferido para Guarulhos.

Nem de longe, o diálogo acima tinha me dado idéia do que seriam as próximas nove horas que me separavam de casa.

– Mas às vinte e trinta e cinco uma comissária da Varig estará no portão do senhor, que é o oito, dando orientações.

– Mas às nove não sai mesmo, então?

Senti um ar de sarcasmo enquanto a atendente procurava a melhor palavra para me responder.

– Só por um milagre, Senhor.

Um milagre, Senhor. É do que este país precisa.

Jantei e entrei na sala de embarque às oito e quinze. Dali exatos vinte minutos teria a solução da minha noite. Saberia que horas chegaria
em Porto Alegre. O tempo se arrastava enquanto ia ouvindo, pelo sistema de som, os avisos dos outros vôos que estavam sendo atrasados. Também ouvia aqui e ali pedaços de conversas daqueles que viveriam comigo aquela noite e aquela madrugada. Logo do meu lado, sentaram dois passageiros de Canoas, minha cidade. Falavam alto. Achei engraçado o fato de eles ficarem falando do meu bairro, do bairro ao lado, do outro lado da cidade. Três canoenses sentados lado a lado. Mundinho pequeno. Todos riram quando, pelo som, os passageiros de um outro vôo foram avisados do atraso de duas horas e em seguida convidados pela companhia para um jantar no restaurante executivo do aeroporto. Ríamos imaginando o que nos aguardava. Aos poucos, tudo começava a perder a graça. Chegou oito e meia, oito e trinta e cinco, nove horas. Nosso vôo parecia não existir. Nenhum sinal dele. Nos painéis eletrônicos, ele ainda seria confirmado. Nos avisos de som, nem sinal de sua existência. Nada.

Dez horas. Um funcionário do aeroporto aparece no portão oito sem a mínima intenção de nos avisar de coisa alguma. Só estava ali, cumprindo um daqueles famosos procedimentos operacionais padrão. O abordamos. 

Sim, o avião de vocês já está na pista. Só que sem tripulação. Excedeu as horas limite de vôo deles e eles terão de descansar. O dia está sendo um caos aqui hoje. O negócio é esperar.

O negócio é esperar. Que negócio é esse?

Eu acabara de vir de um Congresso de Comunicação. Ouvimos dezenas de profissionais da comunicação repetir que privilegiar o leitor com a informação verdadeira e correta é o melhor negócio. Ouvi que as companhias aéreas – e não só elas – batalham todos os dias para construir um processo de sadio de comunicação, a fim de valorizar a imagem de suas marcas. Naquele momento, eu era um passageiro de uma Varig sem imagem e sem marca. Desorientado e esquecido.

De certo, essa que encontramos era a pessoa da qual a primeira atendente tinha falado. Ela viria para nos dar orientações. Adoramos suas orientações. Voltamos a nos acomodar. Na cadeira ao lado, sentavam conosco a ansiedade e a revolta.

Dez e quarenta e cinco. Dois companheiros de jornada trazem um alento.

– Vôo confirmado para às vinte e três e trinta. Vimos no painel agora. Portão seis.

Alívio. Chegava ao fim a novela. Mas e o aviso sonoro? Precisava ouvir aquilo para ter certeza de que voaríamos mesmo. Às vinte e três horas, ele veio. Uma voz bonita, pronúncia correta. Só que tardia e com um horário que eu não planejava ouvir. Entramos no avião, conforme o previsto, às vinte e três e trinta.

Alguns minutos para todos se acomodarem, guardarem suas bagagens e um sinal sonoro interrompeu o burburinho.

– Boa noite, senhores passageiros. Aqui quem fala é o comandante Fulano. A Varig tem o prazer de ter vocês conosco e agradece a preferência por voar Varig. Infelizmente, não tenho boas notícias para os senhores.

Claro que não podia acabar assim, tão fácil. O que é agora, saco?

– Faltam exatos sete minutos para o Aeroporto fechar, ele fecha à meia-noite, e ainda temos treze aeronaves para deixar Congonhas. É impossível que todas decolem neste tempo. Vou tentar junto ao Coronel Beltrano uma prorrogação do fechamento do aeroporto. Volto em instantes para mais notícias. Obrigado.

Pronto. E, agora, que faremos? Vamos dormir aqui? Vão nos pagar hotel? Ou um restaurante executivo?

