Sobre gêneros, polegares e telencéfalos

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Venho contar-lhes quase em primeira mão que minha esposa cortou o polegar direito. Coisa feia de se ver. Teve até que ir ao HPS. Levou cinco pontos. Estava cortando ingredientes para temperar o feijão quando a faca abriu caminho onde não devia. Serão necessários dez dias para cicatrizar.

Até lá, eu terei que fazer quase tudo dentro de casa, ela já me advertiu. Como acabei de fazer. Fiquei algumas horas envolvido com o almoço e com o lavar e secar de louças. Umas boas horas. Porque como minha esposa é destra e o corte inutilizou o seu polegar direito, o ferimento inutilizou também a minha esposa para as atividades domésticas. Quase todas as atividades domésticas. Mesmo aquelas que exigem apenas uma mão. Porque são poucas as atividades que exigem apenas uma mão. Mas você pensaria: um corte em apenas um dos dedos já causa todo esse transtorno? Sim. E vou lembrar-lhes porquê.

O documentário Ilha das Flores, de 1988, lembram? Ele dizia que os seres humanos, que são animais mamíferos e bípedes, se distinguem dos outros mamíferos, como a baleia, ou bípedes, como as galinhas, por duas características: o telencéfalo altamente desenvolvido e o polegar opositor. O telencéfalo altamente desenvolvido permite aos seres humanos armazenar informações, relacioná-las, processá-las e entendê-las. O polegar opositor permite aos seres humanos o movimento de pinça dos dedos o que, por sua vez, permite a manipulação de precisão.

O documentário aqui nessa crônica tem duas funções. Uma é explicar a fundamental importância do polegar opositor. A outra é lembrar-nos da existência de nosso telencéfalo. Porque nunca é demais nos lembrar dele. E por uma coincidência proposital da natureza, homens e mulheres, diferentemente de seres humanos e galinhas, possuem, ambos, o mesmo telencéfalo altamente desenvolvido e polegar opositor. Desde sempre. Desde Adão e sua costela. E deveriam equilibrar-se por isso.

Sendo assim, acho curiosíssimo que equilíbrio de gênero seja um assunto moderno só em 2014. Se homem e mulher possuem o mesmo polegar opositor e o mesmo telencéfalo altamente desenvolvido, por que ainda existem tantas atividades que são ou de homens ou de mulheres? Por que ainda vivemos em uma sociedade tão ignorante no que diz respeito a gêneros? O que é ser homem? O que é ser mulher? Dentro de casa, quais são, verdadeiramente, atividades só de homens e atividades só de mulheres? Na relação, o que é do homem e o que é da mulher?

Muitas brigas entre casais têm sua origem em mulheres exaustas e homens isolados. Na ignorância ou dificuldade de refletir sobre isso. Muitos homens sofrem porque chorar é coisa das mulheres. Muitas mulheres sofrem porque, além de ser uma executiva bem-sucedida, têm que cuidar da casa, das louças, dos filhos, e de suas mamadeiras, fraldas e banhos.

Daqui dez dias, o polegar opositor direito da minha esposa estará curado. E pouca coisa deverá mudar na divisão de tarefas dentro de casa. Pouca coisa será só dela ou só minha. Por que temos, cada um dos dois, além de polegar opositor, um telencéfalo altamente desenvolvido.

Juliano RigattiSobre gêneros, polegares e telencéfalos
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EU FAÇO O BEM E SÓ ME FERRO

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A vontade é de largar tudo. Sério. Hoje, sexta, 18 de abril, essa é a mais pura verdade. Tudo o que eu faço pelo outro para receber isso em troca? Tanto esforço, tanto tempo dedicado a entender e ajudar alguém pra nada? É revoltante. Como se tudo o que mais se acreditava caísse por terra. Revoltante e triste. Quer saber? Deve imperar mesmo a lei do mais forte, olho por olho, dente por dente, que se saia melhor o mais esperto, o mais malandro, o mais forte. Tudo em vão. Tu-do. É muito triste. Na boa, nada mais vale a pena.

Até domingo.

