A nossa ditadura

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A geração dos nossos pais viveu a ditadura da censura. Não existia liberdade na forma como conhecemos hoje. Nem de longe.

Lembro de ficar assustado a primeira vez que li a história sobre o irmão do músico Nei Lisboa, desaparecido em meio à repressão. Depois nunca mais consegui ouvir uma das músicas do Nei do mesmo jeito. Era triste e forte demais. Um pouco antes, tinha conhecido a história de Olga, que a TV dramatizou. Ali, conheci os instrumentos dos militares e as formas de tortura. Esses dias, vejam só, no Faustão, acompanhei o relato de Caetano Veloso sobre o tempo em que ficou em uma solitária, depois no xadrez, depois exilado. Que tempo difícil comparado à liberdade que temos hoje.

Mas tudo isso só seria mais difícil de compreender e de aceitar se não vivêssemos este tempo. Estamos como presos soltos depois de décadas de clausura. Não sabemos como lidar com tamanho número de opções. A liberdade nos assusta. Nosso lastro horizontal de opções aumenta a cada dia sem que possamos (ou saibamos ou queiramos) aprofundar, verticalizar qualquer conhecimento.

Meus pais não sabem conviver com esta abundância de possibilidades de escolha. Foram acostumados a contentar-se com o pouco que a vida lhes deu e com o outro pouco que conquistaram a duras penas. Nós temos de tudo.

Não sabemos mais o que é ter de folhear uma enciclopédia; o Google nos responde qualquer coisa, com mais informação e mais rápido, às vezes até o que não queremos ver. As crianças não precisam mais economizar folha de papel e giz de cera; os aplicativos de tablet e smartphone dão suporte infinito à criatividade. Os jovens não sabem mais se devem escolher uma única faculdade; as universidades criaram formas de se estudar de tudo um pouco, transitando por qualquer curso. Escutar música não é mais ligar pra rádio e pedir a preferida, ou juntar grana para comprar o CD; os serviços na web são acesso a to-das as músicas, de to-dos os artistas. Eu parei de escutar porque não sei o que escolher. Brincadeira. Não, é sério. As profissões não são mais as mesmas, as demandas são outras, os clientes não têm gênero definido, seus comportamentos variam muito na mesma geografia, os escritórios se mudaram para as casas ou para uma mesa onde todos comungam a mesma cafeteira, a mesma internet sem fio e escutam a conversa do coworker concorrente. As empresas estão em dúvida se investem em mais treinamento, em aumento de salário ou na compra de um videogame e pufs coloridos para pôr no novo espaço de lazer que substituiu o fumódromo, e está ao lado da geladeira transparente com cervejas artesanais que não são mais só para sexta-feira. O consumo está muito mais acessível. Lembro que um tablete de chocolate me durava (tinha que durar) uma semana; hoje, duram uma sentada, e têm 18 variedades de sabores, de tamanhos e de país de origem. As religiões sérias, antes valorizadas por indicar a possibilidade do transcendente, por dar sentido à nossa experiência humana neste planeta, agora são condenadas por limitar o relativo. O álbum de fotos de depois das férias, antes restrito a 12 poses surpresas, viraram a obrigação de postar em alguma rede social uma selfie ou um flash, selecionado entre outros seis e que dura 24 horas, a cada instante memorável. E o momento seguinte, outrora reservado ao desfrute da paisagem ou da companhia (ou ambos), é ocupado pelo acompanhamento dos likes, ou seja, do quanto a memória que era para ser só sua agradou a todos.

