Minha mãe é uma artista!

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Posto do Armário do Mario

Posto do Armário do Mario

Digo pra vocês que o Mario Montovani, jornalista da revista Vida Simples, da Abril, publicou no blog dele as obras de arte da minha mãe.

Há uns meses, mandei a ele um pacotão com um avental, um jogo de tapetes de banheiro e uma cenoura de pano. Isso, tudo era de pano. Parece estranho. Mas é que a minha mãe recolhe em estofarias aqui de Canoas (RS) os retalhes que, normalmente, iriam para o lixo. Ela os lava e dá formas que vem encantando muita gente.

Confiram: http://armariodomarioo.blogspot.com/

Juliano RigattiMinha mãe é uma artista!
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Caixa de bombom

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Dia das crianças me lembra caixas de bombom. Minha avó me dava caixas de bombom no Dia das Crianças. “Só uma caixa de bombom, vó?”, eu pensava. “Por que não um Comandos em Ação, uma tartaruga ninja, um Playmobil?”, continuava desqualificando o seu gesto em pensamento. Lembro que a criticava por não vir falar comigo, não me botar no colo, não me dar conselhos sábios como nos filmes, não ser o tipo afetivo tradicional. Lembro de achar que minha avó não me amava. E queria me comprar. Com caixas de bombom.

Dia desses meu pai voltou da loja do Grêmio, em Porto Alegre. Voltou com um bonito pacote de presente, numa bela sacola. Pra mim. Me surpreendi. Meu pai não é das coisas. De dar presente a toda hora. Mas entendi depois. Meu pai me disse que a sua mãe — a minha vó, a das caixas de bombom, que era muito gremista – estaria de aniversário naquele dia, e já que ele não podia a presentear, estava dando a mim aquele presente. Bonito, pai. Também te amo.

Nesse Dia das Crianças, espero que todas as crianças que, porventura, não recebaramm presentes, não decepcionem-se. Pessoas como a minha avó e meu pai amam. Nem sempre dizem, mas amam. Às vezes, o presente também não vem. E isso não quer dizer que não  amam. Mais. Se receberem só uma caixa de bombom, lembrem-se que o amor, o amor verdadeiro, sempre é manifestado, e, às vezes, é preciso entender o seu manifesto. Às vezes ele pode ser simbolizado por uma simples e barata caixa de bombom.

Juliano RigattiCaixa de bombom
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A lua escura

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Era uma note sem lua, daquelas bem escuras. Na varanda do sítio, Alam, Felipe e Anita conversavam olhando o final da fogueira que tinham acendido para espantar os mosquitos.
De repente…
… Alan diz: –Vamos dormir, amanhã temos que levantar cedo para uma longa aventura…
… PRIMMM! PRIMMM! PRIMMM!
– Alô! atendeu Felipe.
– Quem é? – Felipe!
– Felipe!!!, vocês estão atrasados!!!, deviam estar lá as 6 horas e já são 8 horas!!! berra Júlio seu patrão.
– Estou indo chefe!
– TRINNNNN! desliga o telefone.
– Alan!!, Anita!!.
– Que é Felipe?. pergunta Alam.
– Nós estamos atrasados!
– É mesmo!!!!!!!!!!!
– Vamos!!! diz Anita…
– HHHHH! Chegamos. fala bem baixinho Anita. Alam, Felipe e Anita caminham mais três passos e… …HÁÁÁ!! HÁÁÁ!!
– PPPUUUMMMM!!! – Onde estamos? pergunta Felipe.
– Tirou as palavras da minha boa! afirma Alam.
– VVVUUUUMMM! – HÁÁÁ!! – PIMMM!
voa uma lança a cabeça de Anita, mas ela consegue se salvar. – TUUFF!! TUUFF!! cai pontas de gelo do teto do castelo em forma de chuva e então o que lhes resta é fugir…
… Quando Alam, Felipe e Anita começam a correr aparecem três carrinhos (de ferro) por um trilho. E então eles três entram nos carrinhos. Alam fica no 1º carrinho e Felipe e Anita no 2º.
De repente chega o fim do trilho e Alam fala desesperado: – Só nos resta é os nossos cabos de aço, para emergências!! – VVuuum!!!! (3 vezes) – PPiiimm!!! (3 vezes).
– Conseguimos!! – grita Anita. Mas derepente um fogaréu aparece em volta deles. Felipe olha bem para o fogo e bem lá dentro do fogo aparece uma estranha luz. Com muita curiosidade Felipe entra no fogo e de lá dentro tira uma caixa de ferro cadiada. Alam e Anita exclamam juntos: – Como vamos abri-la? – Já sei! – diz Felipe. – Co… – Pum!!! – atira com um revólver Felipe – Felipe não mexa nessa parte !!! – Alam!!, olhe lá é o fim do castelo! (das brincadeiras) grita Anita.
– Vamos embora!!! gritam os 3 juntos. E então eles vão embora felizes para sempre.