É no próximo domingo que tudo se ressignifica. Tudo ganha uma explicação, tudo faz sentido de novo e pra sempre. A mãe deixa de comer para dar para o filho. O amigo deixa de ter razão para não brigar. Aquele cara deixa de viajar para estar com o doente. Eu esqueço aquele troço que ele disse e que acabou comigo. Eu dou, eu ofereço, sem saber se me devolverão.

É no túmulo vazio em que tudo se justifica.

É no domingo de Páscoa em que tudo se faz novo e que o amor vira a maior Lei humana.

Feliz Páscoa!

Juliano RigattiEU FAÇO O BEM E SÓ ME FERRO
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Ciúmes do Fernando

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O meu sobrinho Bento, que já está crescido, levou para casa, dia desses, o seu amigo Fernando. Fernando conheceu a família, jantou com o Bento e dormiu no mesmo quarto que ele. Só que Fernando não é um amiguinho da escola, Fernando é um boneco de pano. Um boneco de pano com tamanho de gente. Acompanhei flashs dessa experiência pelo Facebook da minha irmã, a mãe do Bento. Acho que não vi tudo, mas o suficiente.

Não entendo nada de pedagogia infantil, mas entendi perfeitamente a razão pela qual essa atividade foi proposta ao meu afilhado. E funcionou: eu senti ciúmes do Fernando. Ciúmes de alguém que vê o Bento na escola na hora em que ele está na escola — e não é pelas lentes de uma câmera de monitoramento ou pela foto enviada pelo Whatsapp. Ciúmes de quem enxerga as gargalhadas espontâneas do Bento e a velocidade com que o Bento corre entre as paredes e as roupas coloridas de seus coleguinhas em busca de absolutamente nada.

Senti ciúmes de quem vê o Bento lanchar, vê o Bento aprender, vê o Bento conversar, enquanto alguém tenta ensinar. Tenho ciúmes de quem convive com o Bento nessa idade em que tudo o que há de mais importante acontece sem marcar hora, sem chamar para conversar, sem pedir vem cá e me conta como foi a escolhinha hoje.

Tenho ciúmes de quem pode dar ao Bento o tempo que ele precisa, de quem chega e vai embora com ele. De quem sabe o que o Bento janta num dia qualquer, que não sejam os seus pais. Ciúmes de quem vive a rotina do meu afilhado numa época em que ele não sabe o que é a rotina e em que os dias têm tamanhos e alegrias bem diferentes dos meus dias de adulto.

Por fim, tenho só a repetir a vocês que, pelo Fernando, sinto ciúmes, e pela pedagogia infantil, passo a ter admiração. Obrigado pela lição. Genial.

Juliano RigattiCiúmes do Fernando
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Viver o Natal é sonhar com Deus

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Para quem ainda procura uma reflexão que fortifique o Natal dentro de si, eu recomendo esta. Para Dom Dadeus, celebrar o Natal com fé é sonhar com Deus. Foi o melhor que li sobre o Natal este ano.

A VERDADEIRA LUZ
Por Dom Dadeus Grings

A oração desta noite nos orienta pela claridade da versadeira Luz. Para enxergarmos necessitamos de três condições: um objeto visível, uma luz que o ilumine e uma visão que permita ver. Pode-se discutir sobre a relação estas três condições ou sobre a preponderância de uma sobre a outra. O fato é que não se enxerga se não existir um objeto, nem se vê se não existir luz para iluminar e não se enxerga se não se tem capacidade de enxergar. Não é necessário explicar o que seja enxergar para usufruir da visão, nem é necessário ter consciência se qual a influência subjetiva que traz para a vida humana uma realidade que lhe é exterior.

O Natal transporta a visão natural para o campo da fé. Fala, por isso, de uma “verdadeira luz”, não plasmada por corpúsculos e ondas que sofrem a retração do objeto iluminado. Envolve um mistério que, na terra, é apenas vislumbrado, sendo plenamente usufruído somente no céu. De que luz se trata aqui? Falamos de uma iluminação divina. Abre para uma realidade que “nenhum olho viu, nenhum ouvido ouviu, nenhum coração humano jamais consegue imaginar”.

Falamos de plenitude. Na verdade ela só acontece no céu. Mas, no Natal, já nos situamos na perspectiva desta plenitude. Chegamos ao momento mais marcante de nossa História: Deus se fez homem e veio, em pessoa, plenificar toda a caminhada humana. É o momento de antegozar, pela fé, o que veremos na realização definitiva. Sonhamos com Deus.