Para o Humberto Gessinger e o Tiago Iorc, “é gente demais, com tempo demais, falando demais e alto demais. Todo dia, a gente queima mil bibliotecas de Alexandria”. Sem backup ou pasta alguma na nuvem.
Mesmo com tudo isso, muitas vezes não vamos a lugar algum, não sabemos qual destino escolher. E quem não sabe onde quer ir, vocês sabem, qualquer resultado de busca na internet serve. Nosso sonho é que inventem um cardápio com só dois pratos e duas bebidas. Ou que escolham por nós. Como a criança que reconhece os limites impostos pelos pais como um gesto de amor, queremos um carinho da vida, que ela nos ajude a optar. Não sabemos o que rejeitar. Ou queremos de tudo. Porque temos que entrar e participar. Nossos pais queriam escolher e não podiam. Nós podemos mas não sabemos o que fazer com essa tal liberdade. Dizem que vivemos a economia da atenção, nossa curiosidade dura 9 segundos; se não interessou, mudamos de canal — da TV ou do Youtube. Muitos devem estar longe desta crônica há horas, aliás. Cada momento é uma prova de múltipla escolha que consome o que resta de nossas energias.

O que era para ser o paraíso das possibilidades, o harém do poder de escolha, virou a ditadura da liberdade.

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Sobre internet e postes de borracha

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Artigo meu, publicado no site Mínimo Múltiplo. Boa leitura!

***

Na primeira madrugada de fevereiro de 2008, a Avenida Senador Tarso Dutra (Terceira Perimetral), na zona norte de Porto Alegre, foi cenário de mais uma tragédia do trânsito. Por tratar-se da família de uma figura pública, o caso ganhou repercussão além das páginas da editoria Geral dos jornais do dia seguinte. Avançou para a editoria de Política, ganhou a boca do povo e mereceu artigos e receitas de especialistas para diminuir as chances de que mais dramas como aquele se repetissem. Proibição da venda de álcool nas festas, investimento em novas campanhas de educação para a alta velocidade, análise sobre o comportamento juvenil na direção. Quaisquer desses movimentos seriam válidos no sentido de evitar o trauma de mais uma família, de fazer das ruas da capital locais menos violentos. Mas não. O que me chamou mais a atenção? A discussão sobre a presença de árvores e postes nas calçadas, próximos das vias. Não estariam eles contribuindo para o aumento das estatísticas de mortes no trânsito? Quem os teria posto ali, afinal? Postes de borracha. Foi a sugestão de um internauta que lera, atônito, matéria sobre um dos painéis a respeito do trânsito, realizados na capital à época. #fail

Postes de borracha. Sim, é um exemplo aleatório, mas de um comportamento recorrente. Parece próprio do ser humano evitar a compreensão integral dos fenômenos e concentrar a solução das coisas no que é mais simples ou mais fácil. #tenso

É assim para as drogas, quando a sociedade se recusa a cuidar da família e desvia o foco para os perigos do pó. É assim na conservação do patrimônio público, quando esquecem de comentar a importância deles na escola e preferem restringir a venda de sprays a pichadores. É assim quando pais pedem punição para professores quando eles pegam seu filho pelo braço e o obrigam a sentar e manter o silêncio na sala de aula. Não são os pais, neste caso, os passíveis de punição?

As mídias sociais são geridas por esses mesmos seres humanos. Nas agências de marketing digital, nas empresas, nos veículos de comunicação. Blogs, Twitter, Facebook, Foursquare, Linkedin, Tumblr, Youtube não são soluções, são meios apenas. Tão somente meios. Para o lamento de todos, as fragilidades, as fraquezas e as dificuldades de agências de marketing digital, de empresas e de veículos de comunicação são os mesmos de antes do surgimento dessa parafernália toda.

Há muito tema de casa para ser feito antes de conquistar sucesso de uma marca nas redes digitais. Não há mágica. Não há caminho mais curto ou mais fácil.

Em uma pesquisa rápida no site Escave as Mídias Sociais é possível conhecer algumas geniais campanhas de marketing digital de marcas famosas que não deram certo. Porque não entenderam bem os critérios de desempate para a escolha de um mayor no Foursquare? Porque encontraram um bug numa das funcionalidades da fanpage do Facebook? Ou porque não encontraram um mecanismo eficaz para medir a amplitude de uma ação no Twitter? Nada disso. Muito geralmente, as razões que levam ao fracasso de uma marca nas redes digitais (sim, este é o melhor nome para tudo isso; mais preciso que redes sociais e mídias digitais) não são o manejo das novas ferramentas. Até porque é só dar um clique num buscador – ou um chute numa moita, como se dizia no tempo do off-line –, e aparecem centenas de especialistas em mídias sociais (aliás, sobre isso, recomendo este artigo do Perestroika).