***

Eu posso lembrar do meu entusiasmo descrevendo e imaginando cada detalhe, característica e reação dos personagens dessa história. Entendo ainda hoje a razão de cada uma daquelas onomatopéias esquisitas com as quais ocupei as páginas brancas de meu pequeno caderno pautado, cuja capa ilustrava duas crianças sós e obesas, bebendo suco de uva Aurora em um piquenique. Anita, Felipe e Alam foram meus primeiros personagens. Ao longo do resto da minha infância, não lembro de outros. Devem ter existido, mas não lembro.

O que lembro e tenho registrado é um erro da educadora que foi testemunha deste texto, o qual pode ter sido a primeira manisfestação de uma criança que desejava imaginar mais, desejava inventar mais, desejava ser, sem saber, um artista. “Procure fazer histórias menores e cuide o parágrafo”. Foi o que ela deixou dito para mim depois desta bela história de aventura, fantasia e emoção, que um guri de nove anos – apenas nove anos! – acabara de criar.

Fala-se muito hoje da educação deficitária que temos no Brasil. Eu também fico intrigado com isso. No mínimo intrigado. Passados 18 anos, quantas professoras de séries iniciais continuam despreparadas para indicar limites, demonstrar interesse, perceber incapacidades, desenvolver aptidões e incentivar o lúdico?

 

Minha primeira ficção, aos nove anos

 

Minha história tinha tirinhas...

 

... cenas de ação

 

A avaliação da professora: "Procure fazer histórias menores."

Juliano RigattiA lua escura
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Eu sou o cara!

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A madrugada já nos embriagava na sala do Dudu quando eu me peguei olhando pro forro estampado do meu sapatênis. E enquanto os outros falavam de coisas amenas, eu estava perplexo com o que via. Claro que o efeito do álcool intensificava minha sensação de estranheza. É que eu não fico falastrão, corajoso ou enxendo o saco das pessoas quando bebo. Só fico olhando pras coisas. Sei que há quem dobre a visão ou veja insetos subindo pelas paredes. Eu, não. Naquela madrugada, eu simplesmente olhava para o forro do meu sapatênis.

O que me admirava não era a combinação de cores, ou as cores escolhidas. Era simplesmente a presença daquele tecido ali, no forro do meu sapatênis, do lado de dentro, de modo que apenas uma pessoa no interior daquela sala onde estávamos podia vê-lo: eu, o seu proprietário.

Isso é mais do que a necessidade de ostentar uma marca de grife, ou um estilo, na vestimenta. É mais do que calçar um tênis com molas. É mais do que olhar o mundo de trás de um óculos de sol de uma famosa superprodução hollywoodiana. É mais do que ter que mostrar aos outros o que possuímos para que isso nos qualifique e promova a comunhão de bens simbólicos. É mais.

Sim, porque vestir-se como os outros nos dá um sentimento de pertença à uma comunidade, de pertença a uma tribo. Tem gente que pensa que pôr piercing na cartilagem do meio do nariz, como os bovinos, ou vestir um moletom-canguru, de trezentos reais, é sobressair-se. Não é. Agir desta forma não é ser melhor que os demais. Cobrir parte do corpo com calças, tênis, abrigos ou acessórios da moda é manifestar a vontade de pertencer. De pertencer aos amigos da escola, de pertencer ao estilo de vida do filme em cartaz, de pertencer à turma da novela das seis, de pertencer à galera da academia. E, no fim das contas, querer pertencer é querer não estar sozinho.

E te digo que possuir um sapatênis com o forro colorido é mais do que pertencer ao grupo dos que usam sapatênis. Não que pra mim não fosse suficiente pertencer a este grupo. Longe de mim. Eu já me sinto o cara porque sou do grupinho que usa sapatênis. Não é isso. É mais do que isso. Ter forro colorido no calçado me dá mais do que a sensação de não estar sozinho. Me enche de orgulho.

Dizem que a depressão é o mal deste século. Nunca na história deste planeta tantas pessoas sofreram de depressão. E como há tantos depressivos isolados em seus quartos se temos cada vez mais a companhia uns dos outros, simbolizada pelas molas dos tênis iguais, pela cueca que aparece na cintura baixa das calças jeans iguais, pelos seios fartos iguais? Como podemos nos isolar tanto se somos cada vez mais pertencentes a um grupo em comum? Como o egoísmo prolifera tanto se comungamos cada dia mais dos mesmos valores capitais? Como nos deprimimos se agora há marcas que olham pra nós pra nos encher de orgulho? O forro colorido do meu sapatênis é, portanto, um caminho encontrado para esta encruzilhada.

Com um forro estampado de um sapatênis e uma meia speedo te olhando, tu não só nunca mais se sentiras só: tu te sentirias o cara. Contei da meia speedo? Ela foi outra que me encheu de uma sensação de existência dia desses. Tirei-a da minha gaveta de meias organizadas, cheirando a confort, desfiz a dobra e o que eu vejo quando minha meia speedo toma o formato do meu pé? A marca speedo cobrindo os dedos do meu pé, olhando pra mim! Não, a marca não estava circulando a lateral da minha canela, exibida para os outros. Estava lá na ponta do pé, olhando pra mim. Quase pude vê-la piscando em minha direção. Estavam lá, bem belas, as letrinhas da marca speedo olhando para mim e enchendo-me de orgulho. Porque no fim das contas o que as marcas querem é isso. Encher seus donos de orgulho. Orgulho por poder usá-las, orgulho por pertencê-las.

Fazer Marketing hoje em dia é isso. É uma terapia. É uma fluoxetina. É um prozac. É a ciência capaz de construir uma marca que acorde de manhã cedo ou que o acompanhe em uma noitada etílica e, no meio da madrugada, olhe para ti e exclame: “tu é o cara!”.

Juliano RigattiEu sou o cara!
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Os refens estao vivos!

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Acordei tarde esta manha e a esperança parecia ter ressurgido. E nao eh que encontrei um contato dos sequestradores na minha caixa de correio eletronico? Fui correndo ver do que se tratava, ansioso por um sinal de vida. Os acentos do meu blog tinham de estar vivos, repetia pra mim mesmo. Tinham de estar. E a noticia do dia: cerca de 60 horas depois, eles estao vivos!

A promessa eh que em breve eles estarao de volta.

***

Uzina wrote:

> I did:
> I write my text with accents, as I always did.
>
> I saw:
> The post puts symbols of question marks in place of (“?”)
> All characters with accents.
>
> I expected:
> I wish this could be adjusted as quickly as possible.

That was happening because the character set had been removed from the Settings > Reading page. I have fixed that option for you and those characters should not appear now. You will probably need to manually fix some of the characters in the latest post though.

Juliano RigattiOs refens estao vivos!
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Sequestro

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Atencao: o motivo para o recesso deste blog jah foi falta de tempo e falta de inspiracao. Mas agora, tendo alguns textos para compartilhar com voces, a razao eh um crime do qual a Uzina foi vitima: sequestraram meus acentos. Nao ha nada que os faca devolver. Qualquer texto que eu coloque aqui, acaba vitima desses criminosos: roubam-lhe os acentos. Querem ver um exemplo? Esta frase contém vários acentos que já foram sequestrados.

Jah ofereci um alto valor como resgate. Ainda nao obtive retorno.

PS.: Suspeita-se que a quadrilha seja a mesma que pos fim ao trema e a alguns outros acentos pelo quais choramos de saudades ateh hoje. Outra pista nos leva a hackers adolescentes, que nao entendem a necessidade dos tais sinais graficos. A tecnica adotada por eles em MSNs e afins eh a mesma que eu utilizo neste momento para tornar este post compreensivel. Mas nada disso se pode provar. Apenas suspeitas.

Juliano RigattiSequestro
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Vá ao dentista regularmente

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Sempre achei que salas de espera de dentista tinham de ter coisas mais interessantes que revistas velhas de fofoca.

A porta foi aberta de supetão.

– Ai, tô atrasada. Também, tá uma confusão lá em Novo Hamburgo.. tão instalando o trem, sabe? – ela entrou sala adentro, desculpando-se, esbaforida. Cabelos oleosos, rosto e sombrinha judiados, trajes simples. O aparelho nos dentes era o único indicio de que ela cuidava de si. Mais tarde vi que a pista era falsa.

– Que horas são?

Estávamos a sós. Fiz que não tinha relógio.

– Umas quatro e cinco, quatro e dez – respondi.

– E que horas é a tua?

– Agora, às quatro.

Ela sentou-se.

– Então a minha é às quatro e meia. Ainda bem. Vai pôr aparelho?

– Não, só revisão. Já tirei.

– Eu é mais três anos com este. Fui assaltada, sabe? Me deram uma coronhada na boca, afrouxou tudo aqui na frente. Tive que fazer tratamento de canal e colocar aparelho. Mais três anos…

– É, é brabo. Quer dizer que estão reformando o trem lá em Novo Hamburgo, é? – o jornalista aqui já queria informação.

– Sim, tão levando o trem de São Leopoldo pra lá. Tá indo ligeiro a obra, sabe? Eu queperdi meu sítio..

– Perdeu, é? Tu tinha um sítio em Novo Hamburgo?

– Sim, e criava égua, cavalo, porco e galinha. Daí tive quevender pro trem passar lá. Agora, tô morando num apartamento pequeno, sabe? Financiado pela Caixa. Esse mês a luz deu 12 reais só, acredita? É pra baixa renda. E isso que eu tenho geladeira, televisão, carrego celular, tenho freezer.

– Barato mesmo, 12 reais de luz é barato mesmo.

– É, mas eu sinto falta do meu sitiozinho. Eu sabia até caçar! Caçava ratão do banhado. Com um tipo de ratoeira. E é tri bom! Mais limpo que galinha, sabia? Eles não comem porcaria, só comem.. só comem.. ai, sabe? Comem coisa limpa.

Concordei, claro. Mas acho que deu pra disfarçar minha falta de intimidade, digamos assim, com o assunto.

– Eu não gosto de rato também. Tinha nojo daqueles ratões pretos, gordos. Mas depois que tu tira a pele, aparece a carne bem branquinha. Tri bom.

Não sou tão fácil de ser convencido, moça.

– O pessoal de lá adora. Tem pra vender por tudo lá em Novo Hamburgo. Eu caçava eles pequenos, botava numa gaiola, daí engordava e depois comia. Tri bom. Tê te dizendo.

Mas eu não estava duvidando. Por Deus que não.

Meu dentista interrompeu minha imersão na culinária urbana. Cumprimentou-me e convidou-me para entrar. Quase ignorou a presença da moça. Só entendi o descrédito depois.

– Que histórias tem essa tua paciente – comentei, porta já fechada.

– Ainda não descobri o nível de loucura ou de sanidade dela.

Lamentei que aquilo tudo não fosse verdade.

– A mãe dela, uma senhora distinta aqui de Porto Alegre, que paga a consulta. Acho que é doida essa moça. Ela me conta que faz ponto no Mercado Publico e como não aguenta sem sexo todo dia, vai visitar o marido na cadeia pra transar com ele.

Àquela altura, eu já o ouvia de boca aberta. Bem que podia ser por causa de todo aquele enredo, mas era só em obediência ao pedido do doutor. Ele examinava minha dentição e minha mordida.

– Outro dia, disse que não entendia a polícia. Prenderam-na porque roubou, mas quando matou o primeiro marido não fizeram nada.

Eu gemi pra dizer-lhe que eu o ouvia.

– Quer saber mais?

Resmunguei de novo.

– Uma paciente tava deitada aí onde tu estas. Foi esses dias. De repente, baixou as calças até esta altura aqui.

Tocou no meu joelho.

– Olha como tô magra, doutor, ela insinuou. Eu olhei pros olhos e perguntei onde estava o marido dela.

Acho que arregalei os olhos para o meu dentista católico. Era um misto de surpresa e de admiração pelo seu bom senso. Ele sorriu, orgulhoso de suas histórias.

Eu fui embora. Com a certeza de que inspiração é uma desculpa de quem não vai a dentistas. Escritores que cuidam de seus dentes não precisam de tanta imaginação assim.

Juliano RigattiVá ao dentista regularmente
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O que há de mais bonito nas mulheres

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Alguns domingos atrás, parei pra ler no jornal uma matéria de moda que falava da paixão das mulheres pelos sapatos. Parei pra ler, sim, senhores. Afinal de contas, minha namorada é uma dessas românticas. Preciso conhecer esse universo. Muita coisa bem útil já deixou de entrar no quarto dela por causa do espaço privilegiado que ocupam os seus inúmeros pares. Eu mesmo tenho receio de sobrar qualquer hora dessas, pra vocês verem.

E sabem que uma das entrevistadas da matéria sobre sapatos femininos que eu estava lendo matou a charada? Disse que as mulheres se interessam tanto por esse adorno por causa do democratismo dele. Taí! Pé não engorda, pé não sai de forma, não perde as medidas, não tem celulite. Nunca vi uma mulher em frente ao espelho, reparando no pé. Nunquinha. O pé é o que há de mais previsível, beleza garantida. Um pé bem cuidado não tem classe social, não tem pontas que ressecam, não tem raízes descoloridas, não tem gordurinha pra esconder. Por isso, porque o pé é a salvação, as mulheres buscam garantir sua beleza a partir deles. Não que as colecionadoras de sapatos não tenham o corpo bonito. Deus do céu, nada disso! Mas tenho que concordar com a entrevistada da matéria que li. Ela matou.

Agora, se eu não tivesse parado naquela noite de domingo, com a melancolia de todo domingo de noite, e lido a tal matéria, eu nunca saberia. Eu nunca saberia que as mulheres depositam nos sapatos tal parcela do seu desejo de estarem bonitas. Seu desejo de parecerem bonitas.

Porque pra mim, há uma coisa nas mulheres que é infinitas vezes mais bonita. Só uma. Vou contar qual é.

O Patrick era da turma mais velha que eu, o Dudu, o Bacon e o Marcinho. Ele andava com os guris mais crescidos, com barba na cara, pêlos nas pernas e no peito. Eram gente boa eles. Eu curtia ficar por ali, ouvindo eles falar das gurias. Eles, que eram mais rodados, entendiam desse troço de guria. Como eu jogava bola com eles, acabava ficando por ali depois do jogo, aprendendo sobre o mundo das mulheres. E foi num desses dias em que aprendi o que das mulheres eu devia amar para o resto da minha vida.

Depois do jogo daquele domingo à noite, no ginásio das freiras, fomos todos pro apartamento do Patrick. Eles falavam do jogo, dos gols perdidos e das gurias. Elegiam a mais gata das pequenas arquibancadas do ginásio. Sempre ficavam entre duas ou três. Eu concordava com todas as opções. Os guris tinham bom gosto. Quase nunca dava meu palpite. Ficava só ouvindo. E aprendendo. No que o Patrick, querendo dar credibilidade aos seu conhecimento de mulheres, abriu o maleiro do guarda-roupas e apontou lá pra dentro: a coleção de Playboy do Patrick! Eram muitas, eram diversas as Playboys do Patrick. O Patrick tinha mais Playboy do que a prateleira da biblioteca do colégio tinha livros da coleção Vagalume e mais do que hoje tem sapatos a minha namorada.

E o Patrick começou a entregar, bem generoso, pra nós, suas revistas. Cada um ficou com umas três ou quatro Playboys no colo. E riam, e apontavam e regozijavam-se. “Caaaaara, olha essa”, um dizia e eu espichava o pescoço pra conferir. “Meeeeeeu, e essa?”, dizia outro. Até que um deles sentenciou: “agora, vocês vão concordar comigo”, iniciou, em tom de discurso, depois de folhear umas três ou quatro Playboys do Patrick. Ele tinha o ar da experiência, da liderança. “É ou nao é verdade que a melhor coisa numa mulher é o cabelo?”. Nem sequer um segundo de pestanejo. A resposta foi unanime que sim. E gargalharam.

Eu fiquei sem entender.

Entre tudo aquilo que víamos dentro das brochuras daquelas revistas pecaminosas, entre tudo o que era mais belo e formoso, eles preferiam o cabelo. Eu fiquei perplexo. Mas logo o cabelo? E a fulana, eu pensava, quer dizer que tudo o que a fulana lá do grupo de jovens tem debaixo do cabelo, nada é mais belo que o seu cabelo? Mas como? O que ele tinha a ponto de fazer com que os guris preterissem todas as outras partes femininas? Eu não podia lembrar do cabelo de nenhuma das gurias do grupo. Eu havia sido enganado esse tempo todo.

Voltei pensativo pra casa aquele dia. Ainda tinha que tomar banho, jantar e preparar a mochila para uma semana de aula. Os dias se passaram e eu me peguei muitas vezes pensando em todas aquelas mulheres dentro do maleiro do guarda-roupas do Patrick. Tinha bom gosto mesmo o Patrick. Eu pensava nelas e tinha que fazer força pra lembrar só dos seus cabelos.

Considerem que eu praticamente formava naquela época minhas inclinações sexuais. E ouvir dos guris, deles que já namoravam e tal, que conheciam cada parte de uma mulher, ouvir deles que o melhor delas era o cabelo, aquilo foi chocante.

Desde aquele dia, até hoje, eu preciso que saibam de uma coisa: eu só olho para os cabelos das mulheres.

Juliano RigattiO que há de mais bonito nas mulheres
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Parabéns, Porto Alegre!

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A luz que vinha do alto iluminava seu rosto. Especialmente seus olhos morenos. Ao lado da janela de vidro, ela maquilava-se. Sempre que podia, jogava sua cabeça de um lado para o outro, acompanhando a música que tocava no rádio e admirando os contornos dos seus olhos e de sua boca. Maquilava-se e cantarolava. E admirava-se. E a batida do som empurrava seu rosto ora pra esquerda, ora pra direita. Na certa, preparava-se para um happy-hour. Não, era mais. Uma festinha, uma balada. Tinha um desses instrumentos delicados na ponta dos dedos e com ele pintava os olhos. Os cílios, o canto do olho. E repetia o procedimento cuidadoso num olho e depois no outro. E ficava mais bela. E cantarolava. E quase dançava.

Ela estava sozinha ali. Só ela, aquela luz fraca, bancos vazios e o reflexo do congestionamento no espelho do retrovisor. O mesmo trânsito que a impedia de ver a cor do asfalto no horizonte, a obrigava, entre uma arrancada e outra, a antecipar o cuidado com a vaidade.

Meu carro estava atrás do dela. E atrás dos meus olhos cansados de um dia de trabalho eu lamentava ter percorrido uma dúzia de quilômetros naquele tempo perdido. Eu lamentava estar ali. Lamentava estar perdendo aquela consulta médica tão importante. E oitenta e cinco reais reais. E o meu tempo.

Mas, ao contrário, não me dava conta, eu devia estar era feliz. Porto Alegre está se tornando uma cidade moderna. Com seu trânsito, seus motoqueiros e motoristas entediados. Aos 237 anos, temos que reconhecer, Porto Alegre nunca mais será a mesma.

Juliano RigattiParabéns, Porto Alegre!
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