Juliano RigattiViver o Natal é sonhar com Deus
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Por um 2014 mentalmente mais forte

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Amigos, nesse período favorável às reflexões, balanço de vida, promessas e propósitos, sugiro o texto abaixo, traduzido da revista norte-americana Forbes, uma das publicações mais importantes do mundo. Acredito muito em cada um desses 13 tópicos. E se, para você, algum deles não fizer sentido agora, arrisco dizer que um dia fará. 😉

Desejo mais que boa leitura. Sugiro que você busque ter uma mente mais forte em 2014. Para a sua felicidade e o bem das pessoas que você ama.

Abraço grande!

Juliano Rigatti

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Pessoas com mentes fortes conservam hábitos saudáveis lidando com suas emoções, pensamentos e comportamentos de forma a empoderá-los para o sucesso na vida. Mas não só. Tão importante quanto saber o que fazer, é saber o que se deve evitar. Veja lista de 13 coisas que pessoas com mentes fortes não fazem:

1) Elas não perdem tempo sentindo pena de si mesmas
Pessoas de mentalidade forte não ficam sentindo pena de suas circunstâncias ou como os outros as trataram. Ao invés disso, elas assumem a responsabilidade por suas ações e resultados e compreendem que a vida nem sempre é fácil ou justa. Esse tipo de pessoa é capaz de emergir de situações difíceis com consciência e gratidão pelas lições aprendidas.

2) Elas não se deixam dominar
Elas não permitem que os outros as controlem, tenham poder sobre elas e as façam sentirem-se inferiores ou ruins. Elas não dizem coisas como “Meu chefe me faz sentir mal”, porque elas compreendem que estão no controle das suas emoções e possuem a escolha de como reagir.

3) Elas não evitam as mudanças
Pessoas mentalmente fortes aceitam as mudanças e dão boas-vindas aos desafios. Seu maior medo, se houver um, não é do desconhecido, mas de tornarem-se conformadas e estagnadas. Um ambiente de incerteza ainda pode energizar uma pessoa mentalmente forte e trazer para fora o seu melhor.

4) Elas não gastam energia com coisas que não podem controlar
Você não ouve uma pessoa mentalmente forte reclamando da mala perdida ou do trânsito. Ao invés disso, elas focam naquilo que podem controlar em suas vidas. Elas reconhecem que, algumas vezes, a única coisa que podem controlar, é sua atitude.

5) Elas não se preocupam em agradar todo mundo
Pessoas mentalmente fortes reconhecem que não precisam agradar todo mundo o tempo todo. Elas não têm medo de dizer “não” ou falar quando é necessário. Elas buscam ser gentis e justas, e mesmo que alguém se chateie, serão capazes de manter o comportamento e a opinião.

6) Elas não têm medo de assumir riscos calculados
Elas não pulam de cabeça em riscos tolos, mas não se importam de assumir riscos calculados. Pessoas mentalmente fortes investem tempo pesando os riscos e benefícios antes de tomar uma grande decisão, e avaliarão muito bem as potencias desvantagens e os piores cenários antes de tomar uma atitude.

7) Elas não renegam o passado
Pessoas mentalmente fortes não gastam tempo renegando o passado e desejando que as coisas tivessem sido diferentes. Elas reconhecem o passado e até admitem que aprenderam com ele. Entretanto, elas não revivem constantemente as decepções do passado ou nas fantasias dos “dias de glória”. Ao invés disso, elas investem a maior parte da sua energia na criação de um presente e futuro melhor.

8) Elas não cometem o mesmo erro várias vezes
Pessoas mentalmente fortes aceitam a responsabilidade por seu comportamento e aprendem com os erros do passado. Como resultado, elas não ficam repetindo os mesmos erros sempre, esperando um resultado diferente. Este tipo de pessoa segue em frente e toma as melhores decisões para o futuro.

9) Elas não ficam ressentidas pelo sucesso alheio
Pessoas mentalmente fortes conseguem apreciar e celebrar o sucesso na vida de outras pessoas. Elas não ficam invejosas ou se sentem trapaceadas quando outros as superam. Ao contrário, trabalham duro para as suas próprias chances de sucesso, sem depender de atalhos.