O que leva a imagem de marcas e o objetivo de campanhas digitais ao fracasso é a ilusão de que a internet mudou o mundo. De que a internet mudou as cabeças, as leis da física, as relações entre empregado e empregador, que mudou a relação entre organização e consumidor, político e eleitor. Nada mudou nas operações fundamentais da sua empresa, da mente daquele cliente exigente. Nadinha.

No Escave as Mídias Sociais, há casos clássicos (e que repercutiram bastante) de empresas que se deram mal na rede exatamente por não observar elementos básicos da relação com seu interlocutor. Consideremos dois de duas grandes empresas, uma de automóveis, outra de eletrodomésticos. Em ambas, o cliente cansou de não ser atendido pelos meios convencionais e postou sua reclamação na rede. Só o vídeo no Youtube de um dos insatisfeitos tem mais de 800 mil exibições. E, atenção, neste caso, o consumidor não se sentiu lesado por terem quebrado uma regra do regulamento da ação na internet, mas pelo não-cumprimento do Código de Defesa do Consumidor, criado em setembro de 1990, quando eu nem pensava em ter e-mail.

E o famoso caso de um funcionário de uma empresa de hospedagem de sites e serviços de internet que ofendeu no Twitter um torcedor do clube que era patrocinador da sua empresa? Seguido deste, há inúmeros casos de jornalistas e outros profissionais que foram demitidos depois de falar mal da empresa, de sua chefia ou de seus colegas. Porque não sabiam usar as ferramentas ou porque infringiram normas básicas de postura, ética e bons modos, ensinados pela avó?

Há também o caso de um estagiário de uma marca de design de interiores do Reino Unido, que resolveu explorar a polêmica sobre as eleições iranianas, em 2009, usando as hashtags #iranianelection e #Mousavi para inserir propagandas de sua empresa entre a multidão que discutia a questão política daquele país. A empresa foi acusada de fazer piggy-backing, ou seja, de tentar enganar seus consumidores. Viram como nada mudou? A culpa segue sendo do estagiário.

OK, mas é importante compreender a nova dinâmica que a internet impôs ao mercado, né? Claro que sim. A internet criou novas formas de interação e colaboração. Mais: ela pôs um megafone na mão de quase todos. De bons e de ruins. Mas bom caráter, respeito e bom senso ainda são essenciais. Nas empresas, a realidade é mais exigente. Bem antes de manjar do universo on-line, lembre-se de que o mundo de hoje exige muito mais do mesmo. Transparência, qualidade dos produtos, qualidade do atendimento e responsabilidade socioambiental, por exemplo, são prerrequisitos urgentes. #temqueverissodaí

Juliano RigattiSobre internet e postes de borracha
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Você já conhece as mídias sociais

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Olá, é com orgulho que compartilho com vocês um artigo meu publicado na revista Super Sul deste mês. A revista é voltada ao setor supermercadista. O tema do artigo é mídias sociais e negócios.

Boa leitura!

***

Você já conhece as mídias sociais*

Sim, meu título é uma afirmação e não uma pergunta.

Há alguns meses, mandei um email aos amigos e colegas de trabalho falando da minha satisfação em descobrir o site Peixe Urbano, um clube de compras que se utiliza do moderno princípio da colaboração online para vender produtos. Meu e-mail:

“Gente, essa vale a pena passar adiante: site de vendas Peixe Urbano. Vejam que troço inteligente. Eles lançam uma promoção por dia de um produto ou serviço com até 90% de desconto. Se tu decidires comprar, tens q torcer para que haja um número mínimo de outros interessados; só assim o produto sairá pela bagatela anunciada. É um site de vendas bem adaptado às mídias sociais: a vantagem só existe se mais gente aderir.”