Instantes depois, o avião começou a se movimentar e iniciaram-se as recomendações de segurança dos comissários, padrão no início de qualquer vôo. O tal Coronel teria prorrogado o fechamento dessa joça? Entendemos que sim e afivelamos nossos cintos, satisfeitos. Estávamos indo embora.

Ouvimos todos os avisos. Saídas de emergência, despressurização, bolsões. Tudo. Acenderam minha luz individual e reduziram a luz. Em uma hora e meia, estaríamos no nosso destino. O avião embicou na pista, aguardando autorização para decolagem.

– Boa noite senhores, aqui é o comandante Fulano outra vez. Como eu havia lhes adiantado, o nosso vôo está cancelado.

Haha. Uns deram risada, outros esmoreceram. Todos estavam exaustos com tudo aquilo. Qual a próxima gentileza?

– Se vocês olharem pela janela, já temos seis aeronaves voltando à posição de origem, a nossa é a sétima. A companhia já providenciou um ônibus que os levará para Guarulhos – se assim o desejarem. Lá, temos aeronaves à disposição para embarque imediato. As bagagens estão sendo levadas à esteira B. Nós, da tripulação, seguiremos com vocês. Obrigado.

Chegamos em Guarulhos à uma e quinze da manhã de sábado. Lancherias, restaurantes, cafeterias, todos fechados. Todos. Com sede e fome a solução era aguardar o serviço de bordo do vôo Varig.

– Consegui para vocês água e suco para a viagem. Não estava previsto lanche algum – revelou a atendente. – Doze vôos foram transferidos de Congonhas pra cá hoje e a companhia não previa isso. Mas vocês terão água e suco.

Mais risadas de alguns. Nada mais nos irritava, nada mais nos tirava do sério. O clima já era de excursão. Daquelas que têm o pneu do ônibus furado em plena terra de ninguém. Nem borracheiro, nem posto de gasolina. Nem boteco. Nada e ninguém por perto. Só a promessa de que a ajuda viria. Não se sabe ao certo bem quando. Cansados e com sede, teríamos de esperar.

– A Varig é um caos. Esse governo é um caos. O Brasil é um caos. A aviação é um caos – teria dito um dos nossos companheiros. Exagero ele.

Abri o portão de casa às quatro da manhã. Alô, alô marcianos: a aviação brasileira parece viver a cada dia o seu primeiro dia de operação. Foi o primeiro dia que atrasaram vôos. Foi o primeiro dia que não souberam o que dizer aos passageiros e, portanto, não disseram nada. Foi o primeiro dia que a tripulação excedeu suas horas máximas de expediente. Foi a primeira vez que faltou mantimento para o serviço de bordo. Foi a primeira vez que Congonhas fechou à meia-noite. Tudo estava sendo inaugurado naquela noite. Pra minha sorte, piloto e co-piloto deram a impressão de já terem decolado e pousado outras vezes. Garantiram, com isso, este meu desabafo.

Do ponto de vista de gestão, vi as piores coisas acontecerem naquela noite e madrugada. Como disse, tinha acabado de vir de um Congresso de Comunicação. Falávamos lá de administração de crises. Ouvimos que crise é o que pode e emergência o que não pode ser previsto. Salvo exceções. A aviação brasileira faz de cada desvio de rotina uma crise sem previsão de começar, nem de acabar. Tudo parece novo todos os dias. Não se sabe o que dizer e, por isso, é melhor manter todos aflitos, sem informação. Sei que não se pode atribuir tudo às companhias aéreas, no meu caso a Varig. Sei que não. A crise é do setor. Mas, me desculpem, planos de crise existem pra isso. Pra tentar trazer à normalidade situações inusitadas, sem que o cliente – este, sim, nada tem a ver – seja prejudicado.

No fim das contas, conclui que tudo isso não passa de um exagero da minha parte. Lembram do que me disse a primeira atendente da companhia aérea ao me receber no check-in?

­– Seu vôo está atrasado, viu, senhor?

– É? E quanto?

– Não sabemos. Mas certamente não decolará às vinte e uma. E até é provável que ele seja transferido para Guarulhos.

Tudo estava previsto. Eu é que não quis acreditar.

Juliano RigattiIsso aqui – oô – é um pouquinho de Brasil, iaiá
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… desse Brasil que canta e é feliz, feliz, feliz

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Uma vez, tempão atrás, já trouxe aqui uma repreensão que me deram na infância e que serve muito bem para explicar algumas coisas que acontecem hoje no Brasil.