10) Elas não desistem depois da primeira falha
Pessoas mentalmente fortes não percebem uma falha como razão para desistir. Elas procuram entender como uma experiência de aprendizagem sobre o fracasso pode colocá-las mais perto de seus objetivos finais.

11) Elas não temem a solidão
Pessoas mentalmente fortes conseguem tolerar a solidão e elas não temem o silêncio. Elas não têm medo de ficarem sozinhas com seus pensamentos e elas podem usar esses momentos para refletir, planejar e serem mais produtivas. Elas curtem sua própria companhia e não são dependentes de outros o tempo, mas conseguem ser felizes sozinhas.

12) Elas não acham que o mundo deve alguma coisa a elas
Pessoas mentalmente fortes não acham que os outros deveriam cuidar delas ou que o mundo deveria dar alguma coisa a elas. Ao invés disso, elas buscam oportunidades baseadas em seus próprios méritos.

13) Elas não esperam resultados imediatos
Seja trabalhar para melhor sua saúde ou tirando um negócio do papel, pessoas mentalmente fortes não esperam por resultados imediatos. Elas celebram o avanço de cada etapa como um incremento do caminho do sucesso. Elas aplicam suas habilidades e seu tempo às melhores de suas ações e compreendem que mudanças reais levam tempo.

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Tragédia em Santa Maria: o cristão deve fazer a sua parte

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“Vedes então que o homem é justificado pelas obras, e não somente pela fé.” Tiago 2:24

Como cristão, vou agora me recolher e rezar um terço pelos 239 pais, 239 mães e 239 grupos de irmãos, primos e amigos. Todos estão esperando pela nossa oração. Precisam de conforto, paz e esperança nesse momento.

Amanhã, vou doar sangue para contribuir para a plena recuperação dos feridos.

Depois de amanhã, vou estar muito mais atento às reais condições das casas noturnas que frequentar. A revolta de hoje precisa se transformar em fiscalização da sociedade.

A internet comove, os exemplo arrastam, mas as obras transformam.

Amigo cristão, eu vou partir para a ação do meu jeito. E você?

Juliano RigattiTragédia em Santa Maria: o cristão deve fazer a sua parte
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O que separou a família brasileira, por Fabrício Carpinejar

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Amigos, não pude deixar de compartilhar com vocês esse artigo do jornalista e poeta Fabrício Carpinejar. Ele foi publicado hoje (6/11/2012) no jornal Zero Hora (RS). Estou reproduzindo-o com autorização do próprio autor.

Tenho certeza que este poema falará um pouco da família de vocês. Do presente de vocês. Do futuro de vocês. Em mim, não causou tristeza, mas indignação. Estamos deixando de viver nossa família graças à preocupação em vivê-la mais.

Beijo grande,
Juliano Rigatti

***

O que separou a família brasileira

Eu sei o que desuniu a família brasileira.O momento em que ela abandonou o tradicional almoço em casa e procurou a rapidez do restaurante a quilo.Quando ela se desinteressou por completo da residência. Quando trocou a diarista pela faxineira duas vezes por semana.

Quando começou a comprar comida congelada e economizar com os talheres. Quando abdicou do pãozinho da padaria do final da tarde.

Quando as saídas ao supermercado tornaram-se frequentes. Quando o intervalo do trabalho diminuiu consideravelmente.

Quando a vassoura sumiu de trás da porta. Quando o avental desapareceu do seu gancho.

Quando ter uma horta passou a ser irrelevante. Quando o pai não mais visitou sua oficina de marcenaria na garagem.

Quando a tabuleta de bem-vindo acabou dispensada. Quando o capacho se divorciou da porta.

Quando a mãe adiou o jardim. Quando a vista de fora superou o carinho da decoração.

Eu sei eu sei eu sei o instante exato da transformação. Foi na hora em que a gente parou de vestir o botijão de gás.

Aquele ato mudou a mentalidade da classe média.

Cuidar do botijão significava zelar pelos detalhes, pela aparência e ordem doméstica. Mostrava uma preocupação com o olhar das visitas. Um carinho com os coadjuvantes da rotina. Um capricho com as gavetas e despensas e forros e fundos e cantos e quinas.