E que negócio é este? O vendedor se rentabiliza, uma, porque vende mais, outra, porque se torna conhecido, e, outra ainda, porque transforma o momento da retirada do produto em uma oportunidade para vender mais – e, geralmente, isso acontece. O site, por sua vez, ganha porque fica com uma fatia generosa do valor de cada pedido – que não são poucos. O ganho de clientes como eu, que economizam e acabam tendo a oportunidade de conhecer mais a vida urbana, fecha o círculo virtuoso da ideia. Comprovadamente, de grande sucesso, aliás. Tanto, que não é mais o único no mercado.

Embora eu tenha notícia de que alguns fizeram cadastro no tal clube de compras por causa de minha mensagem, poucos responderam o email no qual eu contava a tal novidade, mas um deles vale à pena reproduzir. Dizia este meu colega – sessentão e brilhante jornalista:

“Rapaz, umas três décadas antes de teus pais terem se conhecido, havia uma espécie de venda na qual, se tu conseguisses mais três ou quatro adeptos, a tua compra saía de graça; lembro que quem usava a estratégia era o fabricante do sapato Samello, de SP. Sensacional essa do Peixe, o princípio é parecido – agora não boca-a-boca ou pelo correio, mas pela internet. Como imediatamente diria meu pai, citando Lavoisier e pensando nos bolinhos de carne de rodoviária, “no mundo nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”.

E transformou-se.

Se por um lado, como anuncia meu título, não deve haver surpresas pra você sobre como se comportam sem a internet os grupos de pessoas com interesses afins (ou redes sociais ), por outro, há dois fatos sem precedentes: o meio pelo qual eles dialogam atualmente e os impactos deste novo diálogo para as marcas.

De cada 10 brasileiros que têm acesso a internet (já são mais de 30% da população na região Sul, segundo o IBGE), 7 deles participam de alguma dessas novas redes, revela estudo Redes Sociais POP, realizado pelo IBOPE Mídia, em novembro de 2010. Orkut (91%), Facebook (14%) e Twitter (13%) lideram as preferências. Olhando para a região Sul do país, Florianópolis (82%), Porto Alegre (73%) e Curitiba (65%) destacam-se pelos altos índices de penetração de internautas nas novas mídias. E o que fazem lá? O mesmo que faziam no passado, só que com um megafone nas mãos. Contam aos outros – dezenas, centena, milhares; na sua maioria, desconhecidos do mundo físico – suas experiências de vida, de consumidor; falam do final de semana, do filme que viram, do supermercado que foram; do produto que compraram e gostaram, e do produto que adquiriram pela internet e que ainda não foi entregue. Decidem suas compras – 25% deles já o fazem –, compartilham informação. “O uso crescente das Redes Sociais no cenário mundial ocasionou uma verdadeira revolução comportamental. A comunicação passou de ‘one-to-one’ para ‘many-to-many’, diz o estudo do Ibope Mídia.

Em suma, nas mídias sociais, consumidores dão depoimentos reais de sua intimidade, de experiência de compras e de experimentação de produtos. Como antes. Também como no período pré-mídias sociais, vão se tornando mais respeitados na medida em que suas opiniões, elogios e desabafos contribuem para os outros. Agora, imagine isso multiplicado por dez, por cem, por mil. E já há pesquisas que apontam que a crença dos internautas na opinião de sua rede de contatos virtual está crescendo, chega a se igualar ao índice de confiança na propaganda online das empresas e já ultrapassa o número dos que acreditam em publicidade em jornais. Pesquisa sobre consumo da Nielsen Online, de julho de 2009, mostra que sete em cada dez (70%) confiam nas opiniões de consumidores expressas online, enquanto o mesmo percentual acredita nas informações dos sites das marcas. Já a confiabilidade em anúncios de jornais impressos caiu de 63% em 2008 para 61% em 2009. E por quê? Porque enquanto a maioria das empresas está preocupada em apenas falar bem de seus produtos e serviços, pessoas reais entregam relevância e valores umas às outras. No livro Marketing 3.0 (Elsevier, 2010), Philip Kotler diz que “os consumidores estão não apenas buscando produtos e serviços que satisfaçam suas necessidades, mas também buscando experiências e modelos de negócios que toquem seu lado espiritual. O modelo de negócios baseado em valores é o que há de mais inovador no Marketing 3.0”.

