Minha primeira camiseta rosa

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Moda e correntes de e-mails são bichos esquisitos. Ninguém nunca sabe quem começou, onde nasceu, qual o verdadeiro sentido e motivação. Se criam. E as pessoas, involuntariamente os acariciam, alimentam e dão banho até ficarem fortes e andarem soltos por aí.

Olho a caixa de e-mails. Chegou mais uma corrente. Uma não, duas. Tá, essa vou ler, decido meio por caridade. Em seguida, desisto. Aquilo não é pra mim. Só o assunto já dá idéia de quantas dezenas de pessoas já manipularam aquele e-mail, jogaram-no pra lá e pra cá até cair aqui na minha mesa, dentro do monitor. Como dinheiro amassado, sabe-se lá por onde esse indesejado passou. Segundos e segundos se vão enquanto rolo o e-mail esperando ver algum texto que faça sentido. Demora. Antes vejo alguns dos comparsas que ajudaram esse entulho a se criar. Não leio mais e pronto! Sim: eu deleto quase todas as correntes.


Apesar de não ser assim, tão drástico, com a moda alimento a mesma estranheza. De onde vem? Quem a traz e de onde? Dizem que de fora, de Paris, de Milão. Não acredito. Parece vir do nada. Do mesmo fundo e escuro buraco negro das correntes.

Dia desses, faz meses na verdade, ganhei minha primeira camiseta rosa. Nem salmon (salmão é peixe, ou é o contrário?), nem lilás, nem roxinha. Ro-sa. 

Do meu pai ouvi, com todas as letras um ‘pra quem que é isso?’ Pra mim, pai, respondi. A namorada presenteadora deu risada quando contei.

Pouquíssimos anos atrás, isso era completamente inconcebível. Rosa é pra mulher e azul – ou quase todo o resto –, pra homem. E pronto. Sempre foi assim. Rosa era coisa de mulherzinha.

E ái se os pais fizessem o tal enxoval com rosa antes de saber o sexo do bebê. Se nascesse homem, sofreria para sempre com o trauma psicológico da rejeição ao seu sexo. Com sorte, não viraria homossexual e pediria, ao invés do casso zero, uma cirurgia para troca de gênero.

Tudo mudou. Tá até virando pro oposto: macho mesmo é o cara que usa rosa. Dizem que é o cara que se garante que usa rosa. E elas gostam.

O mundo e essa cidade precisam de tanta coisa que se criasse assim do nada, como a moda e as correntes de e-mail. Precisam de adesões. De pessoas engajadas por coisas que fazem tanta falta. Abrigo aos menosprezados. Comida aos famintos. Compaixão aos doentes. Isso não se cria. Pelo contrário, demoram e muito. Poucos passam adiante. Poucos encaminham, a maioria deleta.

Um mendigo bocejou hoje quando passei por ele no centro. Sentava sobre uma das pernas e tinha os braços soltos sobre o corpo. Fraco. Moeda minha não resolveria. Ele precisa de dignidade, de oportunidade. E coisas assim, ao contrário da moda e das correntes de e-mails, não se criam nem se propagam por aí.

Juliano RigattiMinha primeira camiseta rosa

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  • Marla - 19 de abril de 2008 reply

    Só pra não te deixar na dúvida: salmão é peixe, salmon é cor.
    Continuo adorando teus textos!
    Bj

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