Não se podia deixar o gás daquele jeito sujo e engraxado no coração de azulejos da cozinha.  Correspondia a um ultraje, a falta de educação, a ausência de asseio.

Ele precisava estar agasalhado. Todos os objetos do mundo mereciam uma capa: os cadernos de aula, o filtro de barro, o liquidificador, os ternos no armário, os carros na garagem.

Os objetos tinham que durar: geladeira era para a vida inteira, o fogão era para a vida inteira, máquina de lavar era para a vida inteira. Não se pensava em trocar, não se guardava o certificado de garantia, absolutamente dispensável.

Minha mãe não largava os pedais da Singer nos finais da tarde, elaborava tampas coloridas para as compotas de doces ou revestimentos para penduricalhos.

É óbvio que costurava, mensalmente, uma saia de renda para o gás, aproveitando sobras dos tecidos da cortina.

Eu achava que o botijão fosse uma irmã.

Meu irmão caçula já considerava um menino e chamava sua roupa de poncho.

– Mas é floreado! – eu dizia. – Não existe poncho floreado.

Vestir o botijão revelava o quanto nos importávamos com o desnecessário.

O quanto tínhamos tempo livre para amar.

Tempo livre para amar a família.

Tempo livre.

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Para quem já amou ou já foi amado

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A tevê desligou no meio do segundo tempo da final do campeonato. A luz da sala se apaga. O filho havia chamado o pai minutos antes, que resolveu atender ao pedido. Naquela noite de quarta-feira nada seria mais importante que tomar a lição do pequeno Eduardo.

Enquanto Melissa deliciava-se com o único prato de feijão que fora possível cozinhar, o estômago daquela mãe doía. E já não era a primeira vez que Maria renunciara à passagem de ônibus que a levava ao tão sonhado supletivo para manter a filha saudável — e disposta para uma tarde inteira de aula.

A semana havia sido puxada, o corpo já reclamava por descanso. Mas Álvaro levantou-se e, violão às costas, pôs-se a caminho. Ia animar mais uma vez a tarde de sábado daqueles vovôs e vovós carentes de qualquer tipo de visita, de qualquer tipo de atenção.

Enquanto cenas como essas se repetem em nossa sociedade, muitos ainda confundem amor com vontade de estar junto, com sexo, com afago, com rosas vermelhas, com um coração vermelho, com serenatas.

Talvez Rodrigo, Melissa e aqueles vovôs e vovós nunca agradeçam o que aquele pai, Maria e Álvaro fizeram por eles. E um dia, felizes, talvez nunca se deem conta do bem que receberam.

Se você já foi amado, algum dia alguém se doou por você. Se você já amou, certamente já abriu mão de alguma coisa e sabe do que estou falando.

São os nossos sofrimentos, as nossas pequenas mortes cotidianas que contribuem com a felicidade do outro. E com a nossa.

Não basta gostar, não basta estar junto, é preciso abrir mão de prazeres, é preciso desrespeitar nossa própria vontade, nosso instinto, em favor do outro. Isso — e nenhuma outra coisa — é o amor.

A vaidade dos homens os separa. Só o amor é capaz de submeter a vaidade à gratuidade e unir casais, pais de filhos, voluntários de desconhecidos.

Quando e onde aprendemos isso?

Há dois mil anos, num lugar chamado Calvário (em aramaico Gólgota), atualmente na região de Israel, um país da Ásia Ocidental, situado na margem oriental do Mar Mediterrâneo. Naquele dia, um homem precisou aceitar uma morte injusta para nos ensinar o que significa o amor. Só uma coroa de espinhos seria pouco. Chibatadas? Alguém ainda não entenderia. Perder todo o sangue do corpo a ponto de deixar escorrer água das veias? Seria insuficiente.

Se o grão de trigo não morrer, não produzirá frutos. Sábio Jesus de Nazaré. Sábia natureza.

Que para os cristãos a cruz signifique o centro da fé. Para os demais, o símbolo da fábula mais importante de todos os tempos. Para mim, não há mais discussão. Foi a morte de Jesus Cristo, filho de Deus, no alto de uma cruz de madeira que deixou tudo claro como um céu sem nuvens: ninguém ama alguém se não exigir de si mesmo algum tipo de morte.