Mas você pode pensar que isso é um fenômeno das minorias. Que no seu supermercado, na sua empresa, isso tudo ainda não é realidade. Pode pensar assim, claro que pode. Mas não deixe de levar em conta que, na sua casa, o seu filho ou seu neto já nasceu conectado à internet e às formas digitais de relacionamento. E que a ascensão desta parcela da população, chamada por Kotler de “sociedade criativa”, está só começando. Embora o número de pessoas da classe trabalhadora seja maior, Kotler afirma que os inovadores se tornarão cada vez mais dominadores. “No mundo colaborativo influenciado pela nova onda de tecnologia, (eles, os criadores nas mídias sociais) funcionam como eixos centrais que conectam os consumidores entre si. São os consumidores mais expressivos e mais colaborativos que mais utilizam as mídias sociais”, conclui o autor. Aqui está o perigo – ou a oportunidade.

Se é crescente o número de pessoas conectadas e que dialogam usando as mídias sociais, e que este perfil de consumidor confia mais no seu amigo internauta do que nas empresas, como se preparar para se comunicar a partir de agora e no futuro? O que muda na minha relação com as centenas de clientes que compram meus produtos e serviços diariamente?

Nada muda nas operações fundamentais da sua empresa. Há grande impacto, entretanto, na forma como ela se comunica, como ela dialoga com seus clientes. Quão transparente é a sua gestão? Que resposta você tem para o seu cliente? Quão ágeis são as mudanças frente às demandas dos stakeholders (pessoas ou organizações que são afetadas pelos negócios de sua empresa)? Se até então questões como essas eram importantes, elas passam a ser urgentes.

Lembre-se: desde o sapato Samello, pouca coisa mudou no íntimo do consumidor – que nunca gostou de falta de clareza, de falta de qualidade, de atendimento antipático. E não foram só os direitos do consumidor e o aumento das necessidades de consumo que mudaram a correlação de forças na sociedade: se antes eles falavam por cima do muro, com o vizinho, na mesa de bar, com meia dúzia, neste instante, eles estão falando da sua marca ao megafone tecnológico, que são Orkut, Twitter e Facebook, para milhares de outras pessoas.

O que fazer, então, se antes mesmo de você decidir se entra ou não nesse jogo, você descobre que já está nele?


*
Não encontrei isso em nenhum manual de uso da internet, mas tenho pra mim uma forma de entender as variadas nomenclaturas que dão às mídias sociais. Qual é a diferença entre redes sociais e mídias sociais, por exemplo? E o que é uma mídia digital? Como entender essa mistura de termos? Pra mim, é simples. Rede social é aquilo que sempre existiu, desde que o homem é este ser sociável, digamos assim. Desde o Samello. É a sua rede de relacionamentos reais. Pode ser pessoal ou profissional. Você se comunica pessoalmente, por telefone ou por e-mail. Mídia digital? São as diversas plataformas digitais ou eletrônicas de comunicação, de difusão de informações. Neste caso, representada pela internet. Mídias sociais são, portanto, a mistura disso: de mídias digitais com redes sociais. É como se toda a minha troca de informações com meu círculo de amigos, parentes e colegas de trabalho ganhasse, agora, a possibilidade de ter a velocidade, a instantaneidade e a amplitude de um meio como a internet. Não é de se desprezar.

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O sorriso do Jeison

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Não lembro exatamente o dia em que escrevi o texto abaixo. Foi por esses dias, três anos atrás. Ele serviu especialmente para marcar a época da minha formatura em Jornalismo e também para participar de um concurso do blog do David Coimbra, da RBS.  E não é que consegui ver minha crônica publicada ? E não é que hoje esse texto me traz inúmeras boas lembranças, de uma conquista única?