Eu tinha o hábito de guardar potes e coisas no armário do alto da cozinha de casa e de fechar a porta sem ter bem certeza se estavam todos os objetos bem, digamos, acomodados. Fui, inúmeras vezes, repreendido por isso. Pro caso de evitar que todos, potes e coisas, viessem abaixo quando o próximo morador da casa resolvesse abrir a porta do armário.

O simples gesto recomendado acima traz à luz dois ensinamentos. O primeiro diz que não podemos fazer as coisas de qualquer jeito, principalmente quiando se trata de educação infantil. Empilhar projetos, iniciativas e ações sem ter a certeza de que eles serão bem conduzidos e que farão bem para o país. É preciso ter a certeza que a grana investida não será transformada em dívida e lamentos que cairão, mais tarde, do alto do armário bagunçado, quando o próximo ano chegar. A segunda lição é que não se pode pensar, estando num país continental e com tanta diversidade como o nosso, com os olhos só no hoje e no amanhã de manhã – como estamos cansados de ver. Empurrar um programa social pra dentro do armário só porque ele precisa estar ali é garantia de que, mais cedo ou mais tarde, quando forem examinar o conteúdo do móvel, ele vai voltar direto na cabeça de alguém.

Lembrei disso enquanto lia, esses dias, reportagens sobre a educação infantil brasileira. A primeira delas (Veja, edição de maio de 2007) tratava do projeto-piloto que está sendo desenvolvido em cinco escolas brasileiras, uma delas no Rio Grande do Sul, para implantar laptops nas salas de aula de escolas das comunidades mais pobres. Segundo o programa – embrionário inclusive em outros países em desenvolvimento –, acredita-se que crianças de famílias de baixa renda ganhem uma ferramenta para descobrir novos horizontes na escola e em casa. Como bem diz a matéria, estamos falando de um modelo de escola congelada no tempo desde o século XIX. O laptop não poderá substituir o papel do professor, e este é, em média, mal remunerado e mal preparado. Como fazer com que ele entenda que o computador portátil ensinará, mas não educará? Lembra a matéria que laboratórios em outras escolas brasileiras servem de depósito para computadores empoeirados que não são usados porque nem mesmo os prórprios professores sabem operá-los. O projeto também prevê que os estudantes levem seus computadores para casa, a fim de ampliar o tempo de estudo e de convivência com a nova tecnologia. Mais um problema: quantos chegarão em casa ou voltarão à escola sem os equipamentos? Enquanto uns trocarão por drogas, outros terão sido roubados no trajeto que fazem até em casa utilizando o transporte público e experimentando a ineficaz segurança de nossas ruas. Fica a nítida impressão de que estão ignorando a bagunça lá dentro do armário e tentando enfiar mais um potão. Bonito e robusto. Tela de cristal líquido, gigas e gigas de memória. Só que completamente inapropriado e inadequado ao contexto que conhecemos.

O jornal portoalegrense Zero Hora, de 21 de maio, traz reportagem especial sobre um projeto do governo federal que cogita estabelecer pagamento a famílias de alunos que passarem de ano. “A proposta”, diz a matéria, “em estudo no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, deve beneficiar estudantes pobres de 5ª a 8ª série contemplados pelo programa Bolsa-Família. Eles receberiam no mínimo R$ 204 ao final do ano letivo (o valor ainda não está definido). Trata-se de uma tentativa de evitar a evasão, um dos pesadelos do sistema educacional brasileiro.” Completo absurdo. Primeiro porque iniciaria só o que falta nesse país: a cartilha da corrupção. Crianças aprenderiam desde cedo como trocar boas atitudes por dinheiro. Nasceriam prontos para a vida real nesse Brasil sem moral e ética. Outro, porque o dinheiro acabaria, logo, logo, sendo rachado entre aluno e professor que faria de tudo para levar uma beira nessa história toda. E o mais grave, na minha opinião: o sistema educacional brasileiro chancelaria a mais errada das premissas do ensino: estudar pela nota. Tendo apenas o passar de ano como obejtivo, a fim de angariar uns trocados – valiosos para famílias de baixa renda, digamos de passagem – os alunos pouco se preocupariam com o aprender.

Dois exemplos de como não fazer educação infantil. Um deles vem de fora, completamente desproporcional à nossa realidade, e o outro, ah, esse é bem brasileiro. Ambos, uma profunda burrice de quem freqüenta Brasília só para lanchar.

Juliano Rigatti… desse Brasil que canta e é feliz, feliz, feliz
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