Iniciou a mais importante de todas as semanas.

“Dou-vos um novo mandamento: Amai-vos uns aos outros. Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros.” (Jo 13, 36)

Feliz Páscoa a todos!

Juliano RigattiPara quem já amou ou já foi amado
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Tudo pelo sorriso da Rebeca

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A Rebeca, minha afilhada de nove meses, tem um tapete de E.V.A. colorido, em formato de quebra-cabeça, com letras destacáveis de cor oposta no miolo de cada peça. O tapete colorido dá limites à Rebeca. Os primeiros e essenciais limites. Nele, se acomodam a Rebeca, sua tartaruga com pescoço vibratório, sua borboleta multicolorida e todos os demais brinquedos. Enquanto brinca em seu universo de imaginação, a Rebeca devolve um sorriso a todos que a interrompem. Ele é assim, o sorriso: coberto por uma franja e um nariz, cada um à sua perfeição, ele tem poucos dentes, e o fato de ser espremido pelas bochechas faz com que se espalhe e seu rosto todo também sorria. Ou seja, gente, é contagiante o sorriso da Rebeca.

Uma de suas atividades preferidas no tapete-quebra-cabeça é um movimento acrobático que põe dois grupos da numerosa família em oposição — porque famílias grandes sempre alimentam suas polêmicas: uns apostam que é o início do engatinhar, enquanto outros, mais apressados, dizem que ela já está tentando se levantar. É que ela apoia as palmas das mãos no chão, faz um esforço tremendo até que seus pezinhos também estejam com as bases no solo, isso sem dobrar os joelhos, de forma que quase todo o seu peso seja acumulado nos membros superiores. “Um perigo”, grita a bisavó. “Deixa, bisa, ela tem que se experimentar”, ameniza a mãe, minha comadre Mel.

Um dia, a bisa teve razão e os bracinhos da Rebeca não suportaram seu peso. Ela foi-se com o rostinho ao chão. “Viu! Ai, meu Deus!”, exclamou a matriarca, tentando chamar pra si os méritos de seu conservadorismo.

Uma fração de segundos pra refletir sobre o que fazer diante da queda da Rebeca.

Uma hipótese seria correr em direção a ela, afagá-la, procurando ferimentos e soltando murmúrios do tipo: “E agora? Será que cortou o nariz? Ou o lábio?”, diria a mãe da Mel e vó da Rebeca. “Não faz mais isso, guria!”, alertaria o pai. “É perigoso até criar um coágulo na cabeça”, avisaria a bisavó.

Pra sorte da Rebeca, não fora essa a decisão.

As mães francesas, quando seus bebês choram à noite, levantam e param ao lado do berço, sem tocar o filho e sem que ele perceba. Em dois minutos, o bebê se acalma e volta a dormir. É uma reação típica de um ciclo do sono, chorar. Dizem elas que aos dois meses os francezinhos já dormem uma noite inteira.

O que estaria fazendo a mãe francesa se pegasse o bebê no colo e o acalmasse? Estaria ensinando-o como reagir cada vez que quisesse colo ou a mãe por perto.

E como reagiram com a queda da Rebeca, sua mãe e familiares? Sabiamente, não permitiram que ela se assustasse e desviram sua atenção para uma nova brincadeira. Tudo para não deixar o seu sorriso escapar. Tudo pelo sorriso da Rebeca.

A queda da Rebeca traz a nós, adultos, um belo aprendizado: o de que os problemas, desde os mais simples, podem ser ignorados.

Pense em um desconforto estomacal. Mentalize seus sintomas, suas causas e suas mais trágicas consequências. Segundo Nicholas Carr, autor de A Geração Superficial, um dos estudos sobre como padrões de pesamento afetam a anatomia de nosso cérebro, realizada por Álvaro Pacual-Leone, neurologista de Harvard, comprovou que parar em frente a um piano e imaginar os toques e os sons de cada tecla produz as mesmas mudanças cerebrais que tocar de fato o instrumento musical. “Nossos pensamentos podem exercer uma influência física sobre nosso cérebro (…). Tornamo-nos, neurologicamente, o que pensamos”, conclui Carr. Quer dizer que a célebre advertência “Não mime os seus problemas”, do Pe. Eduardo Delazeri, tem sua razão. Ao concentrar sua atenção no estômago, procurando fazer mais que o remédio, o adulto age como se permitisse à Rebeca assustar-se com o arranhão na testa ao cair.

O sorriso da Rebeca é bonito demais para que permitissem que se fosse, sendo substituído por berros e lágrimas. Cada momento da vida de um adulto é único o bastante para que ele permita substituí-lo por suposições de possibilidades negativas.

O que aprendi com a Rebeca é que mais do que desperdício, o nosso pessimismo é um grande risco: vai que o cérebro resolve acreditar na gente e torna real a ideia de uma infecção intestinal. Ou vai que isso custe o nosso sorriso.

Juliano RigattiTudo pelo sorriso da Rebeca
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As lições de dezembro

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Você conhece o programa Amor-Exigente? Se não, saiba que está perdendo um bocado por não ter dedicado parte de algum dia para descobri-lo. O Amor-Exigente é um programa que auxilia as pessoas – qualquer pessoa, em qualquer idade, com qualquer credo ­e qualquer sofrimento – na mudança de comportamento para uma vida mais feliz. E você estranhará o que vou dizer: é de graça. Trazido para o Brasil há coisa de vinte anos, foi adotado pela problemática da dependência química e hoje auxilia os familiares dos doentes a se recuperarem e, em consequência, ajudarem no tratamento de seus entes queridos.

No último dia cinco deste mês, na Rádio Aliança, em Porto Alegre, enquanto apresentávamos o programa Escolhe, Pois, a Vida, sobre dependência química, a questão surgiu: por que o “amor”, esta palavra tão popular, esta atitude tão elementar, que dá nome ao programa, aparece só no final, no último princípio, e é refletido nos grupos de apoio só quando o ano está prestes a terminar e as pessoas têm menos tempo, estão mais cansadas, gastando suas últimas energias? Por que, ora bolas?

Por que você não sabe o que é o amor. Você não sabe amar. Não (pausa) sa-be. Simples assim. Por isso, propositalmente, o Amor-Exigente exige que os seus aprendizes passem 11 meses do ano desconstruindo suas vidas, questionando suas certezas, para, ao final, reunirem mais condições de — fiat lux! — descobrirem o sentido e a aplicação do verdadeiro amor.

Dezembro. E por que o Natal é em dezembro? Estranho: uma data tão legal bem chega justo quando temos menos tempo, menos disposição, menos fôlego e menos dinheiro. Sim, temos o 13º, quem tem emprego com carteira assinada tem o 13º salário, mas o apelo consumista é tamanho, que passamos a ter menos dinheiro que, digamos, em novembro.

Pois bem, afirmo-lhes: o Natal só poderia ser em dezembro. Assim como o “amor” só poderia estar no décimo segundo princípio do Amor-Exigente. Se o Natal fosse em agosto e o “amor” fosse o segundo princípio do programa, as pessoas não entenderiam o que é o Natal, não entenderiam para que serve o “amor”. Porque o Natal, em sua essência, quer fazer renascer dentro de nós a luz da vida, a luz da esperança, de dias melhores, de um ano melhor, de relações mais amorosas. Tudo muito bonito. Mas você não faria nada disso, não estaria disposto a nada disso, não reuniria os amigos para um Amigo Secreto, não faria um happy-hour com os colegas do trabalho, não ligaria para o tio que mora longe, não rezaria mais – atenção! – SE VOCÊ NÃO PECISASSE. Têm coisas que só fazemos direito quando realmente precisamos fazer, não é? Tem gente que só faz regime depois do infarto e organiza as finanças depois de sujar o nome. Portanto, você só reuniria as últimas forças que lhe restam para celebrar a vida se você, quase por uma questão de sobrevivência, precisasse muito fazê-lo.

Em dezembro, você precisa. Eu sempre preciso, ao menos. É em dezembro, no último mês, quando você exibe todas as cicatrizes do ano, quando a camiseta está molhada de suor, que você está pronto para celebrar o Natal. Só agora você sabe quão difícil é um ano inteiro. Sabe quanta força e quanta fé – seja lá no que for – é necessário para cair e levantar, seguir em frente durante mais de 300 dias. Desse modo, este é o tempo oportuno.

Mas não é fácil viver o Natal. Como não é fácil amar alguém.

Você nem precisa ter uma religião, nem precisa acreditar na veracidade dos evangelhos que narram a passagem de Jesus Cristo, o filho de Deus, na Terra, para perceber a importância de, pelo menos, estes três trechos a seguir, copiados dos livros escritos por São Marcos e São Lucas, há mais de dois milênios, e recordados nestes tempos pela Igreja Católica. Ei-los:

“Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: Cuidado! Ficai atentos, porque não sabeis quando chegará o momento. É como um homem que, ao partir para o estrangeiro, deixou sua casa sob a responsabilidade de seus empregados, distribuindo a cada um sua tarefa. E mandou o porteiro ficar vigiando. Vigiai, portanto, porque não sabeis quando o dono da casa vem: à tarde, à meia-noite, de madrugada ou ao amanhecer. Para que não suceda que, vindo de repente, ele vos encontre dormindo. O que vos digo, digo a todos: Vigiai!” (Marcos 13, 33-37)

“Naquele momento Jesus exultou no Espírito Santo e disse: ‘Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado. Tudo me foi entregue pelo meu Pai. Ninguém conhece quem é o Filho, a não ser o Pai; e ninguém conhece quem é o Pai, a não ser o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar’.” (Lucas 10, 21-22)

“Início do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus. Está escrito no Livro do profeta Isaías: ‘Eis que envio meu mensageiro à tua frente, para preparar o teu caminho. Esta é a voz daquele que grita no deserto: ‘Preparai o caminho do Senhor, endireitai suas estradas!’’ Foi assim que João Batista apareceu no deserto, pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados. Toda a região da Judeia e todos os moradores de Jerusalém iam ao seu encontro. Confessavam seus pecados e João os batizava no rio Jordão. João se vestia com uma pele de camelo e comia gafanhotos e mel do campo. E pregava, dizendo: ‘Depois de mim virá alguém mais forte do que eu. Eu nem sou digno de me abaixar para desamarrar suas sandálias. Eu vos batizei com água, mas ele vos batizará com o Espírito Santo’.” (Marcos 1, 1-8)

Vigia teu comportamento para poder olhar o mundo com olhos de criança, mas te prepara para conseguir fazer isso. Esta é a lição dos três trechos acima. Nada mais oportuno que esses três conselhos. Porque se eu não vigiar meu comportamento, se eu não ME vigiar, como o guarda daquela guarita da rua ao lado da sua, ou como o segurança e a sua arma comprida, que guarda o carro-forte ao lado do supermercado, ou como aquele pitbull do vizinho, passarei o mês de dezembro fazendo contas, comendo panetones e comprando fogos de artifício. E o ano seguinte iniciará sem que eu tenha feito o que até as empresas fazem neste tempo: um balanço do que passou e um planejamento dos despendiosos meses que virão.

E se eu não deixar de lado um pouco da lógica com a qual te ensinaram a ver a vida, a passar a enxergá-la com olhos de criança, com inocência, como quem vê tudo pela primeira vez, não acreditarei que ano que vem as coisas darão certo. Um adulto com todas as suas malícias e preocupações não é capaz de admirar as andorinhas voando em “vê” no céu. Não é capaz de perceber que nenhuma onda produz o mesmo som quando se derrama na areia da praia. É preciso infantilizar-se para ver o mundo como ele é de verdade, sem os nossos filtros e as nossas interfaces carregadas de preconceito e de paradigmas.

E, por fim, a última lição é: prepara-te. Aplaina os caminhos, varre pro lado – ou pra longe! – o que te atrapalha. Ninguém alcança um resultado diferente fazendo sempre a mesma coisa. Logo, crie novas rotinas de oração, de descanso, de lazer, de convívio. Discipline-se para mantê-las durante este mês – ou durante 2012 inteiro. Só assim, negando seus atraentes instintos é que você conseguirá chegar na noite do dia 24 preparado para vivê-la de verdade.

Pense nisso e tenha um Natal feliz e abençoado.

Juliano RigattiAs lições de dezembro
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