Este é o O sorriso do Jeison, em lembrança ao meu colega jornalista Juliano Rocha Rangel. Lá vai!

***

O sorriso do Jeison

Só pra ver como a vida é feita de detalhes. E de bons conselhos. Depois de sete anos e meio e de muitos passos dados, março próximo é o mês da minha formatura em Jornalismo. Em São Leopoldo, Rio Grande do Sul. Formatura essa que começou a acontecer mais ou menos um ano atrás. Era uma noite quente de fevereiro. O nome do cara é Jeison. Falar do cara é falar do sorriso do cara. É sério. Ele é do tipo simpático, sabe? Cumprimenta todos, e a todos mostra seu sorriso. Sorriso alegre, cheio de dentes brancos, espontâneo. De quem gosta da vida. O que mudava sempre era o cabelo do Jeison. Nuns semestres, bem curto. Noutros, comprido. Até lembrava um samurai.Eu já conhecia o Jeison de outras cadeiras lá da Unisinos. Isso porque nunca se estuda sempre com os mesmos. Cursamos duas disciplinas juntos? Três? Se muito. Jeison e eu só éramos próximos na lista da chamada. Não fomos nunca amigos. Sempre que os professores o chamavam, pouco antes de mim, eu já o tinha visto: sorriso largo, falando com outros ao redor, lá estava o Jeison, o cara que seria decisivo pra minha formatura.

Como quase sempre, naquele dia o caminho pelo qual atravessava a região metropolitana de Porto Alegre tinha sido longo demais. Eu estava atrasado pra aula. Saía sempre às 18h30min do trabalho e quase nunca chegava a tempo pra aula. Atrasado e esgotado. O dia em frente ao computador e o trem lotado acabavam com minha disposição.

Procurei no celular a anotação do local onde ficava a sala da aula daquele dia. Sala cheia e porta fechada. Saco. Atrairia a atenção de todos. Uma merda prum tímido como eu. Mas uma merda necessária. Abri a porta. Olhinhos todos vieram em minha direção. Escureceu-se quase tudo. Tinha uma cadeira vaga, iluminada. Sentei e tudo clareou. Ao meu lado, o Jeison. E ele foi logo sorrindo quando sentei e disse a ele opa, beleza? Beleza, ele respondeu. Sorrindo.

A aula ia chata quando Jeison puxou assunto.

— E aí, que cadeiras mais tá fazendo?

— Essa e mais três. Nunca mais. Três é o meu limite.

— Bah, pior. Pra mim também — e sorriu.

— Te forma quando?

— Sem ser no próximo, no outro. 2007… — pensei. — 2007 dois — disse eu.

— Bah, legal, eu também — sorriu o Jeison. — Já tá fazendo o Projeto?

— Não, não. Vou deixar pra fazer só o Projeto e o TCC no último. Muita coisa pra agora.

— Ahn…

Pela primeira vez, o sorriso sumiu da cara do Jeison, que disparou:

— Mas,cara, tem que fazer o Projeto antes. Senão não dá. Tem que ser antes.

— Mas, não… sério? Por quê? Agora nem dá… nem tenho mais dias livres. E nem grana.

— Troca por essa de hoje, ué — resolveu o Jeison. — Faz essa depois.

— Será? — franzi a testa toda.

— Claro, cara. Olha, tem que fazer o Projeto agora pra poder te formar em 2007 dois. É sério.

Vi pelo semblante do Jeison que era sério.

— Bah, vou lá na Central agora. Será q tem vaga ainda? — consultei o Jeison.

— Vai logo, meu.

— Cara, tu salvou minha formatura — brinquei, levantando.

Até hoje, sempre que vejo o Jeison agradeço pelo toque e digo, às brincas, que ele salvou minha formatura. A última dessas foi no dia em que a turma tirou as fotos para o convite. Lá na Unisinos. O Jeison, sabe o que o Jeison fez? Só sorriu.

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Eu acho que as mídias sociais darão certo

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Não sei aí onde você está, mas aqui onde eu estou, a moda que pegou – e até já enjoou – é a de colar adesivinhos na parte traseira do carro com desenhos que representam as nossas famílias. Famílias felizes. Tem de um tudo, como diz um amigo meu. Homem de mãos dadas com uma mulher. Rapaz de mão com uma guria. Rapaz com rapaz. Rapaz só. Guria com guria. Pai e mãe com uma ou mais crianças no meio. Casais com tartarugas, peixinhos no aquário, cachorros e gatos. De um tudo.

E sei bem que aí onde você está e aqui onde eu estou que os programas tipo reality show são um grande sucesso. A versão da Record e a da Globo, especialmente. Muita gente dedica grande parte de sua noite de descanso e convívio familiar para verificar a vida do outro. Para ver o que ele diz, como se veste, se tem boas maneiras para comer, se esconde suas partes íntimas ao tomar banho. Mas aquilo tudo não é a vida do outro, não.

É um espelho.

“As pessoas estão cada vez mais interessadas nelas mesmas”, li outro dia em um suplemento de um jornal dedicado aos adolescentes e jovens. Eles, os jovens, aprenderam conosco: Vaidade das vaidades! Tudo é vaidade (Eclesiastes 1, 2).

Num mundo de alta concorrência, os seres humanos comparam-se, competem entre si. Foi assim desde sempre entre as espécies que já habitaram este planeta. Competição. Quando levada para o bem, transforma-se em colaboração, network, novas tecnologias, evolução da ciência, construção; quando para o mal, vira inveja, destruição. Mas tudo, no fim das contas, é vaidade.

O que reforça a minha tese: um dos ingredientes das mídias sociais é o desejo pela xeretice da privacidade alheia. Foi assim que o Orkut virou um sucesso, há uns bons anos. Com o pretexto de que queríamos encontrar os amigos antigos, a coleguinha do primeiro grau, bisbilhotávamos a vida alheia. Fizemos mais contatos ainda quando o site restringiu algumas informações ao amigo do usuário. Tínhamos um reality show à nossa frente e salivávamos.

(Mas não tem nada de mal, não, a vaidade. Não se culpe. Somos assim. A psicologia deve explicar direitinho porquê. Comparamo-nos o tempo todo. É bem normal.)

Surgiram Facebook e Twitter. Há menos interesse pela privacidade alheia, dirão. Não, direi. A competição segue. Competimos com a melhor informação, com o melhor link, com o melhor vídeo, com a melhor foto, com maior número de seguidores, com a maior quantidade de mentions, de érretês. Não é à toa que a regra número um das atuais mídias sociais é: seja relevante! Volta e meia damos uma olhadinha de canto na biografia do usuário. Queremos saber como se comporta, que cursos fez, onde trabalha, se tem namorado, quem que segue.

Portanto, se você ainda tinha alguma dúvida, eu lhe trago a salvação: as mídias sociais triunfarão. E jornalistas, relações públicas, publicitários, ou outros profissional da comunicação terão mercado para explorar seus potenciais e capacidades técnicas. Estamos diante de um mundo de vaidades, onde a competição pelo melhor conteúdo gera a colaboração entre redes sociais cada vez mais ativas. As plataformas digitais não param de evoluir. Telas mais finas, mais leves. Nossos dedos, cada vez mais úteis.

E o que fazem aqui os profissionais de comunicação? Eles entram nesse jogo para mediá-lo. Para pôr em prática toda capacidade de lidar com o caos, com a dúvida, com o debate, com o controverso. Para transformar a informação que é compartilhada em conhecimento. Para transformar o relacionamento criado em resultado organizacional.

Mais argumento para minha tese de que tudo é vaidade: não é a nova regra do Marketing que consumidores acreditam menos nas empresas do que no seu semelhante? Quero saber o que a minha rede está comprando, experimentando, desembrulhando. Preciso saber. E quero saber se a minha rede gostou, se elogiou, se criticou, se transformou num viral. Um espelho. Olho para a minha rede e me vejo nela.

E por que somos todos especialistas em Facebook, em Twitter? Porque a cada esquina há um novo curso de dois dias sobre mídias sociais? Porque entendemos bem de vaidades. Desde sempre. Porque entendemos bem de redes sociais. Fizemos parte de uma desde que nascemos. Controlamos a nossa vaidade desde que perdemos a inocência própria de criança.

Falando sério. Eu acho mesmo que as mídias sociais darão muito certo aqui.

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Um texto que queria ter escrito

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Mas não escrevi. A autora é a jornalista Claudia Laitano, do jornal Zero Hora, de Porto Alegre. Recomendo.

***

Conhecimento geral

Sumiram as enciclopédias, e com elas seus distintos vendedores – sujeitos capazes de convencer até quem nunca comprou outros livros na vida de que aquelas vistosas coleções, com capa dura e letras douradas, valiam o investimento. Não eram baratas as enciclopédias, e os sonhos e obrigações da classe média (hoje como sempre) tendem ao infinito – carro novo, sofá, dentista, férias na praia… Mas não era apenas a possibilidade de dar a volta ao mundo em 23 letras e “fantásticas ilustrações” que aqueles vendedores ofereciam de porta em porta. Ter uma enciclopédia em casa era um sinal de distinção social, daqueles a que se pode ter acesso pelo crediário. Era pouco mais de um metro de livros solenes na estante, entre a TV e o vaso mais bonito da casa talvez – mas como caíam bem.

A palavra “enciclopédia” vem do grego, “enkyklios paideia”, algo como “educação (paideia) circular (enkyklios)” ou “conhecimento geral”. A enciclopédia moderna, organizada como um dicionário com palavras e definições, surge com os iluministas, no século 18. Já a possibilidade de construir um repositário de conhecimento universalmente acessível, inimaginável para os iluministas tanto quanto para os vendedores de enciclopédia da minha infância, não poderia existir sem a revolução tecnológica que guilhotinou limites de tempo, espaço e recursos.

A Wikipédia, que completa 10 anos hoje, levou a ideia do compartilhamento do conhecimento a sua expressão mais radical. “Wiki” quer dizer “veloz” no idioma havaiano. A “enciclopédia veloz” não é apenas fácil e rápida de consultar, mas inquieta na atualização e insaciável no apetite por novos verbetes, escritos e corrigidos coletivamente. Sem intermediários e outros recursos necessários além de uma boa conexão à internet – para azar irremediável de vendedores (e editores) de enciclopédias.

A Wikipédia tornou-se tão satanicamente popular em tão pouco tempo, que muita gente ficou desconfiada. A principal crítica sempre foi a de que ela não seria totalmente “confiável”. É possível, mas se isso ensinar os jovens leitores a desconfiarem de tudo o que leem, será um efeito colateral bem-vindo, me parece. Outros dizem que a Wikipédia “perverte” os estudantes. Será? Quem cresceu copiando trechos de enciclopédias sabe que o Ctrl C/Ctrl V foi inventado muito antes do teclado. Alunos que têm a sorte de estudar em boas escolas aprendem de muitas outras formas além dos trabalhos que podem ser copiados, e os que estudam em escolas fracas têm outros problemas para se preocupar.

Muito além de poupar a classe média do investimento em livros que ficavam defasados antes mesmo do fim do crediário, a grande revolução da Wikipédia foi a de colocar em prática a revolucionária ideia da “cultura colaborativa”. E de forma tão elegante e bem-sucedida que todos os dias inventam-se novos projetos construídos global e coletivamente – sinfonias, livros, compras, ações de solidariedade…

Grupos de pessoas protegidas pelo anonimato, a gente sabe, podem fazer coisas muito ruins. Não é uma grande conquista, comparável às viagens espaciais ou à cura de uma doença, descobrir que elas podem se unir para construir juntas a melhor definição para uma palavra, uma invenção, um sentimento? Wikipédia, eu acredito.

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