Ponto.

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Dois pontos: nascemos. Chega o primeiro dia de irmos à escola. Aprendemos a ler, a escrever, a somar, a subtrair. Pedro Álvares Cabral e Tiradentes. Os anos passam. Aprendemos como ler melhor, escrever melhor. Somar e subtrair de outras formas. E mais e mais gente. E mais e mais datas descobrimos. Chegamos à faculdade. Nos formamos na faculdade. E o problema persiste. Não sabemos pontuar.

Não, não é tão simples como vislumbrar o final, falar mais algumas coisas e pôr um ponto aqui. Nem tão simples como separar duas idéias diferentes. Essa. Daquela. Nem somente uma parada mais drástica que a vírgula.

É mais do que isso. É mais do que simplesmente um conjunto de regras que ensinam a pôr o ponto no lugar certo, aqui. Por exemplo. É a variável associada à segurança e a confiança da qual nos abastecemos ao longo da vida.

A vida passa, se desenrola e dificilmente quando chegamos na metade dela sabemos, de fato, onde pôr o ponto.

Recebi de uma amiga, a seguinte frase, por e-mail: “deixo meus bens à minha irmã não a meu sobrinho jamais será paga a conta do padeiro nada dou aos pobres.”

Assim. Sem nenhum ponto. O e-mail mostrava diversas maneiras de pontuá-la, de forma que ela passasse a dizer coisas completamente diferentes.

Era um e-mail-alerta para a importância do ponto.

A frase era pra ser um a espécie de testamento. A pessoa morreu antes de pontuá-la. Dizia o e-mail que se o padeiro tivesse a oportunidade de pôr os pontos, faria com que a sua conta fosse toda paga, nada sobrando à irmã, nem ao sobrinho, nem aos pobres.

Assim: “Deixo meus bens à minha irmã? Não. A meu sobrinho? Jamais. Será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres.”

Certamente, tudo depende de onde colocamos o ponto. Tanto no Português. Esses dias, à tarde, falava com um amigo sobre essa coisa de pôr pontos nas coisas da vida. Como na vida.

É difícil sabermos exatamente quando é a hora de pontuar, mostrar que estamos certos, que dali não passamos. É brabo também escolher a hora de só pôr uma vírgula e continuar tocando.

Dizem que a vida é feita de opções. Escolhemos tudo na vida e ela é o resultado das escolhas que fazemos. É mesmo. Mas de uma opção à outra, existem os pontos. Escolhemos o local de cada ponto. Substituímos vírgulas por pontos a todo momento e vamos sentindo, ao longo da vida, e pagamos pelos pontos que pomos.

O mais natural é uma certa covardia. Melhor, uma certa insegurança. A frase começa, as coisas acontecem, gostando ou não, deixamos de botar o ponto, mesmo quando temos a certeza de que ele deveria estar ali. Tem vezes que a certeza não vem. Mas era o momento do ponto. E não pusemos. Vírgulas e vírgulas. Falta ar muitas vezes. E o ponto não vem. Entra segunda e sai sexta e o ponto não vem.

Lembro da professora de Português, ofegante, lendo um texto meu, lá numa das primeiras séries. Estava fingindo, claro. Mas se fez ofegante para dizer que faltava pontos nas minhas frases, no meu texto. “Ái, falta ar pra ler teu texto, Juliano. Tens que pôr pontos, senão não dá pra ler”, advertia a ssora.

Senão não dá pra ler. Senão não dá pra ler. Aquilo ficou ecoando em mim.

Saber o lugar certo pra pôr os pontos da frase. Da vida. Será mesmo que decidimos onde serão postos os pontos de nossa vida? Colocamos os pontos sob nosso próprio julgamento ou os colocam por nós?

O referencial para os pontos no Português, está bem atrás de mim. Deve ter uns trinta anos já, o coitado. Chama-se MiniGramática da Língua Portuguesa. O autor é Domingos Paschoal Cegalla. Ensina a pôr os pontos nas frases. E na vida, qual o referencial que temos?

Ao longo dos séculos, pensadores de todos os tipos devem ter divagado sobre o uso dos pontos na vida. Com base no quê tomamos as decisões. São racionais ou emocionais. Acertamos ou erramos. Fomos fracos ou decisivos. Arrogantes ou medrosos. Destemidos ou acanhados. Éticos ou inconseqüentes.

Nesses tempos pós-modernos, achamos solução fácil pra tudo. Ou fingimos que a solução encontrada resolve nosso problema. Tipo eu agora, olho para o teclado, procuro com sono e com pressa o M… a vírgula… está aqui, o ponto.

Juliano RigattiPonto.

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  • Aline Tyska - 20 de junho de 2005 reply

    Legal, Juliano. Temos que colocar ponto em várias particularidades da nossa vida. Faço isso nestes últimos tempos, incessantemente.E as coisas vão tomando forma, sendo organizadas. Ou melhor dizendo, pontuadas. Adorei o texto.

  • Juliano Filipe Rigatti - 20 de junho de 2005 reply

    Ô Tyska! Quanto tempo…
    Tbm tento pôr pontos… mas andam bem difícil esses tempos…
    Fik bem.
    Abração!